Exemplo de inclusão
Escola de Viamão cria coral que reúne crianças com e sem limitações
Atividade da Escola Jardim Outeiral, inicialmente voltada para alunos com dificuldade de aprendizagem, hoje reúne estudantes em ambiente de inclusão
— Eu me sentia triste porque eu não posso caminhar. Agora, fico muito feliz porque consigo cantar.
A frase de Everton Lima da Conceição, nove anos, que tem a doença conhecida como ossos de vidro, cuja principal característica é a fragilidade dos ossos, que quebram com grande facilidade, define bem a transformação que o coral de uma escola de Viamão fez na vida de alunos com e sem necessidades especiais.
O que parecia uma singela tentativa de ajudar crianças com necessidades especiais a aprenderem a ler virou uma atividade extraclasse que deu nova cor ao cotidiano dos estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Jardim Outeiral.
A professora Rosane Kasper criou um coral com alunos especiais na tentativa de que, decorando a letras das músicas, os alunos tivessem mais facilidade para aprender a ler. A ideia não só deu certo como atraiu os demais alunos também.
Criado no começo do ano passado, o coral reunia 18 crianças com limitações como síndrome de Down, autismo e déficit de atenção. Hoje possui 30, entre alunos com e sem limitações.
— Eu pensava em criar um meio de estimular o desejo deles de ler, uma forma de tornar isso prazeroso. Não tinha a dimensão do que o coral iria se tornar — comemora a professora Rosane, psicopedagoga que coordena as aulas na sala de recursos.
Com a melodia dedilhada no teclado do professor Maurício Machado, a turma entoa canções como Eu Quero Apenas, Meus Amigos e Somos Iguais. Maurício vê a evolução cognitiva da turma a cada ensaio. São dez músicas que a gurizada já domina:
— Vi as crianças aprendendo a ler no coral. Também fui aprendendo a me comunicar com eles. Alguns eram tão introvertidos que nem me cumprimentavam, agora são outros alunos — emociona-se.
Dentro da sala de aula, a mudança também é perceptível:
— Os alunos, de um modo geral, estão mais independentes. Alguns eram retraídos e, hoje, têm certa autonomia _ conta a professora do do quinho ano Silvia Moraes, que também é mãe de Angelica, 12 anos, integrante do coral.
— Conseguimos aprender melhor, somos mais obedientes, sabemos até o canto da tabuada — orgulha-se Gabriel Victoria da Silva, sete anos, aluna do 1º ano.
"Aprendi que todo mundo é igual"
Ao Diário Gaúcho, que acompanhou uma tarde de ensaios em novembro, as crianças confidenciaram o quanto se sentem felizes no coral.
— Aqui, fiz amigos novos e aprendi que todo mundo é igual — diz Ketlellen Camargo, oito anos, aluna do segundo ano.
— O coral é como a nossa família — admite Maria Luisa Lucas, nove anos.
Eles mesmos reconhecem o avanço da alfabetização por meio da música.
— Antes, eu lia um pouco, agora, leio bem. Escrevo as letras no caderno, sei cantar cinco músicas do coral — assume João Carlos da Silva Rodrigues, 15 anos, aluno do quinto ano que tem retardo mental moderado.
O espírito de equipe e união surpreende. Juntos, um se dedica ao outro:
— Os demais alunos cuidam dos especiais. Os alunos não laudados que entraram no coral eram apagados e começaram a brilhar na escola. A autoestima deles é outra, se sentem importantes _ considera a professora.
— É preciso ter paciência e cuidado com o colega — ensina Maria Luisa Lucas, nove anos, aluna do quarto ano.
Evolução nas apresentações e autógrafos
As apresentações do grupo hoje em nada lembram a primeira, no Dia das Mães do ano passado. Naquele dia, todos os integrantes do coral se comprometeram a estar no evento. Só três compareceram:
— Eles tinham uma insegurança, uma vergonha. Fiquei impactada com aquilo. Chamamos as mães para ajudar, senão, não teria apresentação — lembra Rosana.
O episódio não lembra nem de longe o comportamento dos alunos nas apresentações de agora. São chamados por escolas e entidades e até já deram autógrafos. Estufam o peito para cantar e são desinibidos. Já começam a cantoria no ônibus, no trajeto até a apresentação.
Parceria com as mães garante sucesso
A proximidade das famílias com o coral é fundamental para que a iniciativa funcione e os pequenos tenham segurança ao soltar o gogó. As mães têm um grupo no WhatsApp com a professora Rosana e o professor de música, Maurício, em que o contato próximo faz toda diferença. O aplicativo é utilizado para agilizar o trabalho de sala de aula. A cada nova música, os professores mandam um áudio com a canção, outro áudio apenas com a melodia e, por último, a letra. Assim, a criança pode ir praticando, e lendo, em casa, com a participação da família.
— Muitas chegam aqui com a letra quase decorada, existe todo um envolvimento com a famílias. Há músicas longas, com cinco ou seis estrofes, que, no segundo ensaio, eles já decoram — conta o professor Maurício.
A participação dos pais também foi fundamental para a confecção dos trajes do coral. Hoje, eles têm roupas para apresentações no inverno e no verão graças à venda de rifas. Foram os pais que trouxeram itens para serem rifados.
— A família participando é outra coisa. Se eu tivesse mães relapsas, o coral não estaria tão bom como está agora. Se a gente precisa de um sapato, uma mãe ajuda, se falta outra coisa, sempre tem alguém que, se não resolve o problema, sabe quem pode ajudar — afirma Rosana.
No dia em que o DG visitou a escola, enquanto acontecia o ensaio dentro da sala de aula, do lado de fora estavam as mães, sentadas lado a lado, concentradas, ouvindo a cantoria dos pequenos.
Palavra de mãe
"Ele começou a ler no coral, entrou semianalfabeto. Todas as amizades deles são do coral. Ele sabe o dia e a hora dos ensaios, nas apresentações fora da escola, vibra. O social dele está se desenvolvendo como nunca."
Leila Dorneles Pereira, 51 anos, mãe de Marlon, 17 anos, que tem síndrome de Down
"Ele começou a alfabetização no coral. Era tímido, não cumprimentava as pessoas. Agora, está alfabetizado, mais solto, interage com os outros. Uma mudança muito grande. "
Tania Brito da Silva, 48 anos, mãe de Kelvin, que tem leve retardo mental
"Em casa, Gabriely nos ouve mais. Ela sempre adorou música, agora tem o coral como o compromisso mais importante para ela."
Kathleen da Silva, 27 anos, mãe da Gabriely Victoria
"Ela foi a primeira aluna não laudada a entrar no grupo, no final do ano passado. Se dá bem com todos, ajuda. Para ela, todo mundo é igual."
Leticia da Silva Lucas, mãe da Maria Luísa, nove anos
"Ela adora o coral, gosta muito da professora, está mais educada. Acolhe todo mundo, abraça, tem carinho por todos. "
Viviane da Rosa Araújo, 31 anos, mãe de Kemerlyn, dez anos, tem déficit de atenção
"Meu filho era introspectivo, isolado na escola. O coral despertou a confiança nele mesmo e a autoestima. Operou um milagre nele."
Andreia Stradolini, 42 anos, merendeira, mãe de Rodrigo, 12 anos
"Para a minha filha, foi ótimo, ela era birrenta. Hoje, sabe dividir a atenção, está mais calma e enturmada."
Marília Seco Rodrigues, 28 anos, servente da escola, Hadassa, sete anos