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Rede de solidariedade

Aos 77 anos, refugiada da II Guerra realiza sonho de lançar livro com memórias 

Após ter apelo publicado no Diário Gaúcho, imigrante aposentada mobiliza patrocinadores e comunidade alvoradense em prol do desejo de eternizar a história da família

18/05/2018 - 21h49min

Atualizada em: 18/05/2018 - 22h04min


Cristiane Bazilio
Cristiane Bazilio
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André Ávila / Agencia RBS
Tarde de autógrafos: Wanda fez dedicatórias em dezenas de exemplares

Inspiração. Esta foi a palavra que mais circulou entre os presentes no salão da igreja São José Operário, no bairro Passo do Feijó, em Alvorada, na tarde desta sexta-feira. Entre abraços calorosos, olhos marejados e um clima comunitário familiar, a cada depoimento e em toda roda de conversa, a palavrinha voltava à cena: inspiração. Às vezes, apareciam variações. Motivação. Exemplo. Era dessa forma que os convidados da aposentada Wanda Zimny, que lançava seu livro de memórias, A Pequena Imigrante — Relato de Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, a definiam enquanto celebravam com ela a conquista que só foi possível com muita perseverança e doses generosas de solidariedade. 

Aos 77 anos, a decendente de poloneses, refugiada da Segunda Guerra Mundial ao lado dos pais e do irmão, já falecidos, encerrava com sucesso um ciclo de quase três anos no qual se dedicou intensamente à realização de um sonho: eternizar as memórias da mãe sobre a vida na guerra e a chegada ao Brasil, escritas à mão pela aposentada, que, com a ajuda de uma rede de colaboração, conseguiu patrocínio para edição, finalização e, finalmente, a publicação. 

— Eu estou muito emocionada e muito grata por tanta ajuda que eu recebi, por tanta sensibilidade comigo. Vejo tanta gente feliz por mim, comemorando, realizada, que só tenho a agradecer por tanto. Este livro se tornou um objetivo para a minha vida e para que eu seguisse forte e me recuperasse de qualquer dificuldade para realizar esse sonho. Até minha saúde melhorou graças a ele. Por causa disso, não me entreguei à tristeza, não me deixei abater. Foi feito com muito amor — disse, visivelmente emocionada, a senhora que teve sua história contada nas páginas do Diário Gaúcho em setembro de 2017, quando fazia um apelo para quem tivesse interesse em ajudá-la. 

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André Ávila / Agencia RBS
Beth ajudou a promover rifas e angariar doações para a concretização do sonho da amiga

Não demorou a chover ajuda. Desde patrocínio por parte de entidades alvoradenses e estaduais, passando pela contribuição de pessoas que dedicaram seu tempo e trabalho gratuitamente em alguma etapa da realização da obra, até a imersão da comunidade em ações como a realização de rifas. Todos fizeram questão de prestigiar o lançamento do livro. 

— Vi as fotos antigas e me impressionaram muito. É a história de vida de uma guerreira. Ela tem que ter muito orgulho da sua história e deste feito. Este livro deve despertar nos outros uma reflexão sobre o passado, sobre a história e sobre o que esse povo viveu — diz Léo Altmayer, diretor da Fetapergs, uma das patrocinadoras do livro. 

Elizabeth Farias Cardoso, 63 anos, é coordenadora do grupo da terceira idade Alegria de Viver, do qual Wanda participa. As duas se tornaram amigas, e Beth, como é chamada, se empenhou em angariar doações e realizar rifas para ajudar a idosa:

— A história de luta, de sobrevivência e de recomeço dela me sensibilizou. Fiz tudo o que pude para ajudar porque eu costumo dizer no grupo que sempre é tempo de realizar um sonho, de fazer qualquer coisa que se deseje. Ela é um exemplo disso, uma inspiração para todos nós. 

Gleci Rodrigues, 71 anos, participante do grupo Alegria de Viver, compartilhava do mesmo sentimento:

— Eu me sinto realizada com ela e muito emocionada, porque eu mesma tive muitos sonhos que não aconteceram. Agora, vendo alguém de 77 anos conseguir algo tão importante que desejava, é como se me visse representada nela. Isso é um exemplo muito valioso para nós idosos. 

André Ávila / Agencia RBS
Gleci é colega no grupo da terceira idade e se sente representada pela força e perseverança da amiga

SURPRESA

André Ávila / Agencia RBS
Com novos amigos poloneses e a quase "filha" Carla, idealizadora do projeto

Com um problema na visão que se desenvolveu depois que o livro já estava escrito e agravado por uma catarata, Wanda autografou, incansável, dezenas de livros, por vezes, com a ajuda de uma lanterna, conforme ia escurecendo e a luminosidade no salão paroquial ia ficando reduzida. Com lágrima nos olhos, se dizia grata por tudo o que já conquistou até aqui:

— Agora, vou curtir meu livro pronto, meus amigos, inclusive os que fiz durante essa caminhada, que não foram poucos, e, quem sabe, o que a vida ainda tiver para me reservar. 

Mas, para a assistente social Carla Freitas, braço direito de Wanda e principal idealizadora do projeto, o trabalho continua na intenção de divulgar e planejar a venda dos exemplares. Foi Carla quem digitou os manuscritos de Wanda e tomou a frente nessa jornada, estabelecendo com a aposentada um vínculo que elas costumam descrever como "de mãe e filha": 

— A emoção é muito grande. O livro chegou ontem (quinta-feira, 17) às nossas mãos da gráfica, já passava das 18h. Então, teve um misto de expectativa e ansiedade e, depois, de alívio ao ver o resultado. Aos 77 anos, ela passou mais de dois anos nesse processo cheio de percalços e decepções, mas não perdeu o foco, e tudo foi sendo resolvido até chegar a esse momento. Agora, respiro mais fundo, porque conseguimos o mais difícil, o que parecia utopia. 

A tarde ainda reservou uma surpresa para Wanda. Integrantes da Sociedade Polônia de Porto Alegre compareceram ao lançamento do livro e executaram o hino polonês, que foi entoado pela aposentada com lágrima nos olhos, num momento que tomou a todos de emoção no salão. 

— Me interesso pela história polonesa há muito tempo, mas o valor deste livro não está somente nas memórias familiares dela, mas no fato de se tratar de sobreviventes, de relatar os efeitos sobre uma outra geração, que é a dela, o depois, o reconstruir da vida. Isso vai virar uma referência. E ainda por cima me parece que virou uma espécie de unidade da comunidade que se uniu para dar vazão a este sonho da Wanda — avaliou o decendente de poloneses Sidnei Ordakowski, que afirmou ter tomado conhecimento da história de Wanda pelas páginas do Diário. 

André Ávila / Agencia RBS
Prestígio da comunidade em evento que marcou a vida da aposentada


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