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Papo Reto

Manoel Soares reflete sobre seu passado, presente e futuro

Colunista relembra sua infância sofrida e uma oportunidade que mudou sua vida

19/05/2018 - 08h00min


Lauro Alves / Agencia RBS

Quando comecei em minha carreira, acreditava que minhas experiências eram meu maior patrimônio. A partir delas, teria que mostrar quem eu era e o que seria capaz de fazer. Mas, quando olhava para meu passado, só via dor. Pai assassinado, mãe batalhadora, mas ainda massacrada pela pobreza que é uma máquina de moer gente. 

No Brasil, nada que eu via de sucesso se parecia comigo, mas ainda assim eu achava que meu plano de sair do barraco de madeira iria dar certo. Eu era um rascunho mal-acabado de algo que não existia. Se quisesse avançar, precisava encarar meu passado com outros olhos, tentar me ver diferente, porque, daquele jeito, só sentia revolta e depressão. 

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Neste aspecto, o conhecimento histórico ajudou muito. Saber que Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Nelson Mandela, entre outros, eram, como eu, filhos de uma realidade dura, me deu o primeiro vislumbre de possibilidade.

Quando saía dos livros e via que os cachorros das patroas de minha mãe dormiam em camas mais confortáveis que a minha, era angustiante. Imagine uma criança querendo ser um cachorro, sim, isso era eu. Vendo isso, intuitivamente, minha mãe começou a me incentivar a seguir essa chama maluca que me fazia falar sem parar. Acho que, apesar de ser considerado um péssimo aluno por não calar a boca, ela entendia que falar era meu dom. Com o dinheiro de muitas faxinas, me deu um book fotográfico, e nele me vi pela primeira vez. 

Um dos patrões dela, ao ver as fotos, me deu uma bolsa em uma escola de teatro onde eu era o único favelado. Comecei a esquecer o passado e a desejar o futuro. Aos poucos, vi que jovens como eu não só têm passado, mas têm um futuro. Hoje, vejo que o futuro é tudo o que tenho, e que o passado não me pertence, não é meu, só fiz parte dele. Meu é o que posso fazer amanhã, corro atrás do amanhã como um louco, porque ele é uma folha em branco e minha caneta preta tá cheia de tinta. Não podemos ter as dores do passado como âncoras que nos levam para o fundo, mas como motores que movem nossas turbinas e nos fazem voar alto.



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