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Porto Alegre

Usuários denunciam más condições do Albergue Municipal 

Relatos de falta de estrutura e de higiene são comuns entre as pessoas em situação de rua atendidas no local

08/06/2018 - 07h00min

Atualizada em: 08/06/2018 - 09h58min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Carlos Macedo / Agência RBS
Há meses, a entidade deixou de ofertar lençóis nas camas e a limpeza dos cobertores deixa a desejar

Dez toalhas brancas dobradas sobre a mesa de entrada do Albergue Municipal, no bairro Floresta, em Porto Alegre, eram as únicas disponíveis aos 150 albergados na noite da terça-feira passada. Estavam sendo guardadas para os casos mais extremos. Como os chuveiros dos banheiros masculino e feminino não oferecem um banho quente há mais de seis meses, a expectativa era de que permanecessem sem utilidade. Para piorar a situação, as dificuldades do serviço ofertado para quem só teria a rua como colchão parecem longe do fim. 

— Estas toalhas vão sobrar porque ninguém vai querer tomar banho frio com o clima que está fazendo na cidade. E não tiramos a razão deles. Melhor dormir sujo do que adoecer —sentenciou um funcionário. 

Na semana em que as temperaturas baixaram de 10ºC em Porto Alegre, a maioria tem seguido a cartilha do funcionário. No site da Fasc, o Albergue é identificado como um espaço que dá atendimento em caráter de pernoite a 120 pessoas no verão e 150 durante a Operação Inverno (de junho a setembro), das 19h às 7h, e oferece dormitórios, cuidados de higiene e alimentação. Porém, a descrição está distante da realidade. Há meses, a entidade deixou de ofertar lençóis nas camas e a limpeza dos cobertores deixa a desejar. Imundos, destilam cheiro de urina e acabam sendo usados devido à falta de opção dos homens e mulheres em situação de rua que recorrem ao local como única chance de escapar do frio. Há também um surto de pulgas nos quartos. 

— Fico até quatro dias sem banho e só tomo quando nem eu aguento mais o meu cheiro. A gente já tá numa situação difícil. Quando o único lugar que poderia nos ajudar vira as costas, a gente não sabe o que fazer — desabafou um homem de 40 anos, em situação de rua há seis meses. 

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Situação humilhante

De cabelos molhados, a orientadora socioeducativa desempregada Fabi dos Santos, 36 anos, foi das poucas que tomou banho naquele dia. No final da tarde de terça, ela havia conseguido banhar-se nos chuveiros do Centro Pop, onde só o feminino ainda ofertava água quente. O companheiro, Gabriel da Fonseca, se jogou na água gelada. Nas ruas de Porto Alegre há dois anos e meio, desde que saíram de São Paulo, os dois tentam retomar a vida profissional, mas, sem endereço fixo, não conseguem se inscrever no Sine. Quando não dormem no Municipal, pernoitam no Albergue Felipe Diehl, no bairro Navegantes. Durante o dia, utilizam as dependências do Centro Pop.

Carlos Macedo / Agencia RBS
Entrada do albergue

— Já estamos numa situação humilhante e querem nos humilhar ainda mais, sem nos dar a chance de um banho e de uma cama limpa. Tudo fica ainda mais difícil para quem já não tem nada — lamentou Fabi, que garantiu ter curso e experiência na função de orientadora socioeducativa. 

A gari Maria Dilamar da Silva Flores, 42 anos, não teve a mesma sorte de Fabi e não conseguiu tomar banho. Era o terceiro dia sem higiene. 

— Vou ter que encarar o banho frio. Não estou mais me suportando — confessou. 

Carlos Macedo / Agência RBS
Maria não conseguiu tomar banho

Bebedouros inoperantes

Outra situação reclamada pelos usuários do albergue é a inutilidade dos cinco bebedouros secos do local. Não há água neles há tanto tempo, que ninguém lembra quando foi a última vez. O reciclador Assunção Ferreira Silveira, 27 anos, vivendo na rua desde os seis anos, chegou sedento por um copo de água e teve que se contentar com a da torneira do banheiro, antes de receber a bebida servida com a janta. 

— Não tratam a gente como ser humano, parece que querem nos correr de vez daqui — lamentou. 

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Carlos Macedo / Agencia RBS
Fabi conseguiu banho no Centro Pop

Fasc admite problemas e não dá prazo para solução

Em nota, e sem citar datas para resolver os problemas citados por albergados e funcionários, a Fasc respondeu que "algumas máquinas de lavar do Albergue estão em manutenção. Para que essa demanda seja atendida, a Fasc está na fase de contratação de serviço terceirizado que ficará encarregado de lavar e secar as roupas de cama e banho, recebendo o material pronto para o uso". 

Em relação às pulgas, a fundação informa que "toma diariamente cuidados com a higienização dos locais e vai verificar novamente a situação para ver o que pode ser feito a fim de minimizar o problema". 

Sobre os chuveiros, explicou que "o Albergue Municipal possui aquecimento a gás. Devido ao uso concomitante de todos os chuveiros, o aquecimento se torna insuficiente. A Fasc já está em fase de tratativas para que novos aquecedores sejam instalados no local para sanar a demanda".

Carlos Macedo / Agência RBS
Banheiros masculino e feminino não oferecem um banho quente há mais de seis meses

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Vigilantes sem salários há cinco meses

A penúria chegou até nos oito vigilantes, funcionários da terceirizada responsável pela segurança do local. Sem receberem os salários há cinco meses, eles seguem trabalhando apenas recebendo o vale-transporte e o vale-refeição que, por sinal, também estão atrasados neste mês. 

— Seguimos trabalhando em respeito a estas pessoas que não têm para onde ir. Se não viermos, o serviço não vai abrir. Mas tem colega nosso passando fome — contou um vigilante. 

Carlos Macedo / Agencia RBS
Usuários aguardam para entrar no Albergue Municipal

Por meio de nota, a Fasc informou que "a empresa contratada apresentou nesse mês de junho/2018, a documentação referente à abertura do pagamento do mês de janeiro/2018. Esse atraso no pagamento ocorre pela morosidade da entrega por parte da empresa para a abertura do processo de pagamento. Por esse motivo, o repasse não pode ser feito".

Segundo o gerente administrativo da Spider Segurança Privada, Daniel Mazui, a prefeitura deve R$ 900 mil à empresa desde o início deste ano. Destes, R$ 240 mil seriam só para salários dos 27 vigilantes da empresa que atuam no albergue, em abrigos e em Centros de Referência da Fasc. Ele reconhece que houve problemas com a documentação da Spider, mas que eles foram resolvidos. 

— Conseguimos protocolar na prefeitura as notas fiscais na quarta-feira passada e temos a previsão de pagar um salário e meio para cada funcionário. Nossa meta é pagar três salários ainda neste mês — garantiu Daniel. 

Carlos Macedo / Agencia RBS
Reciclador Assunção Ferreira Silveira denuncia falta de bebedouros

Os albergues na Capital 

/// A pessoa em situação de rua pode acessar durante 15 dias o mesmo albergue, prorrogáveis conforme a necessidade. No total, são 445 vagas disponíveis.

/// Albergue Municipal (Rua Comendador Azevedo, 270, bairro Floresta). 150 vagas durante a Operação Inverno

/// Albergue Felipe Diehl (Praça Navegantes, 41, bairro Navegantes). 205 vagas durante a Operação Inverno

/// Albergue Dias da Cruz (Avenida Azenha, 366, bairro Azenha). 90 vagas

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