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Procura-se um emprego

Conheça as histórias de sete pessoas na busca por trabalho

Em Porto Alegre, a estimativa é de 180 mil pessoas fora do mercado

10/07/2018 - 07h00min


Felipe Bortolanza
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Fernando Gomes / Agencia RBS
Estimativa é de 180 mil pessoas fora do mercado na Capital

O primeiro a chegar à fila postou-se na frente da porta do Sine Municipal às 23h30min do domingo. Ainda não chovia. Mas o frio e o vento à beira do Guaíba já indicavam o sofrimento de passar a noite à espera da ficha número 1 para candidatar-se a uma vaga de emprego. A porta, afinal, só se abriria às 8h de ontem. A vontade de conseguir um trabalho com carteira assinada é grande e só se equipara à vergonha por estar desempregado. Tanto que não quer falar com a reportagem, muito menos tirar foto.

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Atrás dele, centenas começam mais uma semana na fila por emprego em Porto Alegre. Muitos com vergonha até de mostrar o rosto. É a face mais cruel de uma situação que atinge 13,2 milhões de pessoas no país. 

Em Porto Alegre, a estimativa é de 180 mil pessoas fora do mercado. Em média, hoje, no Brasil, um trabalhador passa 14 meses até se reposicionar no mercado. Alguns desempregados, contudo, toparam contar um pouco de sua rotina. A partir de hoje, o Diário Gaúcho pretende acompanhar a luta destes trabalhadores em busca de recolocação no mercado.

14 MIL ENCAMINHADOS EM 2018
As manhãs das segundas-feiras são as mais concorridas na porta do Sine Municipal, um dos locais mais tradicionais de busca por trabalho no Rio Grande do Sul. Por dia, a média é de cem novas ofertas de serviço. Só neste ano, 14.047 pessoas foram encaminhadas para empregos.

O Sine (sigla de Sistema Nacional de Emprego, vinculado ao Ministério do Trabalho) atende gratuitamente quem procura e também quem oferece vagas. Como adendo, em Porto Alegre, também ocorrem intermediação de mão de obra, emissão de Carteira de Trabalho e inscrição em cursos de qualificação profissional, além da habilitação ao Seguro Desemprego.

– Há ainda o serviço de orientação profissional. Um psicóloga e uma assistente social auxiliam quem está há muito tempo na busca. Às vezes, é questão de tentar uma outra atividade – diz Leandro Balardin, diretor de Trabalho, Emprego e Renda da Secretaria de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre.

Sine municipal da Capital
/// Onde fica: esquina das avenidas Mauá com Sepúlveda, no Centro Histórico

/// Horário: 8h às 17h, de segunda a sexta

/// O que levar: carteira de identidade, carteira de trabalho e comprovante de endereço. Na entrevista de cadastramento, também poderá ser solicitada a comprovação da escolaridade e da qualificação exigida.

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Pai de sete filhos

Fernando Gomes / Agencia RBS
"Está difícil viver sem renda fixa": Jonatas, 38 anos

O segundo na fila do Sine na manhã de ontem era Jonatas Rafael Duarte, 38 anos. Morador do bairro Sarandi, saiu de casa às 4h e, uma hora depois, estava no Centro. Há dois meses, desde que perdeu o emprego, esta é a dura rotina do homem que busca vaga de auxiliar de limpeza:

– Está difícil se virar sem renda fixa. Mas não posso relaxar. Estou tentando também algum trabalho como carga e descarga, o que aparecer vou abraçar.

E boa parte do salário tem destinos certos. Separado, Jonatas tem sete filhos.

– Preciso ser um pai responsável.

Nem para a passagem

Fernando Gomes / Agencia RBS
Renato, 46 anos

Perto de Luiz estava Renato Gomes Ofrasio, 46 anos. Seu sonho é achar um emprego como carpinteiro. Parado há um ano, conta que tem dificuldade até para manter a luta:

– Não tenho dinheiro para pegar ônibus e entregar currículos.

A única saída certa de casa (no bairro Primavera, em Alvorada) é para vir ao Sine toda a segunda-feira. Durante os outros dias da semana, se informa sobre vagas nos classificados do jornal. Renato conta que está morando com uma irmã, que tem o ajudado financeiramente.

– Nem número de celular eu tenho. Deixo o dela (irmã) no meu currículo...


Centenas de currículos

Fernando Gomes / Agencia RBS
Luiz Porto, 52 anos

Luiz Porto, entre os 10 primeiros na fila, é o único a puxar assunto com a reportagem.

– Estão preparando matéria pra sair no Diário Gaúcho?

– Sim.

– Posso falar da minha situação?

Aos 52 anos, o morador do bairro Maria Regina, em Alvorada, conta que está há três meses sem emprego. Semanalmente vem ao Sine. Pretende continuar como porteiro, mas já procura trabalho como frentista ou auxiliar de açougue. Uma irmã tem ajudado Luiz com o sustento da casa.

– Já larguei currículo em mais de cem postos de gasolina. Falam sempre que preciso passar por seleção. Está difícil.

O sonho do jovem padeiro

Fernando Gomes / Agencia RBS
Cristiano, 21 anos

Cristiano Lucas de Oliveira era um dos poucos com sorriso no rosto. O frio, a chuva e o vento não impediram o jovem de escolher um belo paletó preto, combinado com uma camisa verde, para entregar o currículo. Foi a segunda vez que o rapaz de 21 anos procurou o Sine. Há seis meses, porém, distribui currículos para empresas, seja por e-mail ou pessoalmente.

Morador do bairro Lami, Cristiano quer trabalhar como padeiro: gostou da função depois de uma experiência na padaria de um grande supermercado. Mas por que encarar uma fila, acordando de madrugada, ainda tão jovem?

– Preciso trabalhar, ter uma profissão. Moro com meus pais e sonho em comprar uma casa – afirma Cristiano.

Três anos na busca
Bianca dos Santos, 29 anos, é mãe de dois filhos. Na manhã de ontem, precisou deixar a casa cedo na esperança de acabar um tormento que a incomoda desde 2014. Ela mora na Ilha do Pavão, em Porto Alegre, e procura um emprego com carteira assinada na função de serviços gerais. 

– Estou sem renda fixa há três anos. É muito difícil. Tenho duas crianças para criar – lamenta Bianca.

Segundo ela, na maioria das vezes, antes mesmo de conseguir entregar o currículo nas empresas, ouve das empresas:

– Não temos vagas. Estou vivendo de bicos...

Confiante na mudança

Fernando Gomes / Agencia RBS
Tatiana, 38 anos

Faz uma semana que Tatiana Trindade, 

38 anos, experimenta a tensão de estar desempregada. Talvez o pouco tempo, se comparado à média de 14 meses do trabalhador brasileiro, explique sua esperança em reverter a situação em pouco tempo. Morando sozinha do bairro Cidade Baixa, na Capital, ela fazia sua “estreia” na fila do Sine Municipal.

– Tenho experiência com vendas, com comércio em geral. Mas também posso trabalhar como auxiliar de escritório. Espero que meu currículo me ajude aqui.

A barreira da idade

Fernando Gomes / Agencia RBS
Eroni, 55 anos

Eroni Correia sabe que a crise se estende há anos no Brasil, por vários motivos. Mas pensando na sua dificuldade de encontrar trabalho, o porteiro de 55 anos tem uma explicação:

– Parece que ninguém quer empregar quem passou dos 50 anos. Só vejo as empresas chamando a gurizada.

Eroni gostaria de seguir trabalhando em portaria, mas já pensa em carpintaria. Há um ano sem carteira assinada, o morador do bairro Sarandi tenta manter a esperança. Mas a ansiedade, por enquanto é maior.

– Tenho um enteado em casa, preciso ajudar no sustento da casa – conclui o porteiro, que ontem estava acompanhado da esposa.


Flagrante do desalento
O Brasil vive um triste recorde. No trimestre encerrado em maio, a população fora da força de trabalho alcançou 65,413 milhões de pessoas, ou seja, 475 mil indivíduos a mais nessa condição do que no trimestre anterior. Hoje, 12,7% da população brasileira não trabalha com carteira assinada –  percentual que vem oscilando entre 11,8% e 13,6% nos últimos 18 meses. Os dados foram divulgados no último dia 29 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além da crise financeira e da retração das ofertas de emprego, o número também pode ser reflexo do desalento, segundo avaliação do IBGE. O fenômeno ocorre, por exemplo, quando as pessoas deixam de procurar emprego após uma série de frustrações.

E ontem, a reportagem flagrou um exemplo disso. Perto das 9h, a fila já havia se esgotado na parte externa do Sine Municipal da Capital. Um casal se aproximou da porta e perguntou se tinha muita gente à espera de atendimento. Ao ouvir do porteiro que a sala estava lotada, os dois se olharam e um deles disse:

– Ah, não. Deixa pra lá...

Especialistas calculam que cerca de 60% da população fora da força de trabalho mas com potencial para voltar ao mercado esteja em situação de desalento.



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