Habitação
Moradores questionam valores para regularizar casas da Granja Esperança, em Cachoeirinha
Famílias de bairro, ocupado há 30 anos, afirmam que a entrada e as prestações propostas na regularização estão acima do que a maioria pode pagar
As quase 1.700 famílias que vivem na Granja Esperança, em Gravataí, podem ter suas casas regularizadas depois de 30 anos de ocupação. Porém, o valor cobrado por parte da Habitasul – agente financeiro na época da construção das casas – está gerando preocupação e indignação entre os residentes. Para regularizar a situação do imóvel, está sendo cobrada dos moradores uma entrada de R$ 9 mil a R$ 13 mil, além de parcelas de R$ 1 mil por 180 meses. A Justiça determinou que os moradores terão 180 dias para começar a pagar o valor.
Os moradores atuais têm prioridade para comprar as casas. Caso os valores não sejam pagos, a venda poderá ser feita para qualquer pessoa. Neste caso, as famílias perderiam os imóveis.
A comunidade relata que o valor é muito alto para o orçamento da maioria das famílias que vive ali. Alega que, quando as casas foram ocupadas, não tinham portas, janelas e, muitas, nem telhado.
É o caso de Sereni Nunes, 56 anos, que vive há 30 anos na Granja, acompanhada do marido Paulo Castanho de Araújo, 54 anos, e do filho Rodrigo Nunes, 34. Com o nascimento das outras duas filhas, Paula e Queli, atualmente com 22 e 28 anos, respectivamente, a família aumentou a casa.
– Não tinha luz nem água. As casas estavam abandonadas quando ocupamos – conta Sereni.
– Há 30 anos, o pessoal construiu, aumentou as casas, fez muros. Pelo apelo dos moradores, o bairro foi asfaltado, há linhas de ônibus, construíram escolas. Agora, querem aproveitar a valorização do bairro e cobrar um preço alto, mas foram os moradores que fizeram isso – aponta o corretor de imóveis e genro de Sereni, João Cleber Fraga da Silva, 27 anos.
Preço justo
Os moradores confirmam que desejam pagar pela regularização, mas gostariam que o valor fosse de acordo com as condições de cada um e também com a metragem que o imóvel tinha há 30 anos.
– Todo mundo quer pagar. Mas tem pessoas que ganham R$ 700 aqui. Como vão pagar R$ 1 mil por mês? Vão tirar dinheiro de onde? – questiona Sereni.
Teresa Santos da Luz, 55 anos, é proprietária de um mercadinho no bairro. Vive na Granja há 31 anos e há cerca de três trouxe os pais David e Hortênsia, de 87 e 80 anos, de São João, no Paraná, para viverem mais perto da família. Ela diz ter dificuldades para quitar as contas mensais:
– Nem eu nem meus pais temos condições de pagar um valor tão alto. Queremos um preço mais justo.
Impasse começou na década de 1980
Na década de 1980, a Cooperativa São Luiz estava construindo as casas e buscou recursos junto ao agente financeiro, na época, a Habitasul Crédito Imobiliário. Os 1.632 imóveis foram financiados. Porém, a Habitasul não recebeu o valor e entrou na Justiça, ainda na década de 1980, para regularizar o crédito junto à Cooperativa.
Segundo a Habitasul, nesta mesma época, as casas começaram a ser ocupadas, e o impasse ocorre desde então. Recentemente, a organização ganhou na Justiça o direito de vender as casas. Os moradores atuais têm prioridade para a compra, desde que paguem os valores estabelecidos.
Luta por prazo e valores menores
Os moradores, junto da Associação Comunitária Granja Esperança Unida (Acogeu), criaram uma comissão para negociar o prazo e os valores, além de tentar esticar o prazo de 180 dias.
– A ideia é tirar essa entrada, que tem um valor absurdo, e fazer uma prestação que caiba no bolso – ressalta o presidente da Associação, Claiton Menezes.
A Habitasul afirma que o valor cobrado é o da avaliação feita pela Caixa Econômica Federal. Feita por um engenheiro, diferencia apenas os imóveis residenciais dos que são comerciais. Para casas, será cobrado um valor entre R$ 96.403,23 e R$ 147.028,38.
– O valor cobrado é o do estado dos imóveis como estão nas matrículas, ou seja, considera a situação original – explica a coordenadora comercial da Habitasul, Maria Schulz.
Imposto também será cobrado
Desde a ocupação, poucas pessoas pagaram regularmente o IPTU no bairro. O prefeito de Cachoeirinha, Miki Breier, garante que, na regularização, não será cobrado o valor relativo aos 31 anos atrasados. No máximo o equivalente aos últimos cinco anos, com possibilidade de parcelamento.
Mesmo que o processo esteja correndo entre a empresa privada e os moradores, a prefeitura afirma que está tentando fazer a intermediação entre ambos para favorecer os moradores, pois muitos não têm condições de pagar. Além de tentar aumentar o prazo de 180 dias, o município quer fazer com que o Imposto sobre Transmissão de Bens e Imóveis (ITBI) seja equivalente à situação das casas há 30 anos, sem considerar as melhorias nas habitações neste período.
– A regularização também é de interesse do município. Estamos buscando as condições necessárias que os moradores possam pagar – afirma o prefeito.