Festa da Resistência
A expectativa dos amantes do Carnaval com o retorno dos desfiles ao Porto Seco
Em 2017, apenas escolas do Grupo Especial mostraram o samba na Avenida. Em 2018, nenhuma alegoria foi vista na pista
Em pouco mais de dois meses, quando a primeira escola de samba entrar na Avenida do Complexo Cultural do Porto Seco, Porto Alegre encerrará seu jejum com a maior festa do samba. Depois de ter apenas desfiles do Grupo Especial em 2017 e não ver nenhuma alegoria na pista em 2018, o sambódromo da Capital será novamente lar dos carnavalescos.
O evento será nos dias 15 e 16 de março, sem qualquer apoio da prefeitura e organizado pelas próprias agremiações, sem a interferência da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa).
A festa deste ano promete ser um Carnaval da resistência, como aponta Arlindo da Silva Mença, o Baia. Acumulando os cargos de presidente da escola Unidos da Vila Mapa e da União das Entidades Carnavalescas do Grupo de Acesso de Porto Alegre (UECGAPA), ele é um dos entusiastas da festa que promete dar vida ao Porto Seco.
Independente
– A Liespa tentou atrair gente de fora para custear o evento, mas não deu. O tempo está passando e não queremos ficar mais um ano sem Carnaval. A UECGAPA decidiu fazer a qualquer custo, seria na Orla do Guaíba, inclusive. Agora, com a aproximação das escolas da Série Ouro, resolvemos usar o Porto Seco – revela Baia.
E quem resiste é o povo do Carnaval. São aqueles que ainda vão aos ensaios nas quadras, na tentativa de não deixar essa manifestação cultual se esvair junto ao apoio do poder público, que já não existe mais. São estas pessoas que se empenham na cadeia produtiva da festa, muitas vezes, de graça. No desfile deste ano, por exemplo, boa parte do trabalho será voluntário. Quem trabalhar na produção do evento, ganhará apenas uma ajuda de custo de R$ 40.
"Eu é que não vou perder"
Carnaval e Onira Pereira são quase uma mesma entidade. Considerada a maior porta-estandarte do Carnaval gaúcho – foi campeã em sete de nove Carnavais quando esta função era competitiva – ela chegou a desfilar no Rio de Janeiro por três anos, entre 1996 e 1998. A primeira oportunidade no Carnaval carioca veio no desfile da Vila Isabel que homenageou o Rio Grande do Sul. Onira, claro, desfilou como porta-estandarte. Nos dois anos seguintes, vieram as participações na Estácio de Sá e na Grande Rio.
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O envolvimento dela fez com a família também fosse para a folia. O marido, Carlos Marcelino, já falecido, quando se casou com Onira, não gostava de Carnaval. Quando faleceu, era conselheiro da Bambas da Orgia.
As duas filhas, Kizzy e Guislaine, seguiram os passos da mãe sendo porta-estandartes em vários Carnavais. A única diferença está na agremiação preferida: as meninas fazem parte da Estado Maior da Restinga. Em 2007, inclusive, Onira auxiliou na preparação das filhas para o desfile pela Restinga.
– Este Carnaval vai ser de união, de trazer o povo de volta para as escolas. Vai ser importante sair para a Avenida mostrando que podemos caminhar com nossos próprios pés, sem auxílio da prefeitura e contra uma parcela da sociedade que não apoia esta manifestação cultural – projeta Kizzy.
Para Onira, bambista desde 1971, a dor de não ver as escolas saindo para a Avenida no ano passado foi grande. Mas, como ela conta, dor de carnavalesco se cura com festa.
– Quando cancelaram nosso Carnaval, eu fui direto para o de Uruguaiana, não iria ficar em casa. Quando eu falto em algum ensaio ou aniversário de escola, já me procuram para saber se está tudo bem – conta ela, entre uma risada e outra.
Incerteza
No ano passado, Onira iria para a Avenida no Porto Seco. A moradora do bairro Santa Tereza, hoje com 68 anos, desfilaria pela União da Vila do IAPI. Mesmo sendo eterna porta-estandarte da Bambas, o desfile por outra escola tinha um bom motivo. O enredo
da IAPI era em homenagem a Alceu Collares, que, quando governador, cedeu o terreno onde hoje fica a quadra da Bambas, na Avenida Voluntários da Pátria. O intermédio da doação foi feito por Onira.
– A área que seria doada é onde hoje fica o Lacen (Laboratório Central do Estado), na Ipiranga. Como seria construído o laboratório, conversei com Alceu e nos reunimos no Piratini. Ele apresentou algumas opções e, no mesmo dia, visitamos o espaço na Voluntários, que era uma garagem de veículos antigos do Estado – recorda a carnavalesca.
Onira ainda não sabe como será a festa deste ano, mas garante que estará no Porto Seco, seja na Avenida ou nas arquibancadas:
– Se o IAPI mantiver o mesmo enredo, posso desfilar, mas só neste caso. Acho que as escolas deveriam manter o que não saiu no ano passado. Além disso, pelo menos um carro abre-alas poderia ser apresentado por cada uma, mesmo não sendo obrigatório. Enfim, eu é que não vou perder essa festa.
Uma volta às origens
Um dos maiores casos de amor pelo Carnaval pode ser representado por quem abriu mão de estar em outro lugar e decidiu morar na casa do samba, o Complexo Cultural do Porto Seco. Mesmo sofrendo com o abandono, o local ainda é a sede oficial das escolas de samba, onde ficam os barracões.
Andar por estes locais traz a sensação de se estar numa festa que ficou congelada no tempo. Carros alegóricos gigantescos, cobertos de enfeites brilhantes, estão prontos para desfilar. Com o
passar do tempo, acumularam também uma grossa camada de poeira. A razão disso vem do desfile de 2017, quando a Série Prata foi impedida de entrar na Avenida por falta de PPCI no Porto Seco. As alegorias já estavam prontas nos barracões – onde aguardam até hoje por sua hora de brilhar.
A segurança dos 15 ginásios fica a cargo apenas dos caseiros que moram ali, em boa parte, voluntariamente. É o caso do carnavalesco Gilson Lucena, 68 anos. Vivendo no barracão da escola Copacabana, da Série Prata, ele zela pelos carros alegóricos que desenhou e construiu para o desfile da agremiação em 2017.
Esperança
Em tom saudoso, fala da expectativa de vê-los na avenida do Porto Seco, local que tem como casa.
– O descaso com esse espaço dói. Uma área tão grande, que poderia abrigar um número incontável de projetos sociais, indo muito além do Carnaval, no estado em que está hoje, é lamentável – acredita Gilson.
Com esperança, o carnavalesco sonha com o dia em que o local seja usado durante o ano todo, não somente na época de Carnaval. Dos 15 galpões, quatro não têm caseiros, entre eles, o da Liespa, vazio:
– Outro espaço que a prefeitura poderia explorar. Por que a liga precisa de um barracão?
Na visão do líder da UECGAPA, não fazer o desfile na Zona Norte seria injusto com o complexo cultural. Por isso, mesmo que não seja um item obrigatório, as escolas aproveitarão a oportunidade para colocar os carros prontos desde 2017, enfim, na Avenida.
– Levar os carros para outro lugar seria trabalhoso demais. E queremos uma festa simples e econômica. Uma espécie de volta às origens. Então, vamos desfilar aqui mesmo. Vamos arrumar e limpar os carros, abrir o barracão e ir para a Avenida – aponta Baia.
Como será a folia?
Até o momento, o que se tem certeza é de que haverá Carnaval. O desfile será misto, ou seja, as seis escolas da Série Ouro e as oito da Série Prata desfilarão juntas. Não haverá rebaixamento, apenas a campeã da Série Prata deve subir ao grupo principal.
O custeio da festa se dará basicamente pela venda dos 190 camarotes que serão montados no Porto Seco. A partir do dia 21 de janeiro, já poderão ser adquiridos os camarotes, que terão custo entre R$ 800 e R$ 1.500, com capacidade para até 18 pessoas. Os ingressos poderão ser comprados no campus da Universidade Anhanguera, no Centro Histórico.
Ainda serão montadas arquibancadas com capacidade para 3,5 mil pessoas. Nestes locais, a entrada será gratuita.
Mesmo competitivo, o desfile deste ano será mais econômico. Com o pouco tempo para produzir os carros alegóricos e falta de dinheiro para tal, este é um quesito que não será obrigatório. Serão sete categorias avaliadas por três jurados. As notas serão obtidas a partir dos seguintes quesitos: bateria, harmonia musical, samba-enredo, tema enredo, evolução e mestre-sala & porta-bandeira.
Pré-carnaval
Para atrair a comunidade novamente para as quadras e para o desfile no Porto Seco, até março ocorrem eventos pré-carnavalescos na cidade. Estão previstos três encontros das escolas do grupo Ouro, sendo o primeiro dia 25 de janeiro, na quadra da Imperatriz Dona Leopoldina, quando também ocorrerá o sorteio dos desfiles.
O segundo, no dia 22 de fevereiro, será na quadra dos Bambas da Orgia, e o terceiro, em 8 de março, na sede da Estado Maior da Restinga. O grupo Prata terá seu encontro no dia 16 de fevereiro, na quadra da Copacabana, no bairro Bom Jesus.
As tradicionais descidas da Borges, no Centro, não serão realizadas por falta de recursos.
Apenas espectadoras
Organizadores da principal festa do samba em outros anos, a prefeitura da Capital e a liga das escolas não terão voz de comando no evento de 2019.
O governo de Nelson Marchezan seguirá sem aplicar dinheiro público nas escolas de samba. De acordo com o secretário adjunto da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), Leonardo Maricato, não há como investir no Carnaval diante da crise financeira da prefeitura.
– Vamos auxiliar com o básico, como limpeza do Porto Seco pelo DMLU, por exemplo. Também disponibilizaremos agentes da EPTC para auxiliar o trânsito na região durante o evento. Mas, dinheiro, não temos como repassar – afirma Leonardo.
Já a Liespa não se manifestou sobre a festa independente. Segundo o presidente da entidade, Juarez Gutierrez, a liga deve se pronunciar oficialmente na próxima semana.
– É um evento público, tem conceitos e protocolos a serem seguidos. Em breve, iremos nos posicionar com a maturidade que nos cabe – diz Juarez.
Quem desfila
Grupo Ouro
/// Bambas da Orgia
/// Imperadores do Samba
/// Imperatriz Dona Leopoldina
/// Estado Maior da Restinga
/// União da Vila do IAPI
/// Império da Zona Norte
Grupo Prata
/// Praiana
/// Samba Puro
/// Império do Sol (São Leopoldo)
/// Copacabana
/// Realeza
/// Unidos da Vila Mapa
/// Unidos de Vila Isabel (Viamão)
/// União da Tinga
Convidados
/// Fidalgos e Aristocratas (Grupo Bronze)
/// Os Comanches (tribo)