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Abandono na Casa do Samba

Há dois anos sem uso, Porto Seco sofre com furtos e descaso

Criado em 2004 para ser uma área multiuso, Complexo Cultural na Zona Norte está abandonado, servindo como ponto de prostituição e consumo de drogas. Insegurança também é grande

14/01/2019 - 07h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Júlio Cordeiro / Agência RBS
Esqueleto de carro incendiado da Unidos de Vila Isabel segue no local desde o início de 2017

Com o retorno do Carnaval para o Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte da Capital, reacendeu-se o debate sobre as condições do local, a casa do samba em Porto Alegre

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Alvo de controvérsias desde quando foi criado, em 2004, principalmente por sua localização afastada da região central, o local não é unanimidade entre as escolas e os carnavalescos. Na coletiva de imprensa que anunciou o Carnaval deste ano para os dias 15 e 16 de março, o terreno onde ficam a avenida e os barracões também esteve em pauta. 

— As alegorias estão lá, a avenida é lá. É afastado, mas é o nosso espaço. A única unanimidade entre os presidentes é de que haverá Carnaval a qualquer custo. O desfile no Porto Seco foi mais um consenso, um acordo ao qual chegamos — disse o presidente dos Bambas da Orgia, Nilton Pereira, durante a coletiva. 

O retorno da festa ao complexo, depois de os desfiles serem cancelados em 2018, é uma tentativa de trazer vida ao espaço, hoje agonizante. Inaugurado em 2004, o Porto Seco é um símbolo único no país, unindo os barracões das agremiações e a pista de desfiles, diferentemente de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, onde estes locais estão distantes uns dos outros. 

Júlio Cordeiro / Agência RBS
Obras do local nunca foram plenamente concluídas

Pela metade

A área de 80 mil metros quadrados foi pensada, inicialmente, para abrigar arquibancadas com auditórios, salas para espetáculos, unidade de saúde, departamentos da prefeitura, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros e um Museu do Carnaval. Entretanto, até hoje a prefeitura ergueu apenas os 15 barracões que abrigam as escolas de samba e a pista de desfiles, com investimento de R$ 16 milhões. Sem o resto da estrutura planejada, o espaço parece abandonado.

Há esqueletos de carros alegóricos, lixo, barracões incendiados, mato alto e nenhuma presença de agentes públicos. As cercas estão arrebentadas em alguns pontos, o que tornou o local ponto de atalho para quem mora nos arredores. Mas, pior do que isso, é o uso do espaço como ponto de prostituição e consumo de drogas. 

O Diário Gaúcho flagrou cenas de sexo no local em plena luz do dia. Não bastasse esta situação, a insegurança também sobressalta. Na terça-feira passada, um bando invadiu a subestação de energia do local. O que restava de fiações — que já são frequentemente furtadas — foi levado. Na pressa, os ladrões deixaram para trás as ferramentas usadas no crime. 

— Fomos ao local no dia seguinte e ainda conseguimos recuperar alguns disjuntores, mas será necessário um estudo para saber o que será preciso consertar. O roubo de fios deu um salto em Porto Alegre, não se limita apenas ao Porto Seco — relata Leonardo Maricato, secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Cultura.

Para os desfiles deste ano, a ideia da organização é utilizar geradores, pois se tem conhecimento de que os constantes roubos das fiações já prejudicaram a distribuição de energia no complexo.

PMPA / Divulgação
Subestação de energia foi furtada recentemente

"Vou levar antes que roubem o resto"

Na manhã de quarta-feira (9), enquanto a reportagem visitava o Porto Seco, um pequeno caminhão estava amontoado de tambores com colorido vermelho e branco. Chegando mais perto, viu-se o emblema dos Embaixadores do Ritmo nos instrumentos. O presidente da agremiação, Gustavo Giró, resolveu levar embora os tambores da bateria da escola. O motivo, o furto de parte deles:

— Tem os carros alegóricos e as fantasias, mas isso não tem como vender, então não levam. Já os tambores são fáceis de comercializar. Tinham cem, no total. Mas já furtaram uns 30. Então, achei melhor tirar daqui para não perder o resto.

A escola presidida por Giró é uma das duas que não confirmou presença no Carnaval deste ano. Ele disse que a decisão final será tomada no dia 11 de fevereiro, data do aniversário da Embaixadores. 

— A nossa escola não tem quadra. Criamos um modelo de funcionamento que era baseado apenas nos aportes financeiros, de patrocinadores e da prefeitura. Hoje, sem esse dinheiro, não tenho como desfilar — diz ele.

Em relação ao Porto Seco, Giró acredita que a segurança é a principal dificuldade enfrentada pelas escolas, principalmente, para os barracões que não tem zeladores, como é o caso da Embaixadores.

— Eu venho 730 vezes no ano. Todo dia, pela manhã e pela noite, para ver se não levaram mais nada e alimentar os cachorros — conta o presidente da Embaixadores.

No total, o complexo tem 15 barracões, boa parte conta com caseiros, que moram ali voluntariamente. Além da Embaixadores, somente outros três ginásios não tem moradores, como conta o caseiro do barracão da escola Copacabana, Gilson Lucena, 68 anos.

Júlio Cordeiro / Agência RBS
Giró recolheu instrumentos da bateria dos Embaixadores do Ritmo por segurança

Prefeitura: "Não temos como investir lá"

O secretário-adjunto da SMC reconhece as dificuldades da prefeitura tanto em manter o Porto Seco como em fazer novos investimentos lá. A prefeitura já se esquivou de repassar dinheiro as escolas em 2018 e neste ano. Para investir no complexo então, não há perspectiva. Mas Maricato ressalta que o possível está sendo feito.

— A prefeitura pode não repassar verba, mas o básico segue sendo cumprido. O DMLU fez a capina da área recentemente. Além disso, após o roubo, a Divisão de Iluminação Pública (DIP) foi ao local verificar a situação. O que não é possível, dentro do atual cenário de crise nas finanças do município, é investir dinheiro público aqui. 

Em relação aos estudos que serão feitos para o conserto da subestação, Maricato não deu previsão para conclusão dos reparos. Sobre a segurança na região, ele explica que não efetivo suficiente na Guarda Municipal para manter agentes no local.

— São feitas patrulhas de rotinas, mas não temos como manter gente aqui — justifica. 

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