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Violência na Capital

Tragédia anunciada": triplo homicídio retoma debate sobre solução para a João Alfredo

Crime ocorrido na madrugada de sábado é mais um elemento da tensa situação da via, degradada por pichações, sujeira, assaltos e tráfico de drogas

28/01/2019 - 19h32min

Atualizada em: 28/01/2019 - 19h36min


Bruna Vargas
Bruna Vargas
Jefferson Botega / Agencia RBS
Tradicional via boêmia do bairro se tornou um ambiente degradado e palco de crimes

Se para muitos um triplo homicídio em uma das vias mais simbólicas da boemia de Porto Alegre foi surpresa, para parte dos moradores, comerciantes e frequentadores da Rua João Alfredo, na Cidade Baixa, a morte de três pessoas na madrugada de sábado (26) é descrita como uma tragédia anunciada. Palco de uma tensão crescente entre moradores e frequentadores na última década, o local tem sido degradado por pichações, sujeira, assaltos e tráfico de drogas, cuja disputa entre fações pode ter relação com o assassinato do trio. 

— Essa realidade da João Alfredo hoje vem sendo denunciada há muito tempo. Não é gente que está indo para lá para aproveitar os bares, os restaurantes, a antiguidade das casas ou a boemia. Estão indo para fazer baderna. (A rua) está tomada por traficantes e ambulantes não credenciados — diz a presidente da Associação dos Amigos da Cidade Baixa, Roberta Rosito Corrêa.

Segundo a presidente da entidade, a situação conflituosa na via piorou nos últimos três anos. Ela afirma que trocas no comando do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) desmobilizaram uma aproximação dos moradores com a BM iniciada anos antes — entre 2015 e 2016, a comunidade estreitou laços com a polícia e chegou a ajudar na reforma da 2ª Companhia.

Também veio acompanhada de uma mudança de perfil dos frequentadores da João Alfredo. No ano passado, uma reportagem de GaúchaZH mostrou que, aos finais de semana, a via virou uma espécie de baile funk a céu aberto, com música alta e consumo de bebidas alcoólicas de ambulantes, em festas que se estendiam madrugada adentro. 

Apesar de os transtornos na via serem antigos — pelo menos desde 2009 moradores reclamam dos excessos à noite, o que enrijeceu as regras para atuação dos bares —, as soluções adotadas nos últimos anos tem sido paliativas. Para tentar conter o barulho proveniente dos carros, em 2018, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) fechou parte da via para a circulação de veículos — a medida foi adotada por alguns meses. Nesta segunda-feira (28), após os assassinatos, a Brigada Militar anunciou que deve intensificar o policiamento na área

Para especialistas, no entanto, é preciso ir além das ações pontuais. Doutor em sociologia política e professor da Unisinos, Carlos Gadea acredita que o reforço no policiamento ostensivo é importante, mas o sucesso a longo prazo exige que sejam tomadas ações de inteligência para desmobilizar as fações criminosas que se aproximaram do bairro boêmio nos últimos anos. 

O resgate da via, no entanto, passa por um espectro ainda mais amplo na avaliação do pesquisador. Gadea defende que a revitalização do espaço, com melhorias na iluminação e na limpeza, por exemplo, favorece um convívio mais saudável entre as pessoas. 

— Houve uma deterioração do ambiente, inclusive, da parte urbanística. Isso vem acompanhado do deterioramento das relações sociais: lixo, sujeira, escuridão, pichações. É um lugar degradante do ponto de vista urbanístico. Há casos de cidades como Barcelona e Medellín que investiram em reformas urbanísticas e ganharam muito no combate à violência — diz. 

Doutora em urbanismo, Luciana Marson Fonseca destaca que as mudanças devem levar em consideração a atual realidade do bairro para serem bem-sucedidas. Ela avalia que é preciso investir no diálogo para construir uma saída que contemple os diferentes envolvidos: moradores, frequentadores e comerciantes, muitos com perfil heterogêneo: 

— Não existe uma resposta pronta. Ela tem de ser construída, tem de ser uma coisa coletiva. Caso seja uma saída imposta, há chance de virar um faroeste. 

Enquanto o conflito se alastra, o poder público movimenta-se em ritmo lento. Em 2017, a João Alfredo foi escolhida para se transformar em uma "rua completa" — uma via destinada a receber intervenções no trânsito e no mobiliário urbano com o objetivo de ampliar o espaço para pedestres, reduzir a área destinada aos carros e implantar vegetação e zonas de convívio. Mais de um ano depois, o projeto que prometia converter a via em exemplo de urbanismo e convívio para o resto da cidade ainda não saiu do papel. GaúchaZH pediu informações sobre o status da proposta à EPTC, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.  

Clima de insegurança intimida frequentadores

Desde o ano passado, a Rua João Alfredo é destino certo para Josiane Barbosa de Oliveira, 38 anos, aos finais de semana. Mas não é pela boemia. Motorista de aplicativos, ela costuma buscar os clientes após as festas. 

Não foi diferente no último sábado. Fazia cerca de meia hora que havia pegado uma menina na saída de uma festa quando recebeu mensagens em um grupo de WhatsApp que reúne outros motoristas avisando do tiroteio na via. 

— Levei a menina e pensei: "não volto mais lá hoje". Pela dificuldade de passar por ali. É perigoso para o motorista e para o pedestre. Batem no carro, e temos de andar porta travada, porque alguns tentam entrar. Gosto de festa também e sei que tem muita gente bacana, mas ali passou do limite — relata. 

A insegurança percebida enquanto motorista veio depois daquela que sentia quando frequentadora, e que desmobilizou a ida a festas na João Alfredo, onde gostava principalmente de acompanhar os blocos de Carnaval. Desconfortável com a movimentação atípica, trocou as saídas na Cidade Baixa por bares no Moinhos de Vento.

O clima de insegurança preocupa comerciantes, que defendem o diálogo como forma de buscar alternativas e preservar a boemia no bairro. 

— O que houve no sábado é uma situação que acontecia nas periferias, onde também não deveria acontecer, e agora está no meio dos comércios, na Cidade Baixa. Não tem saída simples, mas as pessoas não podem se intimidar diante da violência. A gente acredita que dá para recuperar — diz o vice-presidente da Associação dos Comerciantes da Cidade Baixa, Eguer Viana. 



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