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13 anos em uso

Calor, barulho e sujeira: a experiência de andar nos "ônibus vencidos" da Carris

A reportagem do Diário circulou por linhas da Carris que usam veículos com idade acima da permitida pela legislação municipal e mostra dificuldades que passageiros já conhecem

08/02/2019 - 10h13min

Atualizada em: 26/09/2019 - 17h30min


Alberi Neto
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Alberi Neto / Agência RBS
Marcas do tempo de uso são visíveis nos bancos e janelas

Se o ônibus de prefixo 0562 da Carris, que fazia o itinerário da linha T1 na manhã de ontem, tivesse ar-condicionado, ele deveria estar ligado. Fazia 25ºC em Porto Alegre e, sempre que a temperatura está acima dos 24ºC, os veículos que têm o equipamento devem ligar a refrigeração — o decreto que trata do tema é de 2017. Porém, o calor era o menor dos problemas no interior daquele ônibus. Em primeiro lugar, ele não deveria sequer estar rodando. O carro é do ano 2006, estando em circulação há treze anos — um ano acima do limite permitido pela legislação municipal. 

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Mas o 0562 não é o único nesta situação. Conforme o Diário Gaúcho mostrou na semana passada, 83 veículos da Carris completam 13 anos rodando em 2019 — ou seja, já ultrapassaram o tempo de uso permitido por lei, e deveriam ser aposentados. A informação também circulou nas redes sociais, como na página Meu Ônibus Lotado, no Facebook. 

Na manhã de ontem, a reportagem circulou por linhas da Carris que utilizam veículos que já passaram do "prazo de validade". Afora o calor no interior dos carros, a sensação de estar dentro de uma batedeira, os problemas com os cintos para cadeiras de rodas e a sujeira das janelas também chamaram a atenção. Foram utilizados quatro veículos que já deveriam estar aposentados. Eles faziam itinerários das linhas T1, T4 e T9.

Viagens

O trajeto começou na Avenida Ipiranga, na parada mais próxima à sede do Diário Gaúcho. O ônibus passou às 9h52min, após apenas três minutos de espera. Um item comum entre todos os veículos utilizados ontem era a falta do identificador facial. Os quatro ônibus ainda usam o antigo terminal de leitura do TRI, que fica antes da roleta — os novos modelos estão posicionados depois da roleta, na altura do rosto e possuem câmera para identificar os passageiros. A troca dos terminais de leitura por equipamentos com reconhecimento facial também fazia parte do decreto assinado em 2017 pela prefeitura. 

O documento também determinou a instalação de GPS nos ônibus e disponibilização de um aplicativo para saber onde está o ônibus que o usuário necessita. Até hoje, as duas determinações não foram cumpridas integralmente pela Carris nem pelas outras empresas que operam em Porto Alegre.

Alberi Neto / Agência RBS
Trajeto no 0526 é marcado por calor e incômodo

Depois, o objetivo era esperar um veículo da linha 343 em frente ao parque poliesportivo da PUC. Porém, depois de quase trinta minutos de espera, a opção foi embarcar em um T4. O veículo de prefixo 0585 operava a linha. 

Apesar de estar limpo em seu interior, o carro balançava muito, principalmente as janelas, que faziam um barulho intenso. A esta altura, já fazia 27ºC e o calor deixava a viagem complicada. 

Em seguida, foi a vez do veículo de prefixo 0560, outro "vovô" que segue na ativa e operava a linha T9. O barulho da suspensão e das janelas trepidando dava a sensação de que o ônibus poderia se desmontar. A poeira nas janelas já havia criado uma casca escurecida. 

Riscos até para motoristas

Antes de desembarcar, mais uma cena causada pela velhice dos veículos: a condutora não conseguia se ajeitar no banco, que não estava fixado corretamente. Na primeira sinaleira vermelha, a condutora fez um ajuste provisório para seguir a viagem. 

Na Terceira Perimetral, por volta das 11h15min, depois da apear do T9, para retornar à sede do jornal, na Avenida Ipiranga, o repórter voltou a pegar um T1, também "vencido". A viagem no carro de prefixo 0526 foi tranquila. Assim como o resto dos usuários da Carris, o corpo do repórter já estava se acostumado ao balanço e à barulheira das janelas. 

O último lamento veio na hora do desembarque: o botão para solicitar a parada não funcionou. Por sorte, houve tempo para puxar o cordão que tem a mesma função. A luz de parada não acendeu na porta traseira. O ônibus que devia estar aposentado e continua na ativa seguiu sua viagem.

Problemas com acessibilidade

Alberi Neto / Agência RBS
Amanda passa trabalho para levar o filho, Osmar, para a AACD

A linha T1 tem uma particularidade. Ela passa em frente a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Portanto, muitos  cadeirantes utilizam a linha para chegar ao local. Ontem, em um dos veículos, dois cadeirantes subiram. Eram crianças acompanhadas de suas mães. Apesar de o elevador do veículo apresentar pequenas falhas, foi possível embarcar os pequenos. 

Mas o cinto de segurança não estava em condições de uso. A dona de casa Inalara Nunes Machado, 27 anos, precisou ficar de pé para segurar a cadeira do filho, Lucas Gordin, sete anos. 

Ao descer na AACD, a outra mãe, Amanda Rafaela, 22 anos, que leva o filho Osmar Rodrigo, dois anos, de Viamão para a Capital, também reclamou dos veículos:

— Sempre tem um problema ou outro. Nunca podemos contar com os ônibus, pois não sabemos se vão vir no horário ou se vão estar com o elevador funcionando. Ontem (quarta-feira), tive de esperar mais, pois veio um com elevador quebrado.

Cronograma para trocas será publicado

Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), um decreto deve ser publicado pela prefeitura para estabelecer um cronograma para as empresas trocarem os veículos que estão o tempo de circulação acima do permitido. A norma deve sair até o final de fevereiro. Até a publicação desta reportagem, a Carris ainda não havia respondido os questionamento sobre as condições dos ônibus testados.

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