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Engraxate por vocação: conheça a história do seu Farias

Há 26 anos vivendo do ofício, Luiz Carlos Rodrigues Farias foi homenageado na Câmara de Vereadores de Viamão e diz estar vivendo "os dias mais felizes da sua vida"

26/07/2019 - 10h11min

Atualizada em: 26/07/2019 - 20h23min


Jéssica Britto
jessica.britto@diariogaucho.com.br
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Lauro Alves / Agencia RBS
Orgulhoso, Farias mostra homenagem que recebeu da Câmara de Vereadores da cidade

Organizadas em uma caixa de madeira grafada com o nome do proprietário, graxa, flanela e escova, principais equipamentos de trabalho de Luiz Carlos Rodrigues Farias, 50 anos, são companhias diárias no trajeto entre o bairro Santo Onofre e o Centro de Viamão. Em um banco da Praça Júlio de Castilhos, o único _ ao menos que se tem conhecimento _, engraxate em atividade na cidade aguarda pelos seus clientes.

Há cerca de 26 anos, Farias trabalha pelos cantos da praça. Se tornou figura conhecida dos moradores e neste mês foi homenageado pela Câmara de Vereadores da cidade. O vereador Rodrigo Pox (PDT), com apoio dos colegas Guto Lopes (PSOL) e Adão Pretto Filho (PT), propôs a distinção.

— Ele tem uma história de vida de persistência, de força de vontade. Normalmente, quem recebe essas homenagens é o "alto escalão", mas pessoas como ele merecem também — disse Pox.

— A profissão era mais comum antigamente, hoje, Farias é o último engraxate de Viamão, mas não é só isso que faz dele uma pessoa especial e digna de ser homenageada, e sim o fato de que em sua carreira de 26 anos, quantos sapatos passaram pelas suas mãos? Quantas conversas e quantas pessoas tiveram a oportunidade de se alegrar com seu grande sorriso? Muitas, com certeza! Na correria diária, nos esquecemos de reparar nas sutilezas da vida, e nas pessoas que nos acompanham em nossa jornada — destacou Guto Lopes em uma rede social.

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Superação

Nascido em Porto Alegre em 1969, Farias viveu dias de muita dificuldade. Aos oito anos, recolheu uma caixa de frutas, dessas que se usa em feiras, e montou uma caixa para engraxar. Ia de Viamão para Porto Alegre engraxar sapatos nas avenidas Otávio Rocha, João Pessoa e na Praça da Alfandega. Dormia na rua ou em casas de acolhimento para menores. Só voltava para casa aos fins de semana. Viveu assim até os 18 anos. Estudou pouco e se autodeclara analfabeto. Com empregos pingados, tentou diferentes fontes de renda, sem sucesso. Definiu, então, que a profissão de engraxate seria seu ganha pão. 

— Estou aqui de segunda a sexta a sexta, das 9h às 17h. Isso aqui sempre foi o meu sustento e a minha alegria. Me dou com todo mundo, vem gente do interior para engraxar comigo. Ás vezes, tem até uma pequena fila — conta o engraxate, que atende de 15 a 20 clientes por dia.

Com a saúde em dia, depois de passar por tempos penosos em função do alcoolismo, Farias diz que está livre do vício há pelo menos seis anos. Perdeu muito dinheiro, fruto do próprio trabalho, em função da bebida e do cigarro. Foi acolhido por uma equipe do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e ficou 45 dias internado para desintoxicação. Conseguiu colocar a vida em ordem, e apesar de viver sozinho, em uma casa simples, está realizado:

— Depois que eu saí dessa vida, eu nasci de novo. Deus colocou a mão em mim e me ajudou. Os clientes me ergueram. 

Os pais de Luiz já faleceram, mas ele ainda tem dois irmãos em Viamão. Sem filhos, parte de sua família se formou na rua. 

— Conheço ele há anos, apesar de não ser cliente assíduo. Hoje que resolvi dar uma parada, dia de chuva, e o sapato estava precisando — relata o porteiro Renato de Souza, de 56 anos.  

"Só paro quando Deus determinar"

Lauro Alves / Agencia RBS
Clientes viraram amigos de Luiz

Dentro da rotina, quando está em casa, aproveita para descansar, assistir novela e, nos fins de semana, capinar e plantar verduras. Quando deixa o bairro Santo Onofre pela manhã, já leva de casa uma marmitinha pronta, que fica guardada na geladeira dos vigilantes da Praça Julio de Castilhos. Na cartela de clientes há taxistas, vereadores, donos de lojas, mercados, entre outros. O movimento é bom, só costuma cair depois do dia 20, quando o salário da clientela já está esgotando, e no verão.  

— Aí eu tenho que segurar o minguadinho — diverte-se. 

Com o trabalho autônomo e uma renda variável, Farias, pelo menos, não precisa se preocupar com a concorrência. E após anos de atividade, não pensa em parar. Só "quando Deus determinar", garante. Nos últimos dias, o sorriso largo e simpático de seu Luiz têm ganhado novas justificativas: a homenagem na Câmara e o depoimento para reportagem têm sido motivo de alegria para ele.

— Agora vão me ver em todo o Estado! Os dias mais felizes da minha vida — comemorava.

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