Seu Problema é Nosso
Estudo à noite e venda de paçoca nas ruas durante o dia: morador de Alvorada sonha em abrir padaria
Cleiton Oliveira dos Santos, 29 anos, atua em movimentada esquina da Capital segurando cartaz em que expõe seu objetivo: "Quero ser empresário"
Vestindo camisa social azul, Cleiton Oliveira dos Santos, 29 anos, carrega um pote de paçoca sobre os ombros, apoiado na palma da mão direita. Com a outra, carrega o seu sonho, descrito em um pedaço de papelão: "Quero ser empresário. Tudo tem um começo. Paçoca R$ 1".
LEIA MAIS
Grupo de doadores de sangue completa 30 anos e busca voluntários: "Não vamos desistir"
Bombeiros voluntários de Balneário Pinhal fazem vaquinha para comprar caminhão
Solidariedade: comunidade consegue doações e realiza baile de debutantes para 15 meninas em Porto Alegre
— Essa é boa. Não é das que se desmancham — promete o morador de Alvorada, que "bate o ponto" diariamente na esquina das avenidas Ipiranga e Borges de Medeiros, no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre, antes das 7h.
Tecnólogo
A experiência vivida em um antigo emprego, em uma fábrica de pães, definiu a meta do futuro empreendedor, não importando o tempo que leve no meio do caminho:
— É o sonho que motiva a pessoa. Eu vou abrir minha padaria, com certeza, nem que eu fique cinco ou 10 anos vendendo na rua.
Para gerir o negócio, Cleiton cursa, desde o ano passado, um tecnólogo em administração. As aulas são pagas com os cerca de R$ 2 mil ganhos mensalmente no semáforo.
— Na escola ninguém sabe que eu vendo na rua. Mas eu não tenho vergonha, estou trabalhando honestamente — diz, enquanto aponta o cartaz para um veículo que para no sinal vermelho.
O ensino focado em finanças ampliou o desejo do homem que se especializou em encarar desafios. Criado com nove irmãos, Cleiton perdeu o pai há alguns anos. A mãe, morreu no ano passado.
— Minha mãe teve um AVC. Foi bem difícil. Mas não posso desistir. Vou seguir estudando muito e tocar minha vida — afirma o motivado vendedor, que no verão pretende vender água gelada, a R$ 2.
Congestionamento
A rotina do homem que sonha ser padeiro é levada a sério, como se já operasse sua empresa. Cleiton trabalha quatro horas, para no horário do almoço e retoma o comércio às 13h, quando os clientes buscam a sobremesa, segundo ele. Ao meio-dia, o ambulante come lanches vendidos no entorno do Parque Marinha do Brasil.
— Uma coisa beneficia a outra. Comer na rua, de outro vendedor, é tipo uma moeda de troca. Porque eu ajudo ele e ele me ajuda — define.
Há dois meses no mesmo ponto, já sabe o tempo que a sinaleira leva para fechar. Quanto mais congestionamento, melhor para o seu objetivo: circular pela tranqueira do início ao fim.
"Bem apresentável"
A venda de doces na sinaleira começou após a perda do emprego, em um órgão público. A nova profissão nunca havia exercido pelo jovem, que revela ter superado a timidez de lidar com o público logo nos primeiros dias na rua.
O deslocamento de Alvorada à Capital é feito de ônibus, com qualquer roupa velha que tenha a mão. Ao chegar no centro de Porto Alegre, utiliza o banheiro de um centro comercial para vestir o traje social:
— Eu troco de roupa por questão de higiene e também pra estar bem apresentável. Isso influencia muito. Tem uns que vendem de boné e bermuda. Isso detona a venda. Os clientes notam tudo.
Mostrando propriedade, fala sobre pesquisas de mercado e de satisfação do cliente. E não descarta procurar um sócio para a futura padaria.
— Tem muitos confeiteiros e padeiros desempregados. A crise é uma oportunidade para empreender, para achar esses talentos.
Doces para diabéticos
O quadro que expõe o seu desejo motiva ajuda até mesmo de quem não come o produto oferecido:
— As pessoas gostam de sinceridade, que eu mostro meu objetivo. Tem um senhor que disse que é diabético, mas sempre compra. Diz que é pela minha boa apresentação e pela placa. "Já vou comprar ações da tua empresa", ele brinca comigo.
Com perspectiva de se formar até o ano que vem, Cleiton já definiu que sua próxima qualificação será um curso focado em padaria, no Sebrae:
— Quanto mais conhecimento a gente tiver, melhor.