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Seu Problema é Nosso

Estudo à noite e venda de paçoca nas ruas durante o dia: morador de Alvorada sonha em abrir padaria

Cleiton Oliveira dos Santos, 29 anos, atua em movimentada esquina da Capital segurando cartaz em que expõe seu objetivo: "Quero ser empresário"

01/10/2019 - 10h25min


Tiago Boff
Tiago Boff
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Cleiton na esquina das avenidas Ipiranga e Borges de Medeiros, em Porto Alegre

Vestindo camisa social azul, Cleiton Oliveira dos Santos, 29 anos, carrega um pote de paçoca sobre os ombros, apoiado na palma da mão direita. Com a outra, carrega o seu sonho, descrito em um pedaço de papelão: "Quero ser empresário. Tudo tem um começo. Paçoca R$ 1".

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— Essa é boa. Não é das que se desmancham — promete o morador de Alvorada, que "bate o ponto" diariamente na esquina das avenidas Ipiranga e Borges de Medeiros, no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre, antes das 7h.

Tecnólogo

A experiência vivida em um antigo emprego, em uma fábrica de pães, definiu a meta do futuro empreendedor, não importando o tempo que leve no meio do caminho:

— É o sonho que motiva a pessoa. Eu vou abrir minha padaria, com certeza, nem que eu fique cinco ou 10 anos vendendo na rua.

Para gerir o negócio, Cleiton cursa, desde o ano passado, um tecnólogo em administração. As aulas são pagas com os cerca de R$ 2 mil ganhos mensalmente no semáforo.

— Na escola ninguém sabe que eu vendo na rua. Mas eu não tenho vergonha, estou trabalhando honestamente — diz, enquanto aponta o cartaz para um veículo que para no sinal vermelho.

O ensino focado em finanças ampliou o desejo do homem que  se especializou em encarar desafios. Criado com nove irmãos, Cleiton perdeu o pai há alguns anos. A mãe, morreu no ano passado.

— Minha mãe teve um AVC. Foi bem difícil. Mas não posso desistir. Vou seguir estudando muito e tocar minha vida — afirma o motivado vendedor, que no verão pretende vender água gelada, a R$ 2.

Congestionamento

A rotina do homem que sonha ser padeiro é levada a sério, como se já operasse sua empresa. Cleiton trabalha quatro horas, para no horário do almoço e retoma o comércio às 13h, quando os clientes buscam a sobremesa, segundo ele. Ao meio-dia, o ambulante come lanches vendidos no entorno do Parque Marinha do Brasil.

— Uma coisa beneficia a outra. Comer na rua, de outro vendedor, é tipo uma moeda de troca. Porque eu ajudo ele e ele me ajuda — define.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Cleiton paga estudos com os cerca de R$ 2 mil ganhos mensalmente no semáforo

Há dois meses no mesmo ponto, já sabe o tempo que a sinaleira leva para fechar. Quanto mais congestionamento, melhor para o seu objetivo: circular pela tranqueira do início ao fim.

"Bem apresentável"

A venda de doces na sinaleira começou após a perda do emprego, em um órgão público. A nova profissão nunca havia exercido pelo jovem, que revela ter superado a timidez de lidar com o público logo nos primeiros dias na rua.

O deslocamento de Alvorada à Capital é feito de ônibus, com qualquer roupa velha que tenha a mão. Ao chegar no centro de Porto Alegre, utiliza o banheiro de um centro comercial para vestir o traje social:

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Jovem atua no mesmo ponto há dois meses

— Eu troco de roupa por questão de higiene e também pra estar bem apresentável. Isso influencia muito. Tem uns que vendem de boné e bermuda. Isso detona a venda. Os clientes notam tudo.

Mostrando propriedade, fala sobre pesquisas de mercado e de satisfação do cliente. E não descarta procurar um sócio para a futura padaria.

— Tem muitos confeiteiros e padeiros desempregados. A crise é uma oportunidade para empreender, para achar esses talentos.

Doces para diabéticos

O quadro que expõe o seu desejo motiva ajuda até mesmo de quem não come o produto oferecido:

— As pessoas gostam de sinceridade, que eu mostro meu objetivo. Tem um senhor que disse que é diabético, mas sempre compra. Diz que é pela minha boa apresentação e pela placa. "Já vou comprar ações da tua empresa", ele brinca comigo.

Com perspectiva de se formar até o ano que vem, Cleiton já definiu que sua próxima qualificação será um curso focado em padaria, no Sebrae:

— Quanto mais conhecimento a gente tiver, melhor.



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