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São Leopoldo

Trajeto de ônibus inspirou poema de aluna gaúcha que venceu Olimpíada de Língua Portuguesa

Estudante e professora da Escola Municipal Professora Dilza Flores Albrecht, no bairro Feitoria, em São Leopoldo, ficaram entre os 20 vencedores da sexta edição da Olimpíada. Só quatro receberam ouro na categoria poema

17/12/2019 - 05h00min


Jéssica Britto
jessica.britto@diariogaucho.com.br
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Lauro Alves / Agencia RBS
Da janela do ônibus, Vitória elaborou texto com cenários que costuma cruzar diariamente

Até novembro, Vitória Eduarda Ferraz Frutuoso, 12 anos, nunca havia saído de São Leopoldo, sua cidade natal. Porém, neste final de ano, precisou viajar duas vezes até a cidade de São Paulo. A aventura, que deixou a mãe Paula Ferraz, 33 anos, de cabelo em pé, tinha um motivo muito nobre: Vitória estava em busca de uma das medalhas de ouro da 6ª Olimpíada de Língua Portuguesa. E conseguiu.

O feito não é inédito para o Estado, mas é a primeira vez que o Rio Grande do Sul saiu vencedor na categoria Poema. Em edições anteriores, trabalhos gaúchos foram premiados nas categorias Artigo de Opinião e Crônica. 

Em 2019, a Olimpíada envolveu 42.086 escolas públicas do país e recebeu 171 mil inscrições. Depois de passar por cinco etapas, Vitória, que é estudante da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Dilza Flores Albrecht, no bairro Feitoria, além de outros 19 finalistas de todo o Brasil, receberam medalha de ouro pelos seus trabalhos. Apenas quatro – um deles Vitória – foram premiados na categoria Poema. A professora que a orientou no projeto, Cíntia Cristina Zanini, 44 anos, também conquistou o ouro pelo Relato de Prática, ou seja, pela metodologia usada para o desenvolvimento do trabalho da aluna.

Rotina lapidada

O tema da Olimpíada neste ano era "O lugar onde vivo". Os alunos deveriam falar sobre seus vínculos com a comunidade e aprofundar o conhecimento sobre a realidade local. Vitória escreveu sobre uma das linhas de ônibus que passa pelo seu bairro e sobre os cenários que está acostumada a ver. O poema recebeu o título de O Ônibus Feitoria Cohab.

Lauro Alves / Agencia RBS
Professora Cíntia e a estudante Vitória comemoram o prêmio na biblioteca da escola

— Eu já gostava de escrever poesias, mas era algo que fazia só para mim. Minhas colegas pegaram o que eu escrevia e mostraram para a profe. Não ando sempre de ônibus, mas passo bastante pela parada e construí o texto a partir daí — disse a aluna.

De acordo com Cíntia, o município tem um projeto de incentivo à leitura. Diversas atividades são desenvolvidas a fim de estimular a prática da leitura e da escrita entre os estudantes. Desde 2010, a Dilza Flores Albrecht é classificada em alguma categoria da competição.

— Temos a biblioteca que é nosso cérebro, nossa alma. Já havíamos conquistado a medalha de prata em outra edição da Olimpíada. Este ano tínhamos este tema, ela nos trouxe a ideia bruta e nós fomos trabalhando em cima dela, levando em conta os critérios solicitados pela Olimpíada. A Vitória tem uma maturidade nos versos que eu não costumo ver em outros textos — explica Cíntia.  

A mãe da aluna conta que a filha ama fazer rimas e, muitas vezes, entra a madrugada escrevendo.

— Ela é muito tímida, escreve para as amigas delas e distribui. Quando voltou da viagem, entrou em um armazém e começaram a aplaudir. Ela disse que não queria mais voltar lá —diverte-se a mãe.

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Vitória virou uma motivação para os colegas

Professora e aluna viajaram a São Paulo para a premiação final no dia 8 de dezembro. A divulgação e a entrega dos prêmios ocorreu no dia seguinte. Além das medalhas de bronze, prata e ouro que foram chegando a cada etapa vencida, Vitória ganhou um leitor de e-book e uma viagem, ainda a ser divulgada, no Brasil. A professora recebeu um notebook, um leitor de e-book e uma semana de imersão pedagógica internacional. A escola será beneficiada com um acervo de livros.

— Fiquei feliz e assustada ao mesmo tempo, eu nunca pensei que o meu poema um dia iria sair daqui para fora — confessa a garota.

A Olimpíada é uma iniciativa do Ministério da Educação e do Itaú Social, com coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). O concurso premia as produções de textos para alunos de escolas públicas nas categorias Crônica, Memórias Literárias, Poema, Documentário e Artigo de Opinião.

— Fico muito emocionada, pois agora os alunos olham para ela (Vitória) como uma motivação, de que eles também podem ir além. A educação é investimento e esse resultado é uma resposta do que a gente é capaz de fazer — conclui Cíntia.

O poema vencedor

Lauro Alves / Agencia RBS
Poema foi publicado em livro com os demais textos finalistas

O ônibus Feitoria Cohab

De 15 em 15 minutos
Um ônibus passa aqui em frente
O Feitoria Cohab
Levando e trazendo gente

Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
Pra poder chegar no céu

Desde o centro da cidade
Percorre a avenida inteira
Dobra no arroio Peão
Meu lugar da brincadeira

Na última rua ele entra
À direita, prédios cinzentos
É a primeira parada
Dos blocos de apartamentos

Avança e logo freia
Chega na parada 1
Eu corro por entre os blocos
Subo veloz e zum!

Escolho o banco pra sentar
Quero perto da janela
Pra ver a Cohab passar
Quer dizer, eu passar por ela

Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
Desenrola carretel

Logo ali já vem a 2
E com ela um quebra-mola
Grafite que salta aos olhos
No muro da minha escola

E é tanto quebra-mola
Sobe e desce, sobe e desce…
Gangorra quebrada na praça
Imagem que me entristece

Sinto o cheiro no ar
Do xis que não comi
É na terceira parada
Lugar que nunca desci

Olho as garotas da rua
Estão passando batom
Cuidando o outro lado
Onde alguém liga o som

Agora o postinho da 4
Vacina, hoje, não!
Vejo minha antiga escola
Amiga do coração

Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida
E os rabiscos no papel!

Na curva da 5 pra 6
Sobe nela o pensamento
Estou mais alta que as casas
No rosto me bate o vento

Na 7 é calmaria
Mas já vou me preparando
Seguro firme no banco
Porque a lomba vem chegando

Iupiiiiii!
Sinto um frio na barriga
8, 9 e 10
Ah, já vai terminar a descida!

A 12 é a última parada
Dela não posso passar
Na 11 já fico atenta
É quase hora de saltar

As portas se abrem
Pulo e saio na corrida
Da parada 12 pra 1
A rua é muito comprida

Não posso me atrasar!
Entre os blocos vou voando
Lá vem outro carrossel
Meu Feitoria chegando

Ronca ronca o motor
Brinquedo de carrossel
Segue a rota da vida…

Um dia não desço na 12!
Um dia eu chego no céu!

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