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Impacto nos pequenos negócios

Minimercados e fruteiras se reinventam para enfrentar falta de clientes e risco de contágio

Pedidos por WhatsApp, telentrega gratuita e proibição de compradores no interior dos estabelecimentos estão entre as estratégias adotadas por microempreendedores de Porto Alegre

26/03/2020 - 08h10min


Larissa Roso
Larissa Roso
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Omar Freitas / Agencia RBS
João Vicente e Samantha planejaram ajustes no negócio e fazem telentrega a pé, sem custos para os clientes

O alerta mundial e a ameaça de graves danos à economia provocados pela pandemia de coronavírus derrubaram a empolgação e as expectativas de Samantha Mayara Souza Macan, 25 anos, e João Vicente Telles dos Santos, 42 anos, com o novo empreendimento, operando havia poucas semanas quando as medidas de restrição à circulação começaram a entrar em vigor.

À frente da Banca do Ben, no centro de Porto Alegre, o casal dependia do movimento pela Avenida Borges de Medeiros e adjacências para vender as frutas, os legumes e as verduras que colorem as prateleiras e as caixas em exposição. Com o isolamento, como arranjar clientes? Estimaram que, se suspendessem o trabalho, não conseguiriam nem pagar o aluguel do ponto. Como muitos outros proprietários de minimercados e fruteiras, viram-se obrigados a se reinventar para continuar funcionando e gerando renda.

Do quase desespero, surgiu uma ideia: em um grupo do Facebook que reúne vizinhos do bairro, Samantha publicou uma lista dos itens disponíveis no dia, acompanhada de preços e fotos. Acrescentou um número de WhatsApp para receber os pedidos e também um chamarisco: telentrega grátis. "Esperamos por você!", convidava o post. Funcionou. Nos últimos dias, João tem trilhado quilômetros e quilômetros a pé, empurrando um carrinho, para atender à numerosa demanda.

— Você não faz ideia do cansaço — relata João, satisfeito, falando rápido ao telefone, prestes a partir rumo a mais um endereço. — Acho que já perdi uns 10 quilos — completa ele, que estava precisando também eliminar o sobrepeso.

Com outras ocupações — ela é bacharel em Direito, e ele, microempreendedor da construção civil —, Samantha e João apostaram na banca como uma alternativa para incrementar o orçamento doméstico. Começaram adquirindo os produtos na Ceasa, mas agora dependem de outros fornecedores. Percebem o aumento de alguns preços, mas, por enquanto, não estão repassando esses acréscimos aos consumidores, decisão que os mantém com preços competitivos. Pelo celular, surgem as encomendas de abacaxi, mamão, batata, moranga, cenoura, salsa, cebola, aipim. Os itens são selecionados, embalados e acomodados em uma caixa plástica, e então João sai empurrando um carrinho, completando cerca de 20 entregas por dia — o número só não é maior porque todos os trajetos são cumpridos a pé.

— Decidimos oferecer esse serviço gratuitamente porque queremos que as pessoas fiquem em casa. É uma maneira de ajudar quem não pode e quem não quer sair e também uma maneira de incentivar o pequeno comerciante — justifica Samantha. — Vimos o pessoal enlouquecido nos supermercados. Por que não querem comprar do pequeno? — questiona.

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Luciane Rocha Pereira, 46 anos, afirma ter encontrado a "salvação". Recém-chegada de uma viagem ao Exterior, a confeiteira está resguardada em sua residência, onde a família cumpre uma rotina rigorosa de higienização. Ela solicitou, via WhatsApp, cebola, alface, abacaxi, limão, banana. Em menos de uma hora, os produtos chegaram.

— Muito útil, prático, anúncio objetivo, preços inferiores aos dos supermercados — elogia Luciane, que encontrou inspiração para adotar novos processos para a venda de seus doces. —  Também estou pensando em me reinventar. Vou começar a vender por aplicativo.

No mesmo bairro, no Centro Histórico, outro comércio mudou em função da nova realidade. No Minimercado Andradas, um freezer horizontal e uma fita de isolamento bloqueiam a entrada. Cartazes na fachada alertam para que os clientes mantenham distância uns dos outros e sejam rápidos na hora de pedir. Os microempresários Clarice Maria dos Santos, 53 anos, e Francisco Giocondo dos Santos, 57 anos, com a ajuda dos filhos, movimentam-se entre as prateleiras para pegar os produtos solicitados e os entregam no novo balcão improvisado, sempre usando luvas — os pares são trocados diversas vezes ao dia. Há álcool gel à disposição de todos. Calculadora, máquinas para pagamento com cartão e superfícies são desinfetadas a intervalos de poucos minutos.

— Para poder ficar com o mercado aberto, tinha que ser assim. Chegaria a hora em que teríamos que pedir para as pessoas não entrarem. Fizemos isso para não haver aglomeração aqui dentro e também por conta da nossa saúde, para preservar nossa família — relata Clarice, que contabiliza diminuição nas transações dia a dia. — Mas as pessoas estão bem conscientes, compreensivas — conforma-se.

Enquanto parte dos pequenos comerciantes se adapta, tentando proporcionar facilidades e segurança, outros resolveram cortar benefícios ou, pelo menos, não abrir brecha a concessões. No Menino Deus, um minimercado localizado no térreo de um prédio residencial segue cobrando uma taxa de R$ 15 para levar as compras aos vizinhos dos andares acima. No Belém Velho, a manicure Mônica Raquel da Rosa, 37 anos, conta estar quase sem comida na despensa, enquanto observa os preços subindo. O sistema de venda em caderninho, ao qual estava habituada, foi suspenso em diversos locais. "Não vendemos fiado", avisa um cartaz em um armazém.

— Aqui, a maioria das pessoas comprava no caderno nessas vendinhas familiares. Acho que o comércio está indo na contramão da real situação da população — lamenta Mônica.

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