Carinho com cuidado
Para amenizar a saudade, residencial de Gravataí cria túnel do abraço para visitas de familiares a idosos
Passados mais de dois meses em distanciamento social, os idosos hospedados na casa puderam tocar, abraçar e segurar as mãos de seus familiares. Iniciativa, que não tem segurança comprovada, depende de rigorosos cuidados
Um dos gestos mais simples de carinho, que é o abraço, teve de ser abandonado para evitar o contágio pelo coronavírus. O contato físico, conforme o Ministério da Saúde, deve ser evitado, em especial, por idosos e doentes crônicos. Mas a saudade do afeto que essa proximidade traz incentivou a criação do Túnel do Abraço no Residencial Geriátrico Três Figueiras, em Gravataí, na Região Metropolitana.
Passados mais de 70 dias de distanciamento social, os idosos hospedados na casa puderam tocar, abraçar e segurar as mãos de seus familiares por meio de uma proteção feita de plástico. Vedada do chão até o teto, a estrutura tem aberturas que comportam braços e possibilitam o abraço. A invenção é adaptada com acessibilidade para idosos cadeirantes.
Especialistas da área da saúde afirmam que não há um estudo que comprove a segurança do mecanismo e, por isso, não há confirmação técnica de que garanta a não transmissão do vírus por meio da superfície. Desta maneira, a administradora do local, Rubia Santos Lima, 45 anos, explica que a higienização do Túnel do Abraço é frequente e obrigatória.
— Prezamos pela segurança de todos. As visitas são com horário marcado, verificamos a temperatura de quem chega e seguimos o protocolo de higiene das mãos. A cada visita, é feita a limpeza de todo o plástico com álcool e temos um intervalo de 30 minutos antes que outra pessoa utilize a camada, em ambos os lados — detalha Rubia.
A médica Márcia Nalepinski, supervisora da casa, ficou surpresa com a iniciativa e recomendou máxima prudência:
— Os funcionários têm tomado as medidas de desinfecção com água sanitária e álcool 70%. Não tenho como dar respaldo técnico da efetividade desta limpeza, mas entendo que eles fazem todo o possível para oferecer um abraço seguro e afetivo, nestes tempos que são tão difíceis para nossos idosos.
Segundo o médico infectologista Fábio Gaudenzi, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a interação entre pessoas com o uso do plástico como proteção tem sido frequente pelo mundo:
— O entendimento que temos é de que é uma barreira física segura em relação ao contágio pelo coronavírus, mas precisamos ter cuidado. Nesse caso dos abraços, a higienização adequada é essencial. Uma das alternativas seria o descarte do plástico a cada uso de visitante.
Ele destaca que o plástico é um dos materiais em que o coronavírus sobrevive por mais tempo e, por isso, o uso coletivo da barreira requer cuidados como a limpeza como o álcool gel, hipoclorito de sódio ou quaternários de amônia.
A ideia foi inspirada em um vídeo norte-americano, compartilhado nas redes sociais, em que uma avó usa o mesmo mecanismo de proteção para receber abraços dos netos.
"Isso é de verdade?"
Segundo Rubia, a confecção do Túnel do Abraço ocorreu depois de ela sentir a carência do contato entre as idosas do residencial e seus filhos no Dia das Mães. Então, no dia 20 de maio, o Túnel do Abraço ficou pronto. Os 28 idosos, sendo 15 mulheres, já receberam pelo menos uma visita com o bônus do contato físico, distanciado pelo plástico, conta Rubia:
— Conseguimos ouvir alguns “isso é de verdade”. Foi incrível ver a alegria deles. Os familiares adoraram.
Visitas e emoção
Uma das hóspedes que abraçou por meio do túnel foi a dona de casa aposentada Hilda Cardoso Paim, 93 anos, quando recebeu sua neta, a auxiliar administrativa Kimberly Paim, 23 anos.
— Fiquei muito contente em poder ver ela. Eu estava com saudade. Antes, eu via só pelo portão, porque não posso ir lá fora. Agora, no túnel, está tudo armado, fechado, tão bonito, com enfeites. Eu adorei! — afirma Hilda.
— Foi bem emocionante. Fazia mais de 60 dias que eu não a via e não imaginava que seria assim, por meio de um plástico. Mas ver ela bem de pertinho é totalmente diferente do que ver por celular. Nossa família gosta de carinho, de estar perto. Esse ano, ela completou 93 anos sem festa, sem beijos e abraços. Então, foi muito bacana ter esse meio de aproximação — completa Kimberly.
O caminhoneiro aposentado Getúlio Bordin, 73 anos, também recebeu o abraço do filho Fábio Bordin, 43 anos, tecnólogo em telecomunicações.
— Em tempos como o de agora, não se aproximar é a forma de cuidar do próximo. Achei muito interessante essa forma de contato, pois, desde o início da quarentena, não via meu pai. Ele ficou feliz em me ver. Dá para sentir que ficou mais aliviado depois da visita — conta o filho.