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Sem aulas na pandemia

Circo que se apresentava em escolas públicas vai a sinaleiras da Capital em busca de doações

Criador do Circo Teatro Cebolinha é neto e filho de palhaços e nasceu durante uma turnê no interior do Estado

07/07/2020 - 15h11min

Atualizada em: 07/07/2020 - 15h18min


Tiago Boff
Tiago Boff
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Acostumados a alegrar crianças e adolescentes nas escolas públicas das mais diversas regiões do RS, os artistas do Circo Teatro Cebolinha levam as risadas, agora, para quem é parado pelo sinal vermelho no trânsito. Com as atividades nas salas de aula suspensas desde 19 de março — e sem previsão de retorno —, parte do grupo se paramentou e ocupa dois cruzamentos da Avenida Ipiranga, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre

Na esquina com a Rua Coronel Corte Real, uma raposa rosa dança, enquanto uma garota que a acompanha carrega uma cartolina onde está escrito: "Somos circenses. Estamos parados por causa da pandemia”.  No semáforo de acesso à Rua La Plata, o casal de fundadores do circo leva consigo uma tampa de isopor com apelo idêntico, em letras garrafais. Os quatro artistas estão nas ruas há cerca de 10 dias, desde o final de junho. 

— Não é pelo dinheiro. Sinto falta mesmo do contato com as crianças nas escolas. Aqui, o pouco que a gente recebe, uma moeda, ou R$ 5, às vezes R$ 10, dá pra sobreviver — explica o palhaço Cebolinha. 

Nascido Amilton Thauan Pereira Fernandes, o hoje animador com alcunha de personagem da Turma da Mônica diz ter sido gerado em meio a uma turnê do circo do pai, há 22 anos, no município de Dom Feliciano, no sul do Estado. Ao sentir as contrações, a mãe não teve tempo de retornar a Pelotas, onde tinham residência fixa. O parto aconteceu entre as apresentações — e o grupo seguiu viagem com o mais novo integrante. 

— Meu avô passou o amor pelo circo pro meu pai, que passou pra mim, e eu vou passar para os meus filhos. Eu me criei nisso e vou morrer nisso — reforça o palhaço. 

O pai, idealizador do Circo Fernandes, se aposentou há pouco mais de quatro anos. Sem o grupo que o acompanhou desde os primeiros dias de vida, o adolescente que chegava à vida adulta decidiu criar sua própria companhia de teatro e apresentações circenses, com foco na criançada em idade escolar. 

Antes de as instituições de ensino fecharem para evitar novas contaminações de covid-19, o grupo viajava o Estado e batia de porta em porta, oferecendo os shows para as diretoras dos colégios. Nos municípios menores, o primeiro contato era com as prefeituras, onde apresentavam cartas de recomendação de outras escolas. Ao oferecer o teatro recheado de brincadeiras, um valor era cobrado, como forma de manter os integrantes. O palhaço Cebolinha garante que as crianças de baixa renda tinham entrada franca. 

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Em uma hora em que a reportagem de GaúchaZH esteve junto aos artistas, na manhã fria dessa segunda-feira (6), poucas janelas dos automóveis se abriram para o quarteto. A grata surpresa veio do porta-malas de uma caminhonete: uma cesta básica foi entregue ao casal, que irá retornar ao Morro Santa Tereza com pacotes de arroz, massa, açúcar e biscoitos, além de uma garrafa de óleo de soja. 

Contribuições desse tipo são mais recorrentes do que a entrega de dinheiro em espécie, garantem os jovens. Marmitas são entregues com frequência por grupos que circulam pela região. Ao lado do guarda-corpo da ciclovia, três garrafas d'água preenchidas com um suco vermelho corroboram o relato — doadas para amenizar as dificuldades de trabalhar com tamanha exposição física.

Correndo contra o tempo, eles permanecem na sinaleira entre 9h e 17h, horário que pode variar devido ao deslocamento da casa, na periferia, até a área nobre onde contam com os condutores e passageiros solidários. 

Nas redes sociais, vídeos das apresentações que lotavam auditórios podem ser conferidos. O rosto sorridente de Cebolinha nas gravações não pode mais ser visto, hoje escondido sob a máscara vermelha. O palhaço também faz malabarismo em frente aos carros, um equilíbrio forjado pela vida de quem, aos 22 anos, já é responsável pela família — além do aluguel do imóvel, o casal sustenta a irmã mais nova da esposa de Cebolinha. 

A mulher do artista, Lavínia Borba da Silva, 20 anos, é tímida. No sinal, se apresenta como mágica. Porém, com os segundos correndo no contador da sinaleira de pedestres, o que mais faz é acompanhar o marido, com o pedido de ajuda nas mãos. A paixão da jovem pelo circo veio acompanhada: 

— No início eu me apaixonei por ele só, nem sabia que era palhaço. Hoje eu amo os dois.

Além das redes sociais, o contato com a equipe de artistas pode ser feito pelo telefone do próprio Cebolinha: (51) 99865-9358. 

— Vergonha não é, a gente está trabalhando — se despede Cebolinha, ao avistar os veículos se aproximarem do sinal verde. 

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