Farra com verba pública
Informações de mortos foram utilizadas para conseguir auxílio emergencial no RS
Autoridades já identificaram, no país, 17 mil pessoas falecidas que tiveram o benefício depositado em seu nome
O Tribunal de Contas da União (TCU) vai encaminhar ao Ministério Público Federal (MPF) casos de pagamento indevido do auxílio emergencial do governo federal, como os revelados em reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) esta semana. Entre os que devem ser investigados estão golpistas que fazem saques do benefício usando dados até de pessoas que já morreram. Inclusive no Rio Grande do Sul.
Listas com a informação de uso indevido do auxílio emergencial circulam pelas redes sociais e, numa delas, a Marciane Kalkmann, da cidade de Colinas, no Vale do Taquari, encontrou o nome do pai dela, Irno. Ele morreu em dezembro passado, aos 60 anos, vitimado por problemas no coração. Foi sepultado num cemitério da comunidade de Ano Bom.
— Eu fiquei curiosa em saber quem tinha recebido, né, porque havia comentários sobre pessoas que não merecia e tiraram o benefício. Entrei no Portal da Transparência e fiquei muito assustada: deparei com o nome do meu pai. Quem pegou esse dinheiro? — questiona.
Marciane e dois irmãos denunciaram o caso à Polícia Civil. O delegado Juliano Stobbe pretende encaminhar o caso para a Polícia Federal, já que a verba desviada é federal.
No Vale do Taquari, já foram registrados 18 casos de saques indevidos do auxílio emergencial.
Um relatório do TCU aponta que, em todo o país, 17 mil mortos estão na lista de beneficiados com o auxílio emergencial. Eles geraram um prejuízo de pelo menos R$ 10,2 milhões aos cofres públicos.
Em Jacuizinho, no noroeste do Rio Grande do Sul, há outro exemplo dessa fraude. Seloni Ernesto Schneider está na lista dos R$ 600 retirados em abril. Só que, conforme prova sua certidão de óbito, Seloni morreu em 22 de março de 2019. Ele tinha 65 anos, morava sozinho, nunca casou e nem teve filhos. Consta que o corpo dele foi encontrado caído dentro de casa, num fogo de chão.
— O Ministério Público Federal está acompanhando essas situações inusitadas. Obviamente morto não requer e temos de investigar quem, na verdade, foi o beneficiado. Quem achou tempo para fraudar, durante uma pandemia. O que há é uma pandemia ética no país — desabafa o procurador da República Osmar Veronese, de Santo Ângelo, que vai investigar o caso de Seloni.
Enquanto isso ocorre, pessoas como Vilmar Francisco dos Santos, 55 anos, de Lajeado, não conseguem o auxílio. Há dois anos ele teve a aposentadoria cancelada, mas no sistema do governo federal consta que recebe esse benefício e, por isso, teve negado o auxílio emergencial.
— Eu passo fome! Eu preciso, não tenho nem sabão para lavar louça, não tenho Bombril para arrumar uma panela, meu banheiro tá atirado... Isso é ruim. Eu preciso, isso tudo é triste.