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Demora para realizar biópsia deixa idoso sem tratamento para provável câncer

O aposentado, morador de Canoas, convive há seis meses com diagnóstico sugestivo para linfoma ocular (tipo de câncer nos olhos). Para receber tratamento, precisa passar por biópsia. 

04/09/2020 - 08h00min


Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Idoso sofre com dores

“Atucanado”. É assim que o soldador aposentado Juarez Luis Morais Waseluch, 61 anos, define seu estado de espírito. A sensação, porém, pouco tem a ver com a pandemia de covid-19 que marca 2020. O que tira o sossego do morador do bairro Estância Velha, em Canoas, é a convivência diária com a suspeita de um câncer e a falta de tratamento.

Desde o início do ano, o aposentado tem sofrido com dores na cabeça e no olho esquerdo, que aumentou de tamanho, além de secreções e dificuldade para enxergar. Diante dos sintomas, procurou atendimento no Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG). Após passar por diversos exames, todos os resultados apontaram para o diagnóstico de linfoma intraocular – tipo de câncer causado pela proliferação de linfócitos. Mas, para que a suspeita fosse confirmada e ele pudesse receber tratamento adequado, havia necessidade de uma biópsia no olho.

Porém, a partir da identificação do possível câncer, tudo o que o aposentado conseguiu foi ficar no meio de um verdadeiro jogo de empurra para a realização do exame. Tendo passado por diferentes especialistas e hospitais, ele segue sem a confirmação do diagnóstico e, consequentemente, sem receber o tratamento adequado.

Jogo de empurra impede tratamento

No HNSG, Juarez passou por oftalmologista e oncologista, mas nenhum dos especialistas realizou a biópsia. Foi encaminhado, então, para otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço, ambos no Hospital Universitário, também em Canoas. Contudo, mais uma vez, o exame não foi feito, e ele retornou para a especialidade de Oncologia no HNSG. Por fim, foi “devolvido” para a especialidade de Oftalmologia – voltando, depois de meses, à estaca zero desde a descoberta da suspeita, sem diagnóstico e sem tratamento.

Somente em 1º de junho, após a passagem sem sucesso por diferentes especialistas, o HNSG emitiu uma declaração assumindo a impossibilidade de dar continuidade ao atendimento – contrariando o disposto na Lei 13.896/2019, que determina que, “nos casos em que a principal hipótese diagnóstica seja a de neoplasia maligna (câncer), os exames necessários à elucidação devem ser realizados no prazo máximo de 30 dias”. Com a emissão da declaração pelo hospital, Juarez foi encaminhado para a especialidade de Oftalmologia, em Porto Alegre, com indicativo de urgência. Desde então, aguarda pela chamada da regulação estadual de consultas, já sem esperanças.

– Eles (médicos) me falam mil porcarias. Um fala em tirar o olho, outro diz que posso ficar cego, mas só me dão remédios para dor e vão levando assim. Estou inconformado. Mas o que eu posso fazer? Entreguei nas mãos de Deus – desabafa.

“Queremos dignidade”, declara sobrinho de paciente

Em meio ao jogo de empurra ao qual foi submetido, Juarez tem contado com o suporte do sobrinho, o auxiliar de produção Maicon Gonçalves Alberton, 36 anos. É ele quem o acompanha em consultas, corre com as papeladas necessárias e auxilia o aposentado em sua busca pelo direito de receber um tratamento adequado para o problema de saúde.

– Eu não entendo nada dessas coisas, o sistema é muito complicado. Meu sobrinho é quem está correndo por tudo comigo, às vezes até perdendo o serviço. Tento guardar para mim, aguentar sozinho a dor para não precisar estar falando, porque não quero machucar os outros. Mas, se eu não tivesse ele, certamente já teria partido dessa para uma melhor – relata Juarez.

Contudo, sem poder resolver o problema do tio, o sobrinho sente-se desesperado. Buscando respostas, relata já ter perdido as contas das vezes em que entrou em contato com as secretarias de saúde, hospitais e ouvidorias, sem jamais ter recebido uma justificativa sequer.

– Ele é como um pai para mim. Me sinto impotente e desesperado, porque vejo os dias e as horas passando, a doença dele se agravando, e nada sendo feito. Já são quase seis meses dele convivendo com a suspeita de um câncer grave, sem receber tratamento, sem tomar nenhuma medicação para isso, sem fazer nada mais incisivo e sem ter, ao menos, uma resposta. Simplesmente deixaram ele largado às traças. Porém, é a vida de uma pessoa que está em jogo, essa demora pode custar a vida do meu tio – desabafa Maicon.

Prefeitura de Canoas não esclarece demora para encaminhamento

A prefeitura de Canoas informou que o paciente realizou consultas, no âmbito da saúde municipal, nos dias 3, 20 e 24 de janeiro, 4, 19 e 28 de fevereiro, 29 de abril e 1º e 5 de junho, quando foi encaminhado para a regulação estadual. Segundo a assessoria, houve, ainda, uma consulta agendada em 29 de dezembro de 2019, à qual Juarez não teria comparecido.

Segundo o município, ele aguarda há 89 dias pela chamada na regulação estadual – tempo de espera agravado pela pandemia. A média, em um contexto normal, seria de 19 dias.

Contudo, Canoas não explicou porquê o procedimento não pôde ser feito no município, tampouco o motivo pelo qual o encaminhamento para o Estado não se deu de forma mais ágil. A prefeitura também não se manifestou em relação ao prazo estabelecido na Lei 13.896/2019.

Estado e Porto Alegre não informam previsão

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), Juarez está regulado em Porto Alegre, com prioridade máxima. Segundo a SES, a marcação depende da oferta liberada pelo município.

Contatada, a SMS da Capital informou que, em função da pandemia, houve redução na oferta de consultas. No caso da especialidade de Oftalmologia, a redução foi de 50%. Contudo, a SMS salientou que, apesar de Porto Alegre ser um dos Centros de Oncologia do Estado, existem outros municípios para os quais o paciente poderia ser encaminhado. 

Nenhuma das secretarias informou previsão para que Juarez seja chamado à consulta. 

Produção: Camila Bengo


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