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Vítimas da covid-19

Bairros pobres de Porto Alegre lideram casos e mortes por coronavírus

Prefeitura entende que cenário ocorre porque as áreas são mais populosas, mas especialistas afirmam que população de menor renda está mais vulnerável na pandemia

23/12/2020 - 08h55min


Marcel Hartmann
Marcel Hartmann
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Lauro Alves / Agencia RBS

Após predominar no início da pandemia em zonas de maior renda, o novo coronavírus chegou de vez à periferia de Porto Alegre: nos rankings de 10 bairros com mais casos e mortes, apenas dois são de classe alta, mostram dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) atualizados até segunda-feira (21). 

Sarandi, Rubem Berta, Lomba do Pinheiro, Restinga e Partenon estão na liderança. Os cinco bairros juntos concentram 16,9% da população da Capital, 19,3% dos casos e 16,2% das mortes.

O cenário contrasta com o do início da crise sanitária, quando os bairros com mais casos e mortes por coronavírus eram Moinhos de Vento, Petrópolis, Centro Histórico e Menino Deus – sintoma da importação do vírus pelas classes altas. 

Em julho, bairros nobres ainda apareciam no topo da lista, mas concorriam com zonas como Lomba do Pinheiro, Sarandi e Cavalhada, o que apontava para o avanço do vírus na capital gaúcha. A inversão da balança agora se consolidou e coloca áreas mais vulneráveis no topo do ranking de infecções e mortes por coronavírus. 

São considerados bairros ricos, nesta análise, aqueles que têm Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) predominantemente acima de 0,9, em uma escala que vai de 0 a 1. Dentre os 20 bairros que constam nos rankings de mais infecções e óbitos, apenas três são ricos e exibem IDHM acima desse número: Centro Histórico, Petrópolis e Menino Deus.

Na visão do secretário-adjunto da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz, o maior número absoluto de casos e de mortes em bairros mais vulneráveis ocorre porque essas regiões são muito populosas. Ele entende que a covid-19 não está vitimando os mais pobres – a letalidade na cidade, diz, é a mesma para pacientes de hospitais públicos e privados

Katz destaca que, proporcionalmente, há mais casos em bairros centrais de Porto Alegre do que na periferia. Por esse recorte, dados da prefeitura mostram que Rubem Berta, o bairro mais populoso segundo o Censo de 2010, tem 39,62 casos a cada 100 mil habitantes – zonas de maior renda estão em pior situação, como Cidade Baixa (42,27) e Moinhos de Vento (53,03).

— Sem dúvida, baixa escolaridade e pobreza são marcadores de morte. Por infarto, por exemplo, pessoas com baixa escolaridade morrem mais. Mas, na covid-19, não vimos isso em Porto Alegre. Lomba do Pinheiro é menos afetada do que bairros da região central. A tendência, com o passar da pandemia, é ter uma homogeneização — afirma Katz.

No entanto, ainda quando se leva em conta o tamanho da população, dos 10 bairros que lideram o número de casos a cada 100 mil habitantes, quatro são ricos e seis são pobres, como mostra o gráfico a seguir. 

Três especialistas entrevistados por GZH afirmam que a população mais pobre está mais vulnerável aos riscos da pandemia em função da exigência de ir para a rua trabalhar e da dificuldade de seguir as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades. Estatisticamente, quem mora na periferia atua em ocupações de menor salário e que impedem o home office.

— Esses bairros mais populosos abrigam pessoas que não têm a escolha de ficar em casa ou não. São pessoas que tomam transporte público, muito pouco preparado em Porto Alegre, e que se contaminam no trajeto ou em contato com outras pessoas. Montevidéu tem população semelhante a Porto Alegre e tem cerca de 60 mortes, enquanto nós temos 1,7 mil. Isso fala de um país não pacificado — avalia Dário Pasche, professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).  

Bairros mais distantes também costumam abrigar mais negros, uma parcela da população que historicamente tem pior qualidade de vida, analisa Luís Eduardo Batista, diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e servidor da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

— Não é coincidência esses bairros mais pobres liderarem (os rankings). A Restinga é um bairro de maior vulnerabilidade social. Algumas doenças evitáveis são prevalentes em populações com menor acesso à educação, piores condições de vida e que mora nas periferias. E a população negra tem maior prevalência de hipertensão, diabetes e obesidade. São, então, mais vulneráveis ainda à covid — diz Batista

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Zonas mais periféricas também têm menos acesso a serviços de saúde, reflete a antropóloga Andréa Fachel Leal, professora do Departamento de Sociologia da UFRGS e pesquisadora na área da saúde. 

— Bairros periféricos têm condição de moradia mais propícia para disseminar o vírus. São pessoas que moram em habitações menores e com menos ventilação. O coronavírus é é um risco muito abstrato, enquanto essas pessoas têm necessidades imediatas e precisam lidar com a urgência da fome — diz Andréa.

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