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"É normal pegar fogo?" Conheça o inusitado cotidiano da oficina de Porto Alegre especializada em Kombis

Empresária que tinha locadora de peruas da Volkswagen percebeu que a demanda por mecânicos aumentaria, vendeu a frota e apostou no conserto dos veículos

20/01/2021 - 11h00min


Caue Fonseca
Caue Fonseca
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Isadora Neumann / Agencia RBS
Edilene, também ela uma fã das Kombis, aponta o perfil multiuso como o segredo do sucesso do veículo que saiu de linha em 2013

Prestes a completar três anos à frente da Oficina das Kombis, exclusiva para o conserto das peruas da Volkswagen na zona norte de Porto Alegre, Edilene Bueno Scherer atende a dois tipos opostos de clientes: os que cuidam das suas Kombis como um tesouro e os que maltratam as pobrezinhas até o limite.

Enérgica, Edilene frequentemente se irrita com os dois. Com os do primeiro grupo, por buscarem sempre um projeto inatingível de carro que muda o tempo todo dentro da cabeça. Com os do segundo, por reforçarem o estereótipo de que os veículos, por serem resistentes, não necessitam de manutenção. 

– Tenho vontade de jogar uma ferramenta em quem diz, por exemplo, que Kombi sem vazamento não é Kombi. Chegam a me perguntar se é normal pegar fogo. Ora, normal! Pode acontecer mesmo se não tiver manutenção, mas normal é que não é – conta, um pouco séria, um pouco rindo. 

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O estalo de que investir em uma oficina exclusiva para um veículo fora de linha desde 2013 seria um bom negócio veio do empreendimento anterior, de 2009: uma locadora de Kombis. Reparou que as oficinas ou colocavam os veículos para o final da fila ou consertavam de má vontade, muitas vezes para não desagradar um cliente que também tinha uma frota de carros. 

– Tive que contratar meus próprios mecânicos. Quando a Kombi saiu de linha e eu logo mais não poderia alugar carros novos ou seminovos, me caiu a ficha. Vendi a frota e abri uma oficina. E percebi que estava correta. Até hoje, cerca de 70% da minha demanda é retrabalho do conserto das outras – conta a empreendedora. 

No estabelecimento no bairro Sarandi trabalham ela, o marido e outros três mecânicos. Segundo ela, especialistas a ponto de diagnosticar o problema de uma perua só de ouvi-la no trânsito. Além disso, só trabalha com peças originais. Não raro, recusa serviço por não concordar com as gambiarras que os donos de Kombi desejam fazer nos veículos. 

– Tem quem queira instalar direção hidráulica de Monza na Kombi. E a bichinha aceita tudo, coitada. Não dá, pô! Kombi é muito boleadeira (balança demais para os lados). Com uma direção leve, o cara joga o volante para o lado e se foi. E, convenhamos, o cara que quer direção hidráulica não pode querer dirigir Kombi – declara Edilene.

Segundo a empresária, embora as Kombis se destaquem pela durabilidade, o segredo do sucesso são os múltiplos usos do veículo. Funcionam para o transporte de funcionários, de materiais de construção e equipamentos, para fazer entregas e vêm sendo cada vez mais transformados em motorhomes, foodtrucks, choperias ambulantes e por aí vai. 

O nome Kombi, diga-se, vem justamente disso. É uma redução de Kombinationsfahrzeug, alemão para “veículo de múltiplos usos”. A perua saiu de linha em razão da obrigatoriedade, que passou a valer em 2014, de freios ABS e airbags para fabricação no Brasil. Jamais encontrou um substituto à altura em versatilidade e custo-benefício. Em 2022, a Volkswagen alemã deve retomar a produção em versão elétrica. Edilene não bota muita fé. 

– Acho bonita, mas eu olho para as fotos e penso: não é uma Kombi. Você visualiza um carro assim levando tijolo para dentro de uma construção?

O ganha-pão de Edilene, portanto, seguirá sendo os donos das boas e velhas peruas das décadas passadas. Para estreitar o contato com eles, fundou o grupo Apaixonados por Kombi no Facebook e mantém atualizadas as redes sociais da oficina. Na última postagem, por exemplo, convocou os seguidores a mandar o nome dos seus veículos.

– O barato é esse, mexer com o afeto das pessoas. Não existe Kombi sem nome e não existe Kombi sem história – conclui a dona de uma perua carburada que vem sendo cuidadosamente transformada em motorhome, batizada de Cheirosa.

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