Notícias



Porto Alegre

Com quadro, cadeiras e livros doados, professora transforma quarto de casa em sala de reforço escolar

Projeto Reforço do Amanhã atende 30 crianças de comunidade do bairro Partenon

19/05/2021 - 14h09min


Tiago Boff
Tiago Boff
Enviar E-mail

Na Vila Maria da Conceição, zona leste da Capital, um grupo de crianças perdeu mais do que aulas na pandemia. Longe da escola, os estudantes ficaram sem comida. Foram para a rua, em uma área onde a violência impera. Ao identificar o que ocorria na região próxima daquela onde nasceu, criou-se e vive com a família, a professora Angélica Puliesi, 45 anos, levou os alunos para sua casa, no bairro Partenon. Em lições de reforço escolar, recupera parte do que eles deixaram de aprender e ainda oferece lanches a quem não consegue se concentrar devido à fome. 

—  Eu consegui tirar eles da rua, que não é lugar de criança. E aqui tem uma regra: não pode pensar nem falar de coisas ruins — explica, sobre os temas recorrentes na rua, proibidos porta adentro.

A pedagoga reformou o quarto de uma das filhas, que casou e foi morar com o marido. A peça tem duas janelas, o que ajuda na circulação de ar, medida que minimiza os riscos de contaminação pelo coronavírus — nenhum aluno foi contaminado desde o ano passado, garante.

A casa de madeira, com paredes verdes, é simples e acolhedora, ainda que com problemas estruturais: buracos no piso são tapados por uma tábua de compensado. Quando chove, as goteiras se destacam. 

Para acomodar as turmas, Angélica adaptou a mesa de jantar, criando uma classe com quatro lugares — uma cadeira em cada extremidade. Na parede, um quadro negro foi pendurado, ao lado da estante que suporta lápis de cor e livros infantis. Tudo doado.

— Eu fui comprar as cadeiras, custavam R$ 80 cada. Ficava caro pra mim, e o dono da loja disse pra eu voltar no outro dia, que ele ia tentar ajudar. Voltei e ele doou as poltronas, porque gostou do meu projeto. São anjos que me ajudam — relembra.

Nascia o projeto Reforço do Amanhã, com aulas às segundas, quartas e sextas-feiras, no turno da tarde. A iniciativa começou com 11 alunos, em março de 2020. Atualmente, 30 crianças frequentam a classe. As idades variam entre seis e 12 anos, e é levado em conta o nível alcançado por cada um, na formação dos grupos.

Nada é cobrado, e o pagamento, define, é a transformação da comunidade:

— Que eles saibam obedecer, respeitar, fazer coisas boas e serem bons seres humanos.

Desemprego e faxina

A educadora entrou na leva de demissões na escola que atuava e começou a fazer bicos para sustentar a casa e o voluntariado. Diz não sentir qualquer constrangimento pelo que passou durante o período: fez faxinas e bateu em mercadinhos do bairro pedindo por doações. 

— Assim como limpo minha casa, fiz faxina para manter meu projeto, para manter em pé, para não parar. Mas tinha dias que eu chorava porque não tinha o que dar pra eles comerem — admite.

Em 2021, voltou a lecionar, em outra escola, no bairro Santo Antônio. Para não deixar de atender seus acolhidos, negou a oferta de emprego em turno integral. Reforço particular, a quem possui recursos, complementam a renda — do próprio dinheiro, mandou imprimir uniformes e uma caneca para cada criança, com objetivo de não haver compartilhamento dos itens.

— Eles precisam de nós. A maioria não tem internet, não tem telefone nem computador. Vem aqui até pra pedir pra fazer cópia das matérias. Até currículo para pai e mãe já pediram — conta.

Com a confiança de que sua escolinha vai crescer ainda mais, Angélica e o esposo, motorista de ônibus, começaram uma obra em frente à residência atual. De alvenaria, a planta prevê dois pavimentos, com o andar superior destinado ao colégio. Orgulhosa, acompanhada do vira-lata Scooby — atração da gurizada —, revela que o dinheiro é curto para finalizar a construção.

— O que mais preciso é material de construção. A mão de obra conseguimos na vila, pois tem muita gente que trabalha com construção — pede. 

No próximo sábado (22), um drive-thru solidário irá acontecer na frente de casa, na Rua Nossa Senhora do Brasil, 64. Contatos com a professora podem ser feitos pelo WhatsApp (51) 98580-4274, que também é chave Pix para doações, ou no Instagram @projetoreforcodoamanha.

Ouça a entrevista da professora Angélica ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha



MAIS SOBRE

Últimas Notícias