Sinal de alerta
Cresce ritmo de mortes de crianças por covid-19 no RS, mas Estado ainda mantém menor taxa de óbitos do país
Em todo o ano passado, morreram oito crianças no RS com diagnóstico de coronavírus. Em 2021, em praticamente metade do tempo, já foram contabilizadas 13 vítimas
Consideradas menos vulneráveis a complicações da covid-19, ainda assim as crianças somam um número crescente de vítimas da doença no Rio Grande do Sul e no Brasil — onde já morreram pelo menos 1.155 menores de 12 anos até a primeira semana deste mês devido à pandemia, conforme levantamento realizado por GZH. Apesar de uma recente tendência de agravamento superior à média nacional, os gaúchos ainda apresentam o menor índice de morte infantil do país por coronavírus quando se leva em conta a população nessa faixa etária.
Em todo o ano passado, morreram oito crianças no Rio Grande do Sul com diagnóstico confirmado para o vírus. Em 2021, em praticamente metade do tempo, já foram contabilizadas mais 13 vítimas. Houve um crescimento de quase quatro vezes na velocidade de registro de óbitos: enquanto até dezembro era feita uma notificação a cada 45 dias e meio, desde janeiro o intervalo médio caiu para 12 dias.
Em nível nacional, essa aceleração ficou em 64%. O dado gaúcho, porém, deve ser visto com prudência porque o Estado apresentava, em termos absolutos, um dos números de vítimas infantis mais baixos de todo o país, atrás apenas de locais menos populosos, como Tocantins, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Acre e Amapá. Por isso, mesmo um pequeno crescimento pode resultar em um avanço percentual expressivo — o que deve servir de alerta, mas sem gerar uma impressão de agravamento exagerada.
Os números sugerem que a maior frequência de vítimas infantis se deve ao agravamento da pandemia como um todo — principalmente no pico de fevereiro e março, bimestre que concentrou um terço das ocorrências entre as crianças gaúchas. Não houve aumento na proporção da faixa etária até 12 no universo de mortos, permanecendo abaixo de 0,1%. Das 21 notificações de óbito, 15 tinham registro de algum fator de risco, como doença cardíaca ou prematuridade.
— Não há indício de que novas cepas do coronavírus provoquem um quadro mais grave em crianças. A questão é que, quando a pandemia está descontrolada, também tem impacto maior sobre elas, mesmo que complicações sejam bem mais raras — observa o infectologista e pediatra Marcelo Scotta, membro da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul.
Apesar do cenário de aceleração nos últimos meses, o Rio Grande do Sul apresenta a menor taxa de mortes infantis provocadas entre os Estados desde o início da pandemia. GZH comparou os registros de óbitos de menores de 12 anos existentes nos microdados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe, que inclui covid-19) com as estimativas populacionais para essa faixa etária elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2020.
Por esse cálculo, desde a chegada da covid-19, os gaúchos somam 11,7 crianças mortas com diagnóstico confirmado para coronavírus por milhão de habitantes com essa idade, contra uma média nacional de 30 por milhão. O pior desempenho é do Sergipe, com um índice de 145 (foi usado como critério o Estado de residência do doente), seguido pelo Amazonas, com 78,9.
Entre as localidades menos afetadas proporcionalmente, depois do Rio Grande do Sul aparece o Paraná, com taxa de 13 por milhão. O mais recente boletim do Sivep-Gripe traz informações até 7 de junho (data utilizada como limite para os cálculos), mas óbitos ocorridos antes dessa data que ainda estavam em processo de notificação só serão contabilizados na próxima atualização.
Condições sociais podem favorecer o RS
Os Estados em situação de maior risco infantil para o coronavírus ficam sobretudo no Norte e no Nordeste, onde as condições socioeconômicas e de acesso à saúde costumam ser mais precárias em comparação ao Sul — onde também há muitos centros de excelência para atendimento a essa faixa etária.
O infectologista do Hospital de Clínicas e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luciano Goldani cogita ainda que os pequenos gaúchos podem ter conseguido se manter mais isolados em casa em comparação a outras localidades.
— É possível que tenhamos conseguido um maior distanciamento nessa faixa etária. Mas é difícil avaliar porque, como muitos casos são assintomáticos nessa idade, nem conseguimos enxergar toda a contaminação. Vemos apenas a pontinha do iceberg — avalia Goldani.
O cenário nacional, em comparação a outros países, é bastante ruim. Uma reportagem publicada pelo Estadão em 7 de junho apontou um índice de 32,6 crianças mortas pela covid-19 por milhão, mas o jornal contabilizou apenas aquelas com menos de nove anos. Por esse recorte, o Brasil teria o segundo pior desempenho entre países com pelo menos mil mortes totais por milhão causadas pela pandemia e mais 20 milhões de habitantes. Os brasileiros ficariam atrás somente do Peru, com taxa de 41 por milhão, e à frente do México, com 18.
Segundo o epidemiologista e professor da UFRGS Paulo Petry, o mau desempenho nacional pode ser explicado por fatores como o descontrole da pandemia sob condições precárias de atendimento, já que sistemas hospitalares entraram em colapso em diversas regiões, e pela falta de um maior apoio socioeconômico às famílias.
— Embora as escolas tenham permanecido bastante tempo fechadas, muitos pais e mães precisaram sair para trabalhar e acabaram contaminando as suas famílias. Basta olhar o transporte coletivo em horários de pico — analisa Petry.
País tem alto número de casos sem origem definida
Um dado chama a atenção quando se analisam as planilhas do Sivep-Gripe onde constam os registros dos pacientes de qualquer tipo de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que exigiram internação. Em 2020, houve um grande número de notificações em que não se conseguiu apontar a origem exata da doença.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, foram notificados oito óbitos em que houve comprovação do coronavírus. Mas em outros 61 casos não foi possível identificar o vírus ou agente responsável pela contaminação. Procurada, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que, desse universo, 59 pacientes tiveram resultado negativo para o Sars-CoV-2 em exames de PCR (de alta sensibilidade). As fichas das duas vítimas restantes não foram preenchidas por completo.
Neste ano, até o começo de maio, o número de registros sem vírus especificado ficou em oito. Destes, conforme a SES, todos testaram negativo para covid-19 por PCR. Ou os resultados foram falsos negativos (quando o vírus está presente, mas não é observado), ou as doenças foram provocadas por outros micro-organismos.
A situação é semelhante em todo o país. No ano passado, o Brasil somou 1,4 mil óbitos de crianças por síndromes respiratórias em que não foi possível apontar o agente causador. Ainda não há uma explicação clara para o que pode estar por trás dessas situações.
— Não considero muito provável que esses casos de síndrome respiratória em crianças sejam covid porque, nessa faixa etária, elas não costumam desenvolver SRAG em razão do coronavírus. Pode ser outro vírus que não tenha sido detectado — analisa o infectologista Luciano Goldani.
O infectologista e pediatra Marcelo Scotta, porém, avalia que no ano passado as medidas de isolamento também ajudaram a frear a circulação de outros vírus, como o da gripe. Por precaução, Scotta recomenda aos pais manterem todas as medidas preventivas contra contaminações em relação aos filhos.
— A Sociedade Brasileira de Pediatria e o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos recomendam uso de máscara a partir de dois anos. Além disso, é fundamental seguir mantendo o distanciamento e deixar os ambientes sempre arejados — orienta o pediatra.