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Cenário da covid-19

Com recuo de óbitos e avanço da vacinação, Brasil pode entrar em fase de surtos localizados da pandemia

Se queda recente de internações e mortes for mantida, país pode rumar para etapa de surtos em vez de agravamento generalizado, mas fatores como a variante Delta mantêm risco elevado

02/07/2021 - 09h24min


Marcelo Gonzatto
Marcelo Gonzatto
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André Ávila / Agencia RBS
Situação nas UTIs melhorou ao longo das últimas semanas no país

 Sob sinais preliminares de declínio do coronavírus, como recuo na média diária de óbitos, menor pressão sobre as unidades de terapia intensiva (UTIs) e diminuição da taxa de transmissão da covid-19, o Brasil pode rumar nas próximas semanas para uma terceira fase da pandemia em que o agravamento generalizado da doença daria lugar à ocorrência de surtos, principalmente entre grupos com maior exposição ao vírus e índices de vacinação mais baixos. 

Apesar disso, como os níveis de contaminação e óbitos seguem em nível elevado, fatores como o desleixo da população com medidas preventivas ou a proliferação de uma variante mais agressiva como a Delta podem voltar a agravar o cenário nacional ou, mais especificamente, no Rio Grande do Sul, que também registra retraimento de internações e óbitos. 

O mais recente boletim epidemiológico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado na quarta-feira (30), mostrou que, entre 21 e 28 de junho, o número de Estados com UTIs sob estado crítico de ocupação diminuiu de 15 para oito — e os gaúchos estão entre as regiões que melhoraram de situação, passando para o grau médio de alerta. 

Há outros indícios preliminares de desafogo: a taxa de transmissão calculada pelo Imperial College de Londres caiu para 0,98 nesta semana, índice mais baixo desde março. Isso significa que cada grupo de cem doentes infecta outras 98 pessoas.

Dados do Ministério da Saúde apontam ainda redução de 23% tanto na média móvel de novos casos (calculada com base nos sete dias anteriores) quanto na de novas mortes diárias na quarta-feira (30), em comparação a duas semanas antes. 

— O Brasil está começando a entrar em uma situação mais confortável, em que a vacina está passando a fazer efeito principalmente entre a população mais idosa, reduzindo a mortalidade entre quem tem mais de 60 anos — observa o epidemiologista e pesquisador em saúde pública da Fiocruz Diego Ricardo Xavier. 

Até a tarde desta quinta-feira (1º) o país atendeu 35,4% da população com uma dose de imunizante e completou o esquema vacinal de 12,9% dos brasileiros. Esses índices aumentam a proteção individual contra o vírus, mas, para barrar a transmissão sustentada, é preciso alcançar 70% das pessoas com nível máximo de anticorpos. 

Xavier é um dos autores do estudo da Fiocruz que, em dezembro, apontou o fim do ciclo de interiorização da doença e a sincronização da pandemia em todo o território nacional — que levaria a um agravamento generalizado da covid poucas semanas depois. Agora, o epidemiologista aponta que o país começa a trilhar o caminho para uma terceira etapa.

— Se essas tendências de diminuição (de internações e óbitos) continuarem, entraremos em uma terceira fase da pandemia caracterizada pela ocorrência de surtos, principalmente associados a maiores níveis de exposição e a populações que não se vacinaram. Deveremos acompanhar surtos de covid por vários anos — observa Xavier. 

Esse caminho, porém, ainda não está consolidado. Se uma nova variante como a Delta se espalhar, reduzindo o efeito da imunidade conquistada até o momento, pode ocorrer uma nova sobrecarga das redes de atendimento, com a retomada das curvas ascendentes de casos e mortes. Esse risco, que pode ser aumentado se parte dos brasileiros achar que a doença está sob controle e deixar de tomar cuidados como distanciamento e uso de máscara, é perigosa pelo fato de os hospitais ainda se encontrarem sob alta demanda.

Doutor em matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Álvaro Krüger Ramos lembra que o país ainda está sob um patamar significativo de transmissão. Seria preciso manter essa tendência recente de declínio por mais tempo até que seja possível distinguir a ocorrência de surtos mais localizados em meio ao panorama geral — a exemplo do que já ocorre em países com a vacinação bem mais adiantada, como Israel.

O matemático aponta ainda que os brasileiros seguem convivendo com um grau inaceitável de óbitos. Um estudo concluído nesta semana por Ramos, que vem realizando análises estatísticas sobre a covid-19 desde o começo da pandemia, avalia que poderão ser notificadas entre 174,7 mil e 323,2 mil mortes entre 27 de junho e 1º de outubro, com base em parâmetros estimados de mobilidade, índice de contágio e outros. 

— Um lockdown nacional de três semanas poderia salvar entre 88,9 mil e 154,1 mil vidas até o começo de outubro — avalia o matemático, que fez projeções mais ou menos otimistas conforme a taxa de infecção esperada para o período. 

Seriam impedidos ainda até 5,5 milhões de contaminações. Isso representaria uma economia de até R$ 18,9 bilhões para os cofres públicos em termos de tratamento desses pacientes nos diferentes níveis de gravidade. 

Represamento de dados pode dificultar análises

Análises sobre o futuro da pandemia são sempre um exercício de alto risco diante de incertezas como o comportamento da população e o surgimento de variantes. Outro fator, segundo o matemático da UFRGS, pode ampliar essa complexidade: o represamento de notificações feitas pelas prefeituras. 

Ramos observa que de cerca de 27 mil casos de covid-19 notificados no Estado em uma semana até 27 de junho, cerca de 10% entraram no sistema com pelo menos três meses de atraso. Isso pode indicar que, quando se analisa o número de novos doentes pela data de divulgação, o cenário pode parecer um pouco pior do que é na verdade, já que inclui registros mais antigos. 

— Mas devemos lembrar que os dados de hoje também podem estar represados, e estar ocorrendo um aumento que ainda não vemos. Por isso, é sempre importante manter a cautela — observa o matemático. 

Uma das formas de compensar isso é observar diferentes indicadores para avaliar o andamento da pandemia. No caso do Rio Grande do Sul, os dados disponíveis sustentam a hipótese de que a vacinação já vem produzindo resultados, conforme reportagem publicada por GZH na quarta-feira (28) sobre recuo nas internações em geral e diminuição pela metade na proporção de idosos hospitalizados. 

O número de pacientes com covid-19 em leitos clínicos caiu 32% em duas semanas até a tarde desta quinta e a quantidade de doentes com coronavírus em UTIs foi reduzida em 13,5%.


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