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Atendimento remoto

Telemedicina cresce na pandemia e se consolida como alternativa na saúde pública

Autorizada de maneira emergencial durante a pandemia, telemedicina é ferramenta para atender pacientes de forma remota, o que antes era realizado somente entre profissionais

31/07/2021 - 05h00min

Atualizada em: 02/08/2021 - 09h57min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Na UBS Santa Cecília, em Porto Alegre, muitos atendimentos já são feitos pelo telefone

Esta reportagem está dividida em quatro partes. Leia as outras três aqui, aqui e aqui.

Dentre os vários comportamentos humanos transformados pela pandemia, a maneira pela qual dois indivíduos se comunicam foi atingida em cheio. Não em modelos de contato, mas no uso das ferramentas que constroem essa ponte. Todo e qualquer contato presencial desnecessário — ou até mesmo os necessários — foi substituído por uma mensagem de texto, um áudio enviado via WhatsApp, uma chamada de vídeo ou uma ligação telefônica. 

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Atendimentos de serviços públicos, idas ao supermercado, pedidos aos restaurantes, tudo que já estava na palma da mão há algum tempo, se intensificou ainda mais desde que o coronavírus mudou o jeito de viver. E a saúde, obviamente, não ficaria de lado. Com a sanção da crise sanitária, autorizou-se, de maneira emergencial, a aplicação da telemedicina. Uma ideia que vinha sendo maturada há anos com uso ainda restrito entre os profissionais, entrou na relação de médico e paciente. E o que veio como uma solução para os dias rígidos do distanciamento social, deve permanecer nas nossas rotinas, mesmo depois da pandemia.

Quem já precisou de atendimento por este meio, elogiam o acolhimento, como a auxiliar de serviços gerais Inajara Lopes dos Santos, 38 anos. Mãe de João Miguel, quatro anos, ela precisou levar o pequeno ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Com uma respiração ofegante, os pais tiveram medo de que a covid-19 tivesse contaminado o menino, que já estava com catapora. Depois do atendimento e descartada a possibilidade de covid-19, Miguel seguiu recebendo os cuidados médicos através das ligações do HCPA.

— Achei muito mais prático receber a receita médica pelo celular. Também foi muito bom não precisar retornar presencialmente a cada atendimento, já me senti muito bem acolhida com as ligações — conta ela.

Inajara também pontua que a ferramenta foi um auxílio diante da realidade do seu posto de saúde de referência, que não tem pediatra disponível. Ela é moradora do bairro Guarujá, na zona sul de Porto Alegre.

Remoto

A telemedicina consiste exatamente no que o seu nome transparece: colocar médico e paciente em contato sem que os dois estejam no mesmo espaço físico. Mas, não é apenas isso. Outras áreas e especialidades da Saúde também entraram nessa chamada, dando um tom mais abrangente à nomenclatura: telessáude. Alcunha já conhecida dos gaúchos, terra onde nasceu o Telessaúde-RS, serviço da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que desde 2007 atende gratuitamente profissionais de saúde que buscam esclarecer dúvidas, pedir consultoria e até estudar. 

Essa era a limitação dos atendimentos remotos no país até antes da pandemia. Os contatos se resumiam a três nichos da telessaúde: consultoria, diagnóstico e educação. Profissionais atendiam colegas para auxiliar na avaliação de casos e na percepção de diagnósticos ou para treinamentos e cursos. Sem uma participação direta do paciente. O Telessaúde segue com esse serviço, que saltou em número de usos em 2021. Mas, agora, outras vertentes surgiram para desafogar demandas eletivas que foram represadas durante a pandemia, além de serem essenciais no acompanhamento de pacientes no pós-covid-19.

Crescimento

Jefferson Botega / Agencia RBS
Dr. Marcelo Rodrigues diz que telemedicina "é um caminho sem volta"

Professor no serviço de Atenção Primária do HCPA, Marcelo Rodrigues Gonçalves também é coordenador científico do Telessaúde. Defensor do atendimento remoto como maneira de desafogar filas de espera e democratizar ainda mais o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), ele conta que somente no primeiro semestre deste ano, o Telessaúde prestou mais de 35,7 mil teleconsultorias para todo país. Em 2020, esse número foi de 82.353 atendimentos, volume 34% maior do que em 2019, antes da pandemia, quando foram 61.466 teleconsultorias via Telessaúde.

— É um caminho sem volta. O Brasil é um dos últimos territórios a ter isso como algo regulamentado. Muitos países já tem a telemedicina consolidada há muitos anos. Pessoas e profissionais daqui viram que é confiável, confortável e uma ótima solução para nossa realidade — defende Marcelo.

A aprovação da telemedicina de maneira emergencial pelo Congresso Nacional resolveu em dias uma discussão que se arrastava há quase duas décadas no país. A primeira tentativa legal surgiu em 2002, mas acabou não vingando por falta de apoio político e de concordância entre entidades. Em 2018, uma nova proposição de legislação surgiu, mas foi criticada por profissionais e afogada pela pandemia antes de tomar forma. 

Com isso, em poucas linhas, deputados federais aprovaram no início do ano passado a aplicação de consultas de maneira remota enquanto a crise sanitária perdurar no país. Depois, ficará a cargo do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentar os atendimentos. Tida como solução emergencial, a telemedicina veio para ficar, como avaliam médicos que estudam a área e entidades como CFM e a Associação Médica Brasileira (AMB). 

A regulamentação, entretanto, ainda deve gerar discussões antes de ser sacramentada pelo conselho representativo da classe. O diálogo tem divergência em dois pontos que se completam: dar independência do médico mas, ao mesmo tempo, limitar o primeiro contato ao atendimento presencial. 

Atualmente, países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália, Argentina e México tem a telemedicina regulamentada. Nos EUA, somente três dos 50 estados exigem uma primeira consulta presencial. Na Europa, 24 dos 28 países tem alguma regulamentação sobre teleconsulta. E somente três destes países tem alguma restrição, como a primeira consulta presencial. Entre os que não permitem a prática, estão Alemanha, Eslováquia e Itália.

Entenda as áreas da telessaúde

A prática dos atendimentos remotos não consiste apenas em médicos e pacientes fazendo contato. Veja quais os modelos de telessaúde são mais comuns e utilizados no país, principalmente, no RS.

/// Teleconsulta: É contato do paciente com o profissional, seja ele médico ou de outra área da saúde, para a a realização de uma consulta.

/// Teleconsultoria: É quando profissionais de saúde buscam contato com outros profissionais especializados para discutir casos e situações de pacientes. É o caso do serviço oferecido pelo Telessaúde-RS.

/// Telemonitoramento: É o acompanhamento feito por profissionais de saúde para pacientes de doenças crônicas ou em recuperação da covid-19.

/// Telediagnóstico: É quando profissionais especializados de serviços como o Telessaúde-RS prestam atendimento para outros serviços de saúde de maneira remota, dando os diagnósticos solicitados. Um dermatologista que dá o diagnóstico de um exame solicitado pelo médico do posto de saúde, por exemplo. 

/// Tele-educação: Consiste no uso de plataformas digitais para execução de cursos e práticas que visam aperfeiçoar o trabalho de outros profissionais em seus locais de trabalho.

*Fonte: Dr. Marcelo Gonçalves, coordenador do Telessaúde-RS/UFRGS e professor no serviço de Atenção Primária do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

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