Proteção contra o vírus
Quanto tempo dura a imunidade das vacinas contra a covid-19?
Estudos iniciais apontam que idosos e imunossuprimidos precisam da terceira dose, mas ainda não há indicativos para adultos e pessoas com comorbidades
A possível redução na imunidade contra a covid-19 entre seis e oito meses após a segunda dose de vacinas, assim como o recente aumento de hospitalização de idosos, motivam diferentes nações, incluindo o Brasil, a optar pela terceira aplicação nos mais velhos e em pessoas com problemas no sistema imune. Em solo brasileiro, a medida começará a partir de 15 de setembro. Enquanto isso, ainda há incertezas sobre quando tempo dura a proteção.
A resposta de longo prazo contra o coronavírus é desenvolvida basicamente de duas formas: com os anticorpos, proteínas que atuam contra o invasor, e os linfócitos B de memória, que recordam como o vírus se parece e, ao estímulo necessário, atuam para produzir mais anticorpos - algo importante para controlar uma infecção.
Estudos, a maioria em laboratório, vêm sugerindo que o nível de anticorpos pode cair - sem desaparecer - entre seis e oito meses após a segunda dose. Já o nível de células B parece se manter. As análises ainda são preliminares e não colocaram um ponto final na discussão - é necessário mais tempo de acompanhamento.
A queda de anticorpos de fato está relacionada a uma menor proteção contra uma doença, mas certa redução é esperada ao longo do tempo. A grande dúvida aqui é que não há consenso sobre o número mínimo de anticorpos necessários para proteger contra a covid-19, o que inviabiliza dizer que a diminuição registrada chegou ao patamar de prejuízo.
— Alguns estudos mostram que anticorpos perduram por uma média de seis a oito meses e depois têm redução progressiva. Mas isso não significa que a gente possa dizer que a pessoa perdeu a proteção e que todo mundo vai ter que fazer três doses. Você pode dizer que a pessoa tem perda de anticorpos, mas não que perdeu proteção — resume Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Diferentes análises trazem resultados distintos, mas a maioria aponta para a queda de anticorpos ao longo do tempo. A Pfizer afirma que a proteção dura pelo menos seis meses após a segunda dose - depois, a eficácia cai cerca de 6 pontos percentuais a cada dois meses.
Estudo da Universidade de Oxford mostrou que as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca funcionam contra a variante Delta, mas perdem efeito ao correr dos meses. A Pfizer passou de 94% de proteção contra a nova cepa 14 dias após a segunda dose para 78% após 90 dias. A AstraZeneca passou de 69% para 61%.
Outra pesquisa, publicada na revista Nature, apontou que a resposta imune gerada pela Pfizer começa a cair a partir de três meses. Ao mesmo tempo, estudo feito por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e divulgado na segunda-feira (23), ainda sem revisão de pares, mostrou que vacinas de RNA mensageiro, como a da Pfizer, estimulam por ao menos seis meses a formação de linfócitos B de memória, responsáveis pela geração de anticorpos.
Mais um estudo da Universidade de Oxford, publicado em junho na prestigiosa revista The Lancet, mostrou que a resposta imune gerada pela AstraZeneca cai meses após uma dose única, mas persiste entre seis meses e um ano após a segunda dose. A resposta é maior quando o intervalo é de 15 a 25 semanas do que entre oito e 12 semanas.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) cita o trabalho em nota na qual afirma que "estudos têm apontado para uma alta efetividade da vacina nos dados do mundo real, incluindo no Brasil, assim como para uma persistência maior na resposta imune das pessoas vacinadas com duas doses da vacina Fiocruz/AstraZeneca do que o relatado nos estudos com outros imunizantes".
Um estudo feito Universidade Católica do Chile com 2.300 voluntários que tomaram a CoronaVac mostrou que o nível de anticorpos caiu seis meses após a segunda dose. Eles sugerem a terceira aplicação. Outra análise, de pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Instituto do Coração de São Paulo (InCor), ainda sem revisão de pares, mostrou que o imunizante tem menor efeito em pessoas acima dos 55 anos. Os cientistas indicam as duas doses para indivíduos mais jovens e uma terceira aplicação para os mais velhos.
Sobre a Janssen, estudo publicado em julho no New England Journal of Medicine mostrou que a quantidade de anticorpos e células T se mantém estável, pelo menos, por oito meses - tempo de duração do estudo até agora.
Reforço
A terceira dose é defendida porque pesquisas mostram que o reforço eleva o nível dos anticorpos no organismo, o que seria especialmente benéfico para pessoas com sistema imune deficiente, como idosos e imunossuprimidos (transplantados e pessoas com câncer, por exemplo).
— A gente vai perdendo a parte da medula óssea que faz a produção dessas células ao longo dos anos. Idosos e imunossuprimidos possuem uma proporção muito menor de células B, então não têm a capacidade de gerar anticorpos na mesma taxa de uma pessoa jovem. O reforço da vacina estimularia as células B que existem a produzir anticorpos contra o vírus — explica a imunologista Melissa Markoski, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A inclusão do resto da população na terceira dose ainda não tem base científica, destaca Mônica Levi, da SBIm. O ministro Marcelo Queiroga decidiu, nesta semana, começar um grupo de trabalho no Ministério da Saúde para investigar se há aumento de infecções, hospitalizações e óbitos entre profissionais da saúde para averiguar se a terceira dose é necessária ao grupo.
— Até o momento, não há sinalização de que outros grupos de risco que adoeceram e tiveram mais covid, como diabéticos, hipertensos e obesos, estejam adoecendo mais e tendo formas graves. Nem mesmo em outros países. A discussão de terceira dose é para imunossuprimidos e idosos. Hipertenso, por exemplo, tem mais risco de evoluir de forma grave, mas ele responde à vacina — diz a médica.
A manutenção dos linfócitos B, que produzem anticorpos, é um dos indícios de que a proteção contra o coronavírus se mantém, diz a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19 e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini.
— Você criou anticorpos em resposta à vacina, e eles têm uma "meia-vida". Só que quem produz anticorpos (ou seja, os linfócitos B) está circulando ou na medula, esperando. Mesmo com a queda de anticorpos, não significa que não se esteja protegido. A ideia é, a partir da dose adicional, aumentar o tempo em que essa onda de anticorpos perduraria na circulação, porque isso pode ajudar a evitar a infecção, relevante principalmente para populações mais vulneráveis — afirma Fontes-Dutra.
Em Israel, o reforço é aplicado em idosos acima dos 60 anos desde o fim de julho. O Ministério da Saúde local divulgou no último domingo (22) que a terceira dose da Pfizer aumentou significativamente a proteção contra infecções e casos graves em idosos.
Para essa população, a proteção contra infecções gerada 10 dias após a terceira dose foi quatro vezes maior do que após duas doses. Já a proteção contra casos graves e hospitalizações foi de cinco a seis vezes maior também 10 dias após a terceira dose.
Mas, dado o pouco tempo, não se sabe ainda se terceira dose será necessária para todos e qual a frequência a ser adotada. A decisão de Israel de revacinar toda a população ocorre em um contexto onde sobram vacinas, o que não é o caso do Brasil, destaca Rodrigo Boldo, médico intensivista e pesquisador do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre.
— Vacinas recém estão chegando a um ano de avaliação. Há dúvida sobre o tempo que se permanece imune e que se perde eficácia. Israel foi um dos primeiros países a vacinar toda a população adulta, então têm a disponibilidade de lançar a campanha de terceira dose, estão todos vacinados — afirma Boldo.