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"Fora das Sombras do Império"

Adolescente autista lança livro em Gravataí: "Quero ser professor de História"

Situada na Segunda Guerra Mundial, ficção foi escrita por aluno da rede pública do município

01/09/2021 - 10h38min

Atualizada em: 01/09/2021 - 21h49min


Tiago Boff
Tiago Boff
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Aos 10 anos de idade, Samuel Jesus Pacheco não lia ou escrevia. Nem o lápis conseguia apoiar, segundo seus pais. Para vencer o caderno de tarefas, o estudante precisou de mais tempo que o estimado no currículo escolar, paciência exigida por seu espectro. O êxito nos exercícios foi alcançado, principalmente, pelo incentivo recebido dos professores, que não excluíram o aluno autista de nenhuma atividade.

— Eu digo que ele tem duas mães, que são as escolas que ele estudou, com professoras maravilhosas — diz a mãe "real", Roseli Pacheco, 48 anos.

Hoje com 16 anos, Samuel venceu as letras que outrora estranhava. Dedica pelo menos duas horas por dia à leitura e publicará seu primeiro livro, uma ficção histórica ambientada na Segunda Guerra Mundial. Fora das Sombras do Império remonta, entre outras, à Batalha de Stalingrado, na qual o exército nazista acabou derrotado pela União Soviética. A narrativa do adolescente inclui personagens antagônicos, com objetivo semelhante: acabar com as atrocidades cometidas por Adolf Hitler. As páginas dos contos são ilustradas pelo próprio autor, desenhos rabiscados a partir da observação de filmes e jogos de videogame.

Ao creditar a obra — a qual garante ser a primeira de uma trilogia —, o adolescente segue a linha da mãe, nomeando uma lista de educadores que passaram por sua alfabetização:

—  Demorei muito tempo para aprender a ler e escrever, mas depois que consegui não larguei nunca mais. Esse projeto é é graças aos meus professores, não sei nem como agradecer.

Samuel vai além: diz que quer ser professor de História.

— Assim posso contribuir com a sociedade, ajudar os jovens e as futuras gerações a entenderem melhor a História — complementa, com maturidade surpreendente à idade. 

A família do jovem escritor vive no Residencial Breno Garcia, um loteamento popular de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. O pai, Gilceu Bitencourt Pacheco, 58 anos, trabalha na construção civil. A mãe se dedica a cuidar da casa. Os dois concluíram apenas o quarto ano do ensino fundamental, um fato que amplificou as dificuldades para ambos, e é tido como incentivo para Samuel e seu irmão, Daniel, não abandonarem os estudos. 

— A gente valoriza demais a escola para eles — defende o construtor.

Incentivo da escola pública

Carregada de registros das décadas de 1930 e 1940, a publicação precisou de intensa consulta bibliográfica. Quando não possuía o exemplar físico, o pesquisador corria para a internet - sinal "compartilhado" por um posto de saúde na rua vizinha. Samuel se escorava na pia e colocava o smartphone sobre a geladeira, único ponto em que se mantinha conectado. Somente nos últimos meses, ele passou a ter banda larga própria, com o reforço financeiro do irmão, que começou a trabalhar.    

Dois colégios de Gravataí formaram o escritor: o garoto começou na Escola Municipal de Ensino Fundamental Bom Jesus, e atualmente frequenta o nono ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ivete Serafini, onde o livro será lançado, no dia 10 de setembro.

A professora de Português Lisiane Martins, 40 anos, carrega na voz, emocionada, o orgulho do trabalho feito junto à seus colegas na rede pública do município.

— Conseguimos mostrar o potencial da escola pública, desde que se tenham pessoas boas, que se empenham e acreditam no que fazem — afirma a educadora.

Lisiane não toma para si os méritos do feito de Samuel. Divide a conquista com o próprio escritor, no que considera uma troca de ensinamentos.

— Esse trabalho representa muita gente, e o Samuel só chegou até aqui por um trabalho imenso que foi feito por outros professores. Ele vai ganhar o mundo, se assim quiser — vislumbra.

Em casa, o estudante já tem uma cópia do livro, com capa colorida divida ao meio, com título de um lado e uma de suas pinturas no outro extremo. Foi diagramado e impresso pela Agbara Edições, do jornalista Oscar Henrique Cardoso.

— Apoiar o projeto de Samuel Jesus Pacheco é apoiar a inclusão — compara o fundador da Agbara, termo do idioma Iorubá que significa força e recomeço.

Os exemplares serão vendidos a R$ 25. O evento de lançamento ocorrerá na escola Ivete Serafini (Rua Querência, 301, parada 90, bairro Parque dos Anjos, Gravataí). Interessados em adquirir o livro podem contatar a editora pelo telefone (51) 9-8244.5974.

Confira a entrevista de Samuel e da mãe ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha:



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