Mobilidade urbana
Corridas canceladas e mais horas trabalhando: como a alta dos combustíveis afeta os aplicativos de transporte
Alta dos combustíveis, aliado ao baixo valor de repasses feitos pelas empresas dos aplicativos, têm complicado o trabalho dos condutores. Por outro lado, usuários têm notado maior dificuldade em conseguir corridas
Na esteira do alto desemprego, usar o carro ou até mesmo alugar um para fazer o transporte por meio de aplicativos foi solução para milhares de brasileiros no aperto. Mas, com a alta no preço dos combustíveis, uma demanda antiga dos motoristas ficou ainda mais urgente: o aumento da taxa que eles recebem a cada corrida realizada.
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Com os valores atuais, muitas solicitações não cobrem mais o custo da operação. Isso sem falar nos gastos com manutenção preventiva e obrigatória dos veículos. Em junho, motoristas que operam sob os apps da Uber e da 99 se reuniram no Largo Zumbi dos Palmares, na Capital, pedindo um ajuste de 42% no valor das tarifas. Conforme os trabalhadores, não há aumento nessa remuneração desde 2015.
Segundo Germano Weschenfelder, do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo de Estado (Simtrap-RS), muitos trajetos têm pago menos de R$ 1 por quilômetro rodado. Por isso, usuários têm notado dificuldade em conseguir corridas. Nas últimas semanas, os cancelamentos têm sido cada vez mais frequentes.
Além disso, o fato de muitas pessoas estarem saindo da plataforma em razão do prejuízo causado pela alta dos combustíveis vai tornando ainda maior a espera por um carro. Só em julho, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação nos combustíveis chegou a 2,46% em Porto Alegre — o índice geral foi de 1,23%. No ano, o setor de combustíveis tem inflação de 33,42% — enquanto o índice geral foi de 5,42% —, ambos dados da Capital.
— A gente está num momento em que vale a pena ficar garimpando uma corrida, é complicado. Enquanto algumas pagam mais de R$ 2 por quilômetro, outras não chegam a R$ 1 — pontua Germano.
Crise
A questão é que se o cenário perdurar, os aplicativos podem passar por dias difíceis. Se a demanda segue a mesma, muitas pessoas usando, mas o quadro de motoristas vai reduzindo drasticamente, fica mais cada vez mais difícil conseguir uma corrida. Conforme Germano, no início do ano, eram cerca de 20 mil motoristas de aplicativo no Rio Grande do Sul, boa parte disso na Região Metropolitana. Com a crise no setor, cerca de 20% deste total deixou de ter os aplicativos de transporte como forma de renda, projeta o representante do Simtrap-RS:
— Temos muitos relatos de pessoas que saíram da plataforma. Em muitas corridas, as empresas ficam com até 50% do valor. Sabemos que é possível repassar mais aos trabalhadores e que isso pode ser retirado do lucro das empresas.
GNV e mais horas trabalhadas
Para quem segue na lida diária dos aplicativos de transporte, manter o negócio lucrativo exige esforço. O motorista de aplicativo Cláudio Ferreira, 53 anos, aluga um veículo para trabalhar — um custo a mais para ser abatido do que recebe pelas corridas. Para fugir do alto preço da gasolina, o carro é movido por gás natural veicular (GNV), mais barato que a gasolina e opção bastante comum para quem trabalha com transporte. Entretanto, até este combustível foi afetado pela inflação. Na metade de agosto, a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) anunciou aumento nos preços, com um reajuste de R$ 0,24 no preço do metro cúbico — valor sem impostos.
— Há pouco dias, subiu cerca de R$ 0,50 o valor do metro cúbico onde costumo abastecer — pontua Cláudio.
Mas, além do GNV, para manter o negócio viável, Cláudio também tem aumentado o expediente. Agora, são cerca de 10 horas por dia guiando pela Capital e Região Metropolitana — uma média de 250 quilômetros rodados a cada dia de trabalho. Ele diz que nas últimas semanas, com a redução no número de motoristas, as requisições por corridas aumentaram.
— A gente vai se adaptando, faz uma hora a mais por dia quando vê que o movimento está bom ou quando falta para fechar a meta diária.
Empresas buscam alternativas
Atualmente, duas empresas são maioria entre quem utiliza aplicativos para o transporte de passageiros: 99 e Uber. A reportagem entrou em contato com as companhias para entender as medidas que estão sendo tomadas diante da crise no setor.
A 99, em nota, afirma que "busca equilibrar a oferta e a demanda para promover melhor eficiência para os seus usuários, sejam passageiros ou motoristas parceiros". Por isso, a empresa "garantiu mais de R$ 3,1 milhões em desconto nos postos da rede Shell em todo o país, por meio do aplicativo ShellBox usando o Cartão99". Também foi lançado recentemente um pacote de benefícios para reduzir custos e aumentar o repasse aos motoristas parceiros, como a chamada tarifa zero, que em dias e horas específicas vai repassar todo valor da corrida ao motorista.
A 99 também também afirma que desde o início da pandemia vem observando um aumento do volume de pedidos na plataforma pela população da classe C, afetada em cheio pela pandemia e com a possibilidade de home-office bem distante.
A Uber, por sua vez, nega que o número de motoristas tenha caído. Isso porque a empresa "opera um sistema de intermediação de viagens dinâmico e flexível", com motoristas podendo fazer as jornadas em dias e horários não continuados. Em nota, a empresa afirma que "vem acompanhando os aumentos de preço dos combustíveis nos últimos meses, entende a insatisfação causada pelos seus impactos em todo o setor produtivo e, por isso, tem intensificado esforços para ajudar os motoristas parceiros a reduzirem seus gastos".
Capital
Sobre a relação entre motoristas disponíveis e passageiros, a empresa alerta que "conforme o avanço da campanha de vacinação e a reabertura progressiva de atividades comerciais pelas autoridades segue, aumenta o número de usuário e os ganhos de quem dirige com o app da Uber". Em Porto Alegre, por exemplo, a Uber informa que "os parceiros que dirigiram por volta de 40 horas ganharam, em média, de R$ 1.200 a R$ 1.300 na semana. Em um mês, significa que os motoristas estão com média de ganhos superior à média salarial de várias profissões no país".
Ambas companhias não comentaram a possibilidade de aumentar a taxa de repasse feita aos chamados "parceiros". A principal demanda da categoria ainda parece distante de resolução.