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Quando a pandemia de covid-19 acabará no Brasil e o uso de máscaras será suspenso? Especialistas opinam 

Sem surpresas causadas pela Delta, uso do acessório em locais públicos poderia perder obrigatoriedade ainda neste ano, cogitam analistas

28/09/2021 - 08h34min

Atualizada em: 28/09/2021 - 08h37min


Marcel Hartmann
Marcel Hartmann
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Ricardo Wolffenbüttel / Agencia RBS

Com grande número de infectados ao longo do ano, avanço da vacinação e queda no número de hospitalizados e vítimas da covid-19, cada vez mais especialistas entendem que o pior da pandemia no Brasil pode já ter passado – a ponto de o abandono do uso de máscaras ser cogitado até mesmo para o fim deste ano, desde que a população mantenha cuidados e governos assegurem retomada gradual das atividades.

Apesar de barulhento, o movimento antivacina é mais fraco no Brasil do que em outros países – por aqui, a população vem aderindo bem à campanha, destacam especialistas. Até esta segunda-feira (27), 68% de todos os habitantes do país receberam a primeira dose e 41%, duas. 

Cinco especialistas ouvidos por GZH destacam que é difícil cravar quando ocorrerá o fim da pandemia no Brasil – é preciso observar nas próximas semanas se a Delta de fato não causará nova onda, o que felizmente ainda não ocorreu. 

Mas, com cautela, a expectativa é de que o cenário se encaminhe, nos próximos meses, para o fim da epidemia e início de uma endemia – ou seja, a doença não seria erradicada, mas viveria entre nós em patamares mais brandos, como ocorre com a febre amarela ou a gripe H1N1.

Por enquanto, as estatísticas mostram que a pandemia está sendo controlada no Brasil, mostra análise da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Há mais de 10 semanas, o número de casos, hospitalizações e mortes por coronavírus está em queda consistente, segundo o mais recente Boletim InfoGripe, divulgado na sexta-feira (24). 

— O fato de termos tido uma catástrofe em março, combinada com a vacinação, explica não observarmos, até o momento, as expectativas levantadas sobre impactos da Delta. Acredito que, entre o fim deste ano e o início do ano que vem, saiamos de uma situação pandêmica. Acho muito pouco provável um grande revés, o que não significa que não haja revezes regionais. Estados com baixa cobertura vacinal estão mais suscetíveis a ter nova onda, além das políticas estaduais (de liberação) — analisa Margareth Portela, pesquisadora do Observatório Covid-19 Fiocruz.

Por essa lógica, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná estariam mais beneficiados por liderarem, nesta ordem, a cobertura vacinal em duas doses, segundo dados do Portal Covid-19 no Brasil. Isso desde que governos promovam aberturas controladas e os brasileiros, naturalmente, cuidem-se.

No Rio Grande do Sul, 74% dos gaúchos receberam a primeira dose e 47%, duas, conforme a Secretaria de Estado da Saúde (SES-RS). Em Porto Alegre, a cobertura é ainda maior: 76,4% dos habitantes receberam uma injeção e 52,8%, duas — não fosse a Delta, a capital gaúcha já chegaria próximo à imunidade coletiva.

Sem piora da pandemia, o uso de máscaras ao ar livre poderia ser suspenso entre novembro e dezembro, cogita o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). 

— A pandemia vai acabar na virada do ano no Brasil. O percentual da população brasileira que se vacina é muito alto. A gente deve parar de usar máscara em ambiente aberto entre novembro e dezembro e parar de usar máscara para valer entre fevereiro e março do ano que vem. No ano que vem, devemos ter Carnaval, jogo com torcida, escola e universidade com público e show de música. Será parecido com antes da pandemia — diz o epidemiologista. 

Adota outra visão o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, segundo o qual ainda não há elementos para assegurar que a pandemia já está no fim. Ainda assim, ele diz que, se a tendência atual se manter, o uso de máscaras poderá ser repensado neste ano. 

— Precisamos de mais algumas semanas para entender o comportamento dessa variante e saber se continuaremos com essa tendência decrescente ou se haverá repique. É possível que um repique não seja tão intenso quanto o observado em março e abril em função de as pessoas estarem vacinadas e em contato com a Delta há meses. Antes do fim do ano deveremos ter a possibilidade de identificar se podemos tirar as máscaras. Tudo leva a crer que estamos indo nessa direção — diz. 

Exemplos de outros países mostram necessidade de prudência

Exige-se prudência para mudança em protocolos porque a experiência de países como Israel, Estados Unidos e Reino Unido mostra que suspender o uso de máscaras e permitir grandes aglomerações com cobertura vacinal nos atuais patamares do Brasil resultou em nova curva epidêmica. 

Quando Israel liberou o uso de máscara e passou a permitir maior circulação de pessoas, mais da metade da população ganhara duas doses. Nos Estados Unidos, a mesma medida ocorreu quando 46% dos habitantes haviam tomado a primeira dose e 35%, a segunda.

Há, ainda, um obstáculo jurídico para a retirada da obrigatoriedade de máscaras: a lei federal que obriga portar o acessório em locais públicos, pontua Bruno Naundorf, coordenador do grupo de trabalho de protocolos do governo do Rio Grande do Sul. 

— É lei federal. Mesmo que a gente quisesse fazer a retirada, não poderíamos. O segundo ponto é que a máscara é um item de segurança. Qual a melhor opção, ambiente aberto com testagem? Ambiente aberto sem testagem e uso de máscara? Países que tiraram máscaras voltaram atrás. Nós estamos avaliando. Não temos posição final — diz. 

Novas variantes?

A possibilidade de surgimento de novas variantes em outros países alimenta o receio de que a pandemia possa não acabar tão cedo. Não há como prever se isso pode acontecer, mas o virologista Paulo Rohe, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que a tendência natural é de que novas variantes, caso sejam letais, não se popularizem. 

— Matar o hospedeiro não é benéfico para o vírus. Cada vez que mata o hospedeiro, ele acaba a possibilidade de se replicar. Pode surgir uma variante mais letal, mas a tendência é que ela não seja predominante porque, se matar cada hospedeiro, a variante vai ser naturalmente eliminada. No momento, as vacinas que usamos têm se mostrado suficientes para controlar a infecção com as variantes atuais — reflete o virologista. 

Possível piora?

Dados desta segunda-feira (27) do Ministério da Saúde mostram que o Rio Grande do Sul chegou, no domingo (26), ao quarto dia consecutivo de aumento na média móvel de novas mortes, algo que não ocorria desde a metade de junho. A média é de 21,3 óbitos por dia, 15% acima do que duas semanas atrás. O indicador, ainda assim, é muito abaixo do ápice da epidemia gaúcha, quando a média móvel era de mais de 300 vítimas diárias para a covid-19. 

Diferentes especialistas e o governo do Estado entendem que os dados são recentes e ainda não é possível apontar piora da epidemia em solo gaúcho. Hoje, o Rio Grande do Sul vive estabilidade em baixos patamares, afirma Bruno Naundorf, também diretor de Auditoria do Sistema Único de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde. Ele diz que não há sinais de piora da epidemia.

— A gente não identifica aumento significativo de mortes. Em todas as regiões do Estado, há estabilização. Estamos em situação muito melhor do que estivemos. Agosto teve 770 mortes. Só houve menos em junho de 2020, com 440. E, em setembro, até o momento estamos com 446 mortes, quase o quantitativo de junho de 2020. Isso vai continuar? Pode acontecer de surgirem novas cepas? Não sabemos, pode ser. Mas o Rio Grande do Sul tem uma cobertura vacinal muito boa: 60% da população adulta tem duas doses — diz.  

O pequeno crescimento na média móvel de mortes no Rio Grande do Sul pode ser efeito de surtos em hospitais e asilos, diz Suzi Camey, professora de Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini. Ela compara o cenário gaúcho ao da Alemanha para sinalizar que desfecho gaúcho pode ser positivo. 

— Existe intervalo de 120 dias depois da entrada da Delta em que ela começa a causar aumento de hospitalizações e mortes. Isso pode acontecer aqui no Rio Grande do Sul entre fim de setembro e outubro. Na Alemanha, que não abandonou o uso de máscaras, a curva começou a crescer de forma lenta e não forte. Essa é a nossa expectativa para aqui. Não há nada que sinalize que passaremos pelo que vive os Estados Unidos porque lá houve abandono total de protocolos e alguns Estados têm nível de vacinação muito baixo. Não temos nenhuma das situações, então não temos por que achar que o número de casos crescerá absurdamente — diz Camey. 

Dada a cobertura vacinal e o grande número de pessoas já infectadas, o epidemiologista Pedro Hallal afirma que, se existir, uma eventual piora da epidemia será muito mais branda do que nos meses anteriores. 

— Não veremos aumento grande no número de casos. Teremos aumentos pequeninhos. Um grande número de vacinados é recente, o que faz a imunidade esteja lá em cima logo nesse momento preocupante da Delta — analisa.

A pesquisadora Margaret, da Fiocruz, compartilha da mesma visão: 

— Me preocupo com réveillon em Copacabana, acho que ainda não dá. Mas, aos poucos, temos que voltar à vida em uma normalidade de forma paulatina, com limitação de pessoas, exigência de passaporte vacinal e distanciamento mínima em restaurantes e cinemas. Provavelmente vamos conviver com a covid, mas com circulação menor, o que não nos livra de surtos — acrescenta. 



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