Ano novo, vida nova
Brasileiros escolhem "esperança" como a palavra para 2022
Especialistas em saúde mental ouvidos por GZH falam sobre a importância do termo
Os brasileiros querem ser mais otimistas em 2022. Pelo menos, este é o resultado do levantamento feito pela Consultoria Cause e pelo Instituto de Pesquisa Ideia, que ainda apontou "vacina" como o termo de 2021. Dos 1,2 mil entrevistados entre 6 e 9 de dezembro, 17% escolheram "esperança" a palavra para o próximo ano, seguida de "saúde" (10%) e "recomeçar" (7%). Para especialistas em saúde mental consultados por GZH, mais do que a expectativa condicional de ocorrer algo bom, é preciso também agir para a roda da vida seguir girando.
"Esperança" tem sido uma palavra recorrente entre os brasileiros desde a primeira pesquisa, realizada em 2017, segundo o economista Maurício Moura, fundador do Instituto de Pesquisa Ideia e professor da Universidade George Washington. Somente entre 2018 e 2019, "mudança" foi o termo mais lembrado — na mesma pesquisa, realizada sempre em dezembro, se pergunta pela palavra do ano que passou e pelo termo do período que virá.
— Na verdade, esperança é um sentimento do brasileiro. É bastante particular da opinião pública brasileira a sensação de que o futuro será melhor do que o presente. Na América Latina, em geral, a questão da expectativa do futuro é recorrente. Ao contrário da Europa, onde essa visão é mais pragmática e as pessoas não esperam um futuro melhor do que o presente — destaca Moura, apostando em "inflação" como a palavra de 2022.
Para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a seleção de um termo que defina o ano permite às pessoas conversarem sobre o futuro, se reconhecendo numa mesma palavra. Porém, ele ressalta a ambiguidade existente na escolha dos brasileiros.
— "Esperança" é um termo ambíguo e pode remeter ao esperançar, expressão de Paulo Freire para designar um tipo de desejo, ou designar um tipo de espera, de expectativa condicional para que algo aconteça e, só então, possamos agir em conformidade com o nosso desejo — ressalta.
Ainda assim, Dunker considera necessário ter esperança, expectativa, desejos ou, de uma maneira mais abrangente, a chamada perspectivação do futuro.
Mas há os que desaprovam por completo a palavra como um termo positivo. Em artigo relacionado ao novo ano e publicado no Brazil Journal, o estrategista de comunicação e embaixador global da Unesco, Nizan Guanaes, fez questão de escrever sobre a desesperança, por não acreditar que o contrário dela seja capaz de mudar algo nos rumos da humanidade.
Nas palavras de Guanaes, a esperança leva o ser humano a "terceirizar soluções que o mundo precisa urgentemente". A provocação de Guanaes gerou uma onda de compartilhamento do texto nos meios empresariais.
O psiquiatra Nélio Tombini, diretor da clínica Psicobreve, também segue na linha de pensamento de Guanaes.
— Vejo a esperança como uma certa passividade diante da vida, e isso é muito da nossa cultura. Quando falamos esperança, é como uma espera de que algo vai ocorrer. Alguém ou algo fará algo para mim. O melhor seria se as pessoas dissessem "em 2022 farei de tudo para que a minha vida possa ser melhor", "espero me cuidar, não que alguém faça por mim" — argumenta.
Assim como Dunker, Tombini lembra do educador e filósofo Paulo Freire e do verbo esperançar, que, para ele, poderia ser pensado para o próximo ano.
Em sua obra Pedagogia da Esperança (1992), Freire, patrono da educação brasileira, cita que "… É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo".
Razão para ser símbolo de 2022
Psicanalista e escritor, Mario Corso faz questão de dizer que gosta da palavra esperança e salienta que os brasileiros têm razão em pensar nela como símbolo para 2022 depois de quase dois anos depressivos, como ele mesmo define.
— A vontade de viver se mistura com o que seja esperança, na falta de um conceito melhor. Não brigaria com essa palavra. A pandemia transformou a vida em algo difícil. Foram dois anos em que perdemos pessoas, empregos, negócios, amores, vínculos, empobrecemos no sentido econômico e nos laços de situações que não vivemos, encontros que não tivemos e festas que não aconteceram. Então, quando não temos nada, nos agarramos nessa força vital chamada esperança — afirma Corso.
Mesma perspectiva tem o psicólogo Fernando Elias José, especialista em psicologia cognitivo-comportamental. Para ele, esperança traz estímulo e perspectiva à vida, mas não pode ser de forma passiva.
— A esperança é capaz, sim, de mover o ser humano. Mas o indivíduo precisa agir, sem ficar esperando acontecer — completa.
A marca do povo brasileiro é a esperança, resume a psicóloga Samantha Sittart, especialista em psicoterapia psicanalítica e membro do grupo de pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental (GPESM-CNPq).
— Neste finalzinho de ano, acompanhei uma fala recorrente dos pacientes: "Espero que em breve possamos nos ver de novo sem as máscaras! Não vejo a hora!". Isso já demonstra um sopro de esperança de dias melhores, de um amanhã que possamos vislumbrar a nossa maior riqueza, que é a nossa liberdade — argumenta.
Tanto Corso quanto Samantha fazem questão de alertar sobre a importância de se ter esperança, mas sem viver apenas de planos e promessas.
— A esperança não é enganosa. Enganoso é o discurso que se usa disfarçado de esperança para construir uma promessa — destaca Corso.
— Precisamos nos responsabilizar por nossas atitudes, e não apenas terceirizar ao outro, ao próximo, ao adversário político, a Deus e ao Universo. Precisamos ser pessoas responsáveis por nossas atitudes — completa Samantha.
Questionados sobre qual palavra gostariam de destacar para 2022, Corso foi o único a citar "esperança". Dunker e Tombini reforçaram "esperançar". O psiquiatra gaúcho ainda citou "saúde", principalmente relacionada à busca pela saúde mental. Elias José escolheu "fé", não ligada à religião, mas sugerindo que as pessoas voltem a acreditar na vida de uma forma geral. E Samantha lembrou de "amor", defendendo ser este o ponto de partida para nos tornarmos pessoas mais respeitosas e tolerantes às diferenças: amar a si mesmo para amar o próximo.
Anualmente, a Consultoria Cause e o Instituto de Pesquisa Ideia realizam a pesquisa sobre a palavra do ano vigente e a palavra para o ano seguinte. Abaixo, confira as escolhas:
As palavras para o ano seguinte, escolhidas no final do ano anterior
- 2022: esperança
- 2021: esperança
- 2020: esperança
- 2019: mudança
- 2018: esperança
As palavras escolhidas no final do ano vigente
- 2021: vacina
- 2020: luto
- 2019: dificuldades
- 2018: mudança
- 2017: corrupção
Fonte: pesquisas anuais da Consultoria Cause e o Instituto de Pesquisa Ideia