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Muito além da tradução

Imigrantes são contratados para intermediar consultas na rede pública de saúde da Capital  

Haitianos e senegaleses atuam como mediadores interculturais, auxiliando tanto pacientes quanto profissionais da saúde.

02/12/2021 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Félix Zucco / Agencia RBS
Os haitianos Jean e Youdeline

Uma das barreiras mais significativas para que duas pessoas possam se comunicar é o idioma. Um não entender o que o outro quer dizer impede que situações básicas sejam resolvidas – imagine, então, questões de saúde. Foi pensando em resolver esse impasse que a Coordenadoria de Saúde do Imigrante, órgão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), contratou mediadores interculturais para atuar na atenção básica e em hospitais de Porto Alegre.

O projeto tomou forma no início de novembro, com a contratação de Jean Junior Thevenin, 33 anos, e Youdeline Obas, 36 anos, ambos imigrantes haitianos. Pouco tempo depois, conforme Rita Butes, coordenadora da área de Saúde do Imigrante, mais uma pessoa ainda veio para integrar a equipe, a senegalesa Absa Wade, 35 anos.

– Em Porto Alegre, temos muitos imigrantes haitianos, senegaleses e venezuelanos. O espanhol dos venezuelanos é o mais fácil de ser compreendido – explica Rita, justificando as primeiras contratações da coordenadoria.

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Para imigrantes haitianos, a língua mais utilizada é crioulo haitiano, ou créole, como explica Jean, um dos mediadores contratados pela SMS. Há cinco anos no Brasil, Jean é professor de idiomas por formação, domina o português, francês e inglês, além de sua língua nativa. Na Capital, chegou a dar aulas particulares de idiomas e a atuar voluntariamente em outras ações com imigrantes. Um conhecido indicou a oportunidade como intermediador cultural e ele adorou a ideia.

– Achei muito legal e eu também já tenho experiência com intermediação voluntária na própria área da saúde – conta ele, que vive no bairro Jardim Leopoldina, na Zona Norte.

Para Youdeline, a mediação é uma oportunidade de atuar bem próximo da sua área de formação. Há três anos no Brasil, ela saiu do Haiti em 2005 para estudar Enfermagem na República Dominicana. Formada, voltou ao país de origem e depois morou no Chile, antes de se estabelecer no RS, onde o marido já vivia. Morando na zona sul da Capital, Youdeline atua voluntariamente na campanha de vacinação contra a covid-19. Foi neste espaço que soube da criação dos mediadores.

– Eu não sei nem como explicar minha felicidade. Não tinha como pôr em prática minha formação em Enfermagem aqui, estou iniciando o processo para regularizar isso. E só de poder trabalhar mais próximo dessa área já vai ser muito bom – comemora ela.

Linha telefônica à disposição

O auxílio dos imigrantes tem vários caminhos. A SMS forneceu dois celulares com linha telefônica e internet móvel à disposição. Profissionais da atenção básica e de hospitais municipais podem fazer contato direto com Jean, Youdeline e outros por estes telefones. Além de esclarecer dúvidas pontuais de atendimento, eles podem ser requisitados para participar de consultas pré-agendadas ou até atendimentos em emergências.

– Com os telefones, podemos participar de forma remota dos atendimentos, por videochamada. Isso agiliza bastante o processo – conta Youdeline.

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O trabalho para incentivar que imigrantes sigam se vacinando também está sendo feito. Cartazes que explicam o serviço estão sendo afixados em postos de saúde e hospitais da cidade. No material, a divulgação está em português, mas também na língua nativa haitiana.

– Esse trabalho deixa os imigrantes mais confiantes em buscar ajuda. Eles sabem que vão chegar no local e vai ter alguém que entende o que eles estão passando – diz Jean.

No primeiro mês de atuação, ainda sem divulgação extensiva do serviço, foram realizados mais de 50 atendimentos, que incluem confecção de cartões do SUS, auxílio em ações de vacinação e acompanhamento de pacientes.

Mais que uma simples tradução

Um ponto que a coordenadora da área de Saúde do Imigrante ressalta é que o trabalho dos mediadores é muito mais do que só traduzir a conversa entre médico e paciente. São culturas e vivências diferentes. Uma medicação comum no Brasil pode ser desconhecida para alguém de outro país, assim como um tratamento comum na cultura daquele paciente pode ser algo incomum no SUS

– É alguém que entende as vivências daquele que procurou atendimento e pode explicar de uma maneira que o profissional de saúde entenda. Do mesmo jeito o caminho inverso, quando o médico precisar da mediação para se fazer claro – diz Rita.

Saiba mais
 

- A prefeitura encaminhou aos profissionais da rede de atenção básica os contatos do mediadores interculturais.

- Para imigrantes que precisam de atendimento, o contato pode ser feito pelo e-mail saudedoimigrante.sms@gmail.com ou pelo telefone (51) 3289-2894.



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