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As razões que pressionam o preço do ônibus para mais de R$ 6 em Porto Alegre e o que pode ser feito para aliviar a conta

Medidas recentes para reduzir a tarifa só terão impacto integral no médio prazo, o que aumenta importância de alguma forma de subsídio para segurar aumento

03/02/2022 - 08h21min

Atualizada em: 03/02/2022 - 08h24min


Marcelo Gonzatto
Marcelo Gonzatto
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André Ávila / Agencia RBS
Novo valor da tarifa deverá ser definido nas próximas semanas

O novo preço da passagem de ônibus ainda está sob estudo em Porto Alegre, mas dificilmente ficará no limite de R$ 6, como promete o prefeito Sebastião Melo, se o município não oferecer algum tipo de suporte financeiro ao cambaleante sistema de transporte público. 

Uma das razões para isso é que o impacto de fatores que elevam os custos é imediato, como a reposição salarial dos rodoviários e a disparada no preço dos combustíveis, mas medidas recentes capazes de aliviar as contas, como redução de isenções e extinção de cobradores, só terão efeito integral em prazo mais longo. 

Outro motivo para o possível salto no preço das viagens é o fato de que o valor atual já está abaixo do que foi calculado como tarifa técnica no ano passado (o necessário para custear todo o sistema sem necessidade de aportes extras). Em vez dos R$ 5,20 aprovados pelo Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu), a prefeitura determinou o valor atual de R$ 4,80 e, por conta do impacto da pandemia, aplicou R$ 39,3 milhões como subsídio ao longo de um ano, contrariando uma antiga política de não financiar diretamente o setor. 

Além disso, dois fatores com efeito imediato puxam o valor ainda mais para cima: a reposição salarial de 10% dos rodoviários, que não tinham qualquer aumento havia dois anos, e o salto de quase 50% no valor dos combustíveis nos últimos meses.

Conforme o engenheiro de Transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), Antônio Augusto Lovatto, somente essas duas rubricas geram uma pressão de cerca de R$ 0,80 sobre o novo valor a ser calculado e contribuem para elevar a tarifa estimada pelas empresas a R$ 6,65.

O cálculo final a ser oficializado pela prefeitura, e que pode confirmar ou não essa cifra, também leva em conta fatores como desgaste da frota, despesas administrativas e outros itens (veja a composição atual no gráfico abaixo), mas em menor grau de relevância.

No sentido oposto, medidas adotadas recentemente para frear a tarifa têm efeito apenas parcial ou ainda não trazem o benefício esperado. A extinção da função de cobrador, por exemplo, poderia retirar cerca de R$ 0,90 do valor do bilhete, segundo a ATP, mas a decisão de estender esse processo por quatro anos reduz o impacto atual para cerca de R$ 0,20.

Outras ações aprovadas há pouco tempo pela Câmara Municipal, como a privatização da Carris, por ainda não ter se concretizado, também não permite que parte dos recursos destinados hoje pelo município para cobrir a empresa seja redirecionada.

— No ano passado, o sistema privado, que transporta oito de cada 10 passageiros, contou com quase R$ 40 milhões de subsídio. A Carris recebeu R$ 75 milhões — compara Lovatto. 

A retirada de isenções, que poderia aliviar a conta em mais R$ 0,25, também não gera resultado integral no momento. Uma das mudanças com maior potencial é a que determina pagamento por uma parcela dos estudantes: esse público poderia aportar novos recursos à rede de transporte, mas o movimento ainda está muito abaixo do que era antes da pandemia. Conforme a ATP, menos de 10% desses usuários voltaram a pegar ônibus, em comparação ao período pré-coronavírus: dos 19 milhões de passageiros nessa categoria até a chegada da covid-19, 1,8 milhão voltaram a girar as roletas. 

Esse cenário leva especialistas a considerar que será preciso injetar recursos públicos para que a passagem não fique acima de R$ 6, além de seguir adotando medidas estruturais de mais longo prazo. Para a mestre em Sistemas de Transporte e professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Nívea Oppermann, carimbar o valor do bilhete em um patamar muito elevado seria “um desastre completo” por afugentar ainda mais os passageiros.

Isso agrava ainda mais o cenário atual porque, quanto menos usuários existem, maior é o preço a ser pago individualmente pela fórmula que divide o custo total das operações pela quantidade de pagantes. Mesmo antes da pandemia, esse número já vinha despencando – caiu de 301,2 milhões de usuários transportados em 2015 para 233,6 milhões em 2019, por exemplo (recuo de 22%).

— É preciso trazer recursos para o sistema, além de reduzir os custos. Já tiraram isenções, mas tem de trazer mais dinheiro para dentro do sistema, que pode ser por cobrança de estacionamento (nas ruas da cidade), por uso de aplicativos (de transporte), há várias possibilidades — sustenta Nívea, lembrando que poderiam ser adotadas ainda medidas complementares de mais longo prazo, como estabelecimento de metas mais objetivas de produtividade e eficiência a serem atendidas pelas empresas. 

Por meio de nota, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informa que “no momento, a prefeitura está analisando o impacto das medidas já aprovadas, assim como novas alternativas, para reduzir os custos da tarifa”.

A conclusão da análise estava prevista para o final de janeiro, mas foi estendida. O prefeito Sebastião Melo tenta obter apoio de recursos federais, que poderiam ser destinados a várias cidades do país, para ajudar a segurar o preço dos bilhetes.

Solução mais definitiva exige pacote de medidas

A vantagem da concessão de subsídio para o transporte público, ferramenta já utilizada de forma tradicional em outras capitais, como São Paulo, é que tem efeito imediato e integral sobre o cálculo da tarifa. O ponto negativo é que pode mascarar deficiências estruturais do sistema de transporte, como falta de eficiência, má qualidade do serviço ou problemas de planejamento. Por isso, Nívea Oppermann defende a adoção de um conjunto de medidas diferentes e complementares, desde a limitação a isenções até, em maior escala, ao planejamento da cidade. 

— Se eu estimulo a construção de condomínios em áreas bastante afastadas, isso vai gerar uma demanda maior por linhas de longa distância e maior custo — exemplifica a professora da Unisinos.

Conforme GZH mostrou em reportagem publicada em setembro do ano passado, a cidade paranaense de Araucária vem chamando atenção no país ao aplicar um conjunto de ações que reduziu o preço da passagem de R$ 4,25 para o atual R$ 1,70. 

O pacote no município de 146 mil moradores incluiu revisão dos contratos com as empresas, redesenho da malha com redução do número de linhas operadas por cada empresa, concessão de subsídios e melhorias destinadas a ampliar o número de usuários, como oferta de sinal gratuito de wi-fi nos veículos e renovação da frota. Dados atualizados indicam que a quantidade de passageiros transportados disparou 60% nos últimos quatro anos graças a essas mudanças. 

— Não há solução mágica. Teremos de fazer uma composição entre diferentes fatores e ir resolvendo o problema aos poucos — completa Nívea Oppermann.

Caminhos para reduzir o valor da passagem

  • Subsídio próprio – Algumas prefeituras colocam recursos próprios para cobrir parte dos custos do sistema de transporte. Em razão da pandemia, Porto Alegre destinou R$ 39,3 milhões para subsidiar tarifas em um ano. A cidade de Araucária, no Paraná (146 mil habitantes), conseguiu reduzir o preço das viagens para R$ 1,70 por meio de uma série de ações que incluem revisões de contrato e, também, subsídios, que chegaram a R$ 36,9 milhões em 2021. 
  • Subsídios estaduais ou federais – Outras possibilidades incluem que outros níveis da federação, como Estados ou União, abram mão de algum tributo em relação ao transporte público ou injetem recursos. Uma das possibilidades seria que o governo federal criasse uma política nacional nesse sentido. O prefeito da Capital, Sebastião Melo, tem expectativa de que o governo federal repasse R$ 5 bilhões a prefeituras para auxiliar a financiar o transporte público. 
  • Outras fontes de receita – Entre as ideias cogitadas para baratear a tarifa está a busca por outras fontes específicas de recursos que ajudem a sustentar o sistema, como, por exemplo, taxas por estacionamento, uso de aplicativos de transportes, entre outras possibilidades. Em Porto Alegre, a prefeitura cogita ampliar a cobrança da Área Azul e destinar valores ao sistema de ônibus. 
  • Planejamento e agilidade – Quanto maior a agilidade com que os ônibus circulam, mais eficiente é o sistema. Um bom fluxo no trânsito permite que as linhas sejam atendidas por um número menor de veículos, o que exige menos pessoal e barateia a tarifa. Para isso, é importante planejar bem as linhas e privilegiar estratégias como faixas exclusivas – o que a cidade vem fazendo. Mas ainda é possível ganhar mais fluidez reduzindo o tempo de embarque por meio de alternativas como as adotadas em cidades como Curitiba, em que o passageiro embarca rapidamente por meio de cobrança facilitada. 
  • Cobradores – A extinção da figura do cobrador, embora polêmica pela perda de postos de trabalho, representaria uma redução de cerca de R$ 0,90 no valor da próxima tarifa na Capital. Conforme a ATP, como a cidade optou por fazer um processo gradual, em um primeiro momento o impacto ficará restrito a cerca de R$ 0,20 a menos no preço. A extinção dos cobradores deverá se estender ao longo de quatro anos. As primeiras linhas sob esse novo modelo devem começar a circular nas próximas semanas. 
  • Isenções – A Capital também já iniciou um processo de redução no nível de isenções. Porém, algumas das medidas, como o pagamento de parte da passagem por uma fração dos estudantes, ainda não traz todo o benefício possível em razão da queda significativa de demanda provocada pela pandemia. No momento, houve uma recuperação de apenas 10% da demanda dessa categoria de usuário. 
  • Mais pagantes – Se uma cidade consegue atrair mais passageiros, por meio de um conjunto integrado de ações que combinem preço, confiabilidade do sistema e conforto, o custo do transporte é dividido por um denominador muito maior de usuários. Como resultado, o valor da tarifa unitária cai naturalmente. Segundo a ATP, até o momento, a Capital conseguiu atrair de volta pouco mais de 60% das pessoas que usavam ônibus até antes da pandemia.

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