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Após ter história contada no DG, Gerson realiza o sonho de voltar a sorrir 

A resolução de Ano Novo do morador de Gravataí era realizar um tratamento odontológico. Uma clínica de Alvorada se propôs a tornar a ideia uma realidade

14/03/2022 - 10h48min

Atualizada em: 08/12/2022 - 17h20min


Mateus Bruxel / Agencia RBS
Equipe fez questão de estar reunida no dia da colocação das próteses

Ansiedade, alegria, gratidão e otimismo. Esses foram alguns dos sentimentos que antecederam o momento em que o auxiliar de serviços gerais Gerson Fabiano Pacheco, 43 anos, realizou o sonho de voltar a sorrir, no dia 4 de março. 

Naquela manhã de sexta-feira, ele acordou às 5h. Geralmente, quando é dia de consulta odontológica, fica tão apreensivo que acorda cedo e perde o sono. Diferentemente de todas as outras consultas, desta vez, ele se atrasou. Justamente no dia de receber as próteses dentárias, após três meses de tratamento, um imprevisto no trânsito fez com que ele chegasse mais tarde. Mas todos esses sentimentos não foram exclusivos de Gerson.

No centro de Viamão, o dia também começou cedo para a dentista Caroline Geremias, 29 anos. Havia algumas semanas que ela estava ansiosa para que o paciente, finalmente, pudesse resolver seu problema – estético, mas também alimentar. Já a gestora da clínica Odonto Company, Marjorie Pocebon, 34 anos, e seu esposo, o administrador Fabio Penna, 36 anos, contam que praticamente não conseguiram dormir de quinta para sexta-feira. Os pensamentos eram tantos que foi difícil silenciá-los. A ansiedade dos quatro pode ser justificada: finalmente, quase uma década depois, Gerson estaria sorrindo novamente. 

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E, assim, com tantos sentimentos, eles se encontraram na recepção da clínica. Ao entrar, o auxiliar de serviços gerais esfregava as mãos contra a camisa de cima para baixo. O suor em suas mãos revelava a ansiedade pelo momento que se aproximava. No corredor que leva ao consultório, em uma parede branca, uma frase se destacava em letras pretas: “Sorriso é quando a felicidade transborda pelo rosto. É a curva mais bonita de um ser.”

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Caroline, dentista de Gerson, ficou emocionada ao ver o paciente ensaiar os primeiros sorrisos

Adaptação: mais uma etapa para a melhora da qualidade de vida

Até receber as próteses, Gerson passou por seis consultas. Para a parte superior, foi projetada uma prótese total (dentadura), e, para a inferior, uma prótese parcial, que é presa com grampos metálicos. Se fosse um tratamento pago,  precisaria investir cerca de R$ 4,1 mil.

Durante um período do processo, após as extrações, ele ficou alguns dias sem consumir qualquer alimento sólido. Essa parte, conta, foi bem complicada. Mas, a esperança de voltar a sorrir fez com que aguentasse firme. Gerson sabia que era parte do processo. Agora, com um sorrisão largo no rosto, entende que o tratamento não acaba por aqui. 

– A adaptação tem sido bem difícil. A mastigação está complicada, dolorida. Mas estou em contato com o pessoal da clínica. Eles me falaram que é normal – explica o auxiliar de serviços gerais, economizando na fala em função da adaptação. 

De acordo com Caroline, a prótese é feita exatamente com o formato da boca do paciente. Mesmo assim, precisa de ajustes. Principalmente quando se trata da prótese total, que é um dos tipos utilizados por ele. Ela é feita com um material mais espesso. Assim, é normal sentir um desconforto e uma dificuldade para falar. Por isso, é importante que o paciente treine a fala e a mordida. 

– Por não ser biologicamente dele, a prótese causa estranhamento. Alguns pacientes me dizem “não consigo mastigar com ela”. Agora é que você consegue, só precisa se acostumar – aconselha a dentista.  

O processo de adaptação é relativo e muda de paciente para paciente. Demora, em média, cerca de uma semana para começar a melhorar. Além disso, é comum provocar machucados em partes  da boca. Em uma consulta de acompanhamento, o profissional responsável poderá ajustar as próteses para que fiquem bem encaixadas. Assim como ocorre com outros pacientes, Caroline destaca que está sempre em contato com Gerson para avaliar todas as sensações:

– Mandamos mensagem continuamente para mostrar que ele está sempre amparado. Eu tenho certeza de que vai tirar isso de letra. É uma pessoa muito determinada.

Caroline explica que, geralmente, quando faz a prótese, mostra para o paciente a cada prova como está ficando. Essa prática serve para que a pessoa veja e analise se  está contente com o resultado. Mas, no caso de Gerson, ela explica que fez todas as provas sem que ele pudesse se ver no espelho. Assim, a surpresa foi ainda maior no dia da colocação.

– Para ele, foi uma surpresa total. Quando ele viu como tinha ficado, foi muito emocionante. Me disse: “Achei que agora eu ia parar de suar, mas fiquei ainda mais nervoso” – relembra Caroline.

Depois de receber as próteses, o auxiliar de serviços gerais ensaiou sorrisos na cadeira da dentista com um espelho em forma de dente nas mãos. Ensaiou também a pronúncia das palavras, como se falasse pela primeira vez.

Reprodução / Gilmar Fraga
Gerson ganhou uma arte feita pelo ilustrador Gilmar Fraga do Grupo RBS

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“Ele é um super herói da vida real”

Desde pequeno, Gerson é fã de super-heróis. Ele conta que aprendeu a ler com histórias em quadrinho. Um dos personagens mais admirados é Batman, o super-herói da cidade de Gotham. Assim como o morador de Gravataí, Batman enfrentou momentos bem complicados ao longo da vida. E Gerson faz questão de deixar bem evidente essa admiração:

– Para mim, ele representa força. 

 Segundo Fábio, um dos primeiros pontos de atenção ao ler a primeira reportagem com a história do auxiliar de serviços gerais foi a camiseta que vestia, com estampa do Batman. Mais tarde, quando entrou em contato com ele, pelo WhatsApp, o símbolo estava lá novamente. Durante a apresentação de Fabio sobre a história de Gerson aos sócios da Odonto Company, um deles disse: “Esse cara é um herói”. E, assim, Fabio teve a ideia de presentear o morador de Gravataí com uma ilustração que marcasse o momento de entrega das próteses. A arte foi feita pelo ilustrador Gilmar Fraga, do Grupo RBS, e saiu melhor do que Fabio imaginava:

– Eu também sou fã de super-heróis. Entrei em contato com o DG, falei sobre a nossa ideia e, em poucos dias, ficamos sabendo que seria possível que a ilustração fosse feita. Fiz questão de buscá-la, emoldurá-la e entregá-la de presente ao Gerson. Quando peguei o desenho, fiquei muito emocionado.

Marjorie afirma que o auxiliar de serviços gerais é um “super-herói da vida real”. Segundo ela, a história dele faz as pessoas enxergarem que, muitas vezes, reclamam por problemas pequenos: 

– A evolução dele foi o maior legado deixado para as pessoas que trabalham aqui. Ele mostrou que nada é impossível.

Será que vêm outros “Gerson” por aí? 

A ação de ajudar Gerson mobilizou várias pessoas que colaboram de alguma forma com a clínica odontológica. Fabio conta que o fornecedor dos materiais das próteses leu a história do auxiliar e fez um desconto para as próteses dele. Com uma rede inicial criada, a ideia da empresa é seguir ajudando pessoas que precisam de tratamento dentário. 

Para isso, Marjorie explica que buscam profissionais, como assistentes sociais e ONGs de Alvorada, que possam ajudá-los a identificar quem são essas pessoas.

–  A gente não quer simplesmente abrir a porta para pessoas que dizem que precisam e, depois, descobrir que não é verdade. Nossa ideia é localizar grupos que possibilitem que cheguemos a quem precisa. Vamos ajudar conforme nossas possibilidades – afirma.

– Criamos um ecossistema de solidariedade – explica Fabio. 

Segundo ele, desde as recepcionistas até os sócios, todos estavam empolgados com os avanços do tratamento de Gerson. A empresa também pensa em fazer ações em comunidades carentes de Alvorada.

Anselmo Cunha / Agência RBS
Gerson segue mobilizado para encontrar mais pessoas que queiram retomar os estudos

Mais perto da volta às aulas 

Gerson, que decidiu voltar a estudar em fevereiro passado, viu o retorno aos estudos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) condicionado a um número mínimo de alunos para começar uma turma na Escola Municipal de Ensino Fundamental Carlos Antônio Wilkens, em Gravataí. É preciso que 20 pessoas se matriculem. Desde então, ele tem mobilizado vizinhos e conhecidos para alcançar o número necessário. Até o momento, já são 18 pessoas inscritas. 

Além disso, o auxiliar de serviços gerais sonha em tirar a carteira de motorista, concluir os estudos e continuar a sorrir.

Félix Zucco / Agencia RBS
História foi contada pela primeira vez no dia 31 de dezembro de 2021

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Como tudo começou

A equipe da clínica odontológica de Alvorada conheceu a história do Gerson na véspera do Ano Novo, quando Fabio leu a história dele no DG e ficou curioso para conhecê-lo. Fábio e Marjorie costumam participar de projetos sociais e, por isso, sempre tiveram contato com pessoas em situação de rua. Logo nos primeiros dias do ano, o administrador apresentou a história de Gerson para os sócios da clínica com o objetivo de realizar uma ação social. Assim, a consulta de avaliação ocorreu no dia 7 de janeiro. 

– Ao ler a reportagem, vimos que ele tinha muita força de vontade. Já era um desejo nosso criar um projeto social na clínica – conta Fabio.

O primeiro encontro do morador de Gravataí com a equipe foi um momento de dúvidas. Marjorie lembra que ele chegou ao local um pouco ressabiado. Segundo a gestora, parecia desconfiado, sem acreditar que a ajuda viria sem nenhuma cobrança. Além disso,  acreditava que seu caso era tão crítico que não teria solução. Naquele dia, ocorreu uma avaliação, uma limpeza e um exame de raio-X. Depois, ele foi ficando mais tranquilo, o que fez com que todo o tratamento fluísse bem. 

Caroline lembra deste primeiro contato. Ela já havia conversado com outros profissionais da clínica sobre a vontade que tinha de se engajar em algum projeto social em que ela pudesse contribuir, utilizando-se da sua profissão. 

Quando soube da história de Gerson, imediatamente aceitou participar. Na clínica, há cinco dentistas. Cada um deles trabalha na função em que tem mais afinidade. Ela realizou cursos na área de cirurgia odontológica e próteses, por isso, poderia suprir todos os atendimentos necessários no caso de Gerson, desde a extração até as próteses:

– Tenho outros colegas que também poderiam auxiliá-lo. Mas o fato de ter sido convidada foi muito significativo para mim. Foi realmente um reconhecimento por parte do pessoal da clínica.

Fabio, Marjorie e Caroline não titubeiam quando perguntados sobre a experiência de atender Gerson: contam que, por mais que pareça que eles ajudaram, foram eles os ajudados. A equipe pretende seguir em contato com o auxiliar de serviços gerais. Além disso, garante que todo apoio será dado até que ele se sinta totalmente confortável com o novo sorriso.

Produção: Kênia Fialho
Colaboração: Mateus Bruxel
Edição: Cáren Cecília Baldo


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