Investigação
Como funcionaria o direcionamento de contratos em Canoas, segundo o MP
Empresários ligados à terceirização de serviços são suspeitos de aliciar prefeito e secretários, que foram afastados do cargo
O direcionamento na terceirização de serviços é a chave para as suspeitas de irregularidades em contratos que levaram ao afastamento do prefeito Jairo Jorge em Canoas, apontam investigações do Ministério Público estadual. Conforme as apurações, antes mesmo de se eleger, o político canoense teria se encontrado com um grupo de empresários de São Paulo e acertado que eles seriam contratados para gerenciar atendimentos da prefeitura nas áreas de saúde, limpeza e copeiragem de lancherias em estabelecimentos municipais. Sem licitação, de forma emergencial.
Em contrapartida pelo suposto favorecimento ao grupo empresarial, o prefeito e alguns secretários são suspeitos de receber propina. Conforme as investigações do MP, Jairo Jorge teria se encontrado pessoalmente com o grupo de empresários em setembro de 2020 (antes do pleito daquele ano) em um restaurante em um shopping, em São Paulo.
Estavam presentes um deputado federal — que também atua como lobista, segundo os promotores de Justiça — e empresários dos ramos de saúde e limpeza. Ali teria sido acertado, por exemplo, que o Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Aceni) seria contratado sem licitação para administrar o Hospital de Pronto Socorro Prefeito Dr. Marcos Antonio Ronchetti, de Canoas. Essa organização social (OS, em tese sem fins lucrativos) atua em São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
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A Aceni recebe da prefeitura canoense R$ 8,5 milhões mensais para administrar o hospital. Um dos que teria se encontrado com o prefeito, personagem de destaque na investigação, é um empresário apontado pelo MP como o verdadeiro dono da Aceni. Ele ou pessoas de suas relações estariam por trás de contratos em diversos setores, inclusive de limpeza e copeiragem. Ele é ligado ao ramo de transportes por vans (perueiro) em São Paulo e também teria envolvimento com uma empresa contratada para limpar prédios da prefeitura, a GMS, logo que Jairo Jorge assumiu.
Foi esse contrato com a GMS que motivou a investigação do MP. Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) questionou a contratação. No processo de dispensa de licitação, cinco orçamentos foram reunidos. O de preço mais barato foi desclassificado. Outros dois, anotaram os auditores, eram de empresas de São Paulo que trabalham com mão de obra mais cara, em outros padrões de acordos coletivos, e sem histórico de atuação no Rio Grande do Sul. Uma delas, a GMS. Mesmo assim, ela foi contratada.
Alertado, o MP seguiu o que aponta como trilha de sócios (e sócios ocultos) de várias empresas com contratos feitos neste início de governo de Jairo Jorge. E descobriu que alguns nomes se repetem.
Esse empresário teria sido apresentado a Jairo Jorge por um deputado federal paulista, político com carreira iniciada em 1992. Ele atua na área de farmácias de manipulação e, segundo o MP, também como lobista de empresas junto a prefeitos de diversas regiões brasileiras.
Os promotores acreditam ter indícios de que Jairo Jorge teria recebido valores em dinheiro, antecipadamente, para favorecer as empresas paulistas nas contratações em Canoas. E também depois de ser eleito. Pagamentos estariam mencionados em conversas interceptadas pelo MP.
Após a eleição, os pagamentos teriam sido disfarçados via sociedade firmada entre farmácias paulistas e farmácias pertencentes a familiares de Jairo Jorge. Os autos da investigação apontam que um desses estabelecimentos nem sequer existiria, seria apenas uma empresa jurídica feita para emitir notas e justificar faturamento.
A pedido do MP, a Justiça Estadual determinou busca e apreensão em endereços do empresário e do parlamentar e quebra de sigilo, além de proibir qualquer contato deles com Jairo Jorge, seus familiares e os secretários da prefeitura canoense afastados do cargo.
Contrapontos
O que diz o prefeito afastado Jairo Jorge
Não quis se manifestar. Em redes sociais, o prefeito afastado fez uma postagem na noite de quinta-feira (31):
"Fui surpreendido, na manhã desta quinta-feira, 31, por uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Estou perplexo com as graves acusações e ataques à minha honra, mas sigo acreditando na Justiça e tendo a convicção de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos".
O que diz a prefeitura de Canoas
O Executivo municipal se pronunciou em nota na quinta-feira (31):
"Foram cumpridos mandados de busca e apreensão na manhã desta quinta-feira, 31, em alguns prédios públicos da Prefeitura Municipal de Canoas.
Até este momento, a gestão municipal desconhece o inteiro teor das ações que pesam sobre alguns contratos, tendo tomado conhecimento tão somente dos mandados de busca.
De qualquer forma, saliento que todos os contratos, sejam os efetivados mediante procedimento licitatório ou dispensa de licitação são oriundos de rigoroso processo público de seleção, mediante aferição pública de preços, sendo avalizados e avaliados por diversos setores do nosso governo.
O Município de Canoas está à disposição do Judiciário para contribuir e responder a tudo o que for necessário para o efetivo esclarecimento dos fatos.
Reitero que seguiremos trabalhando, com todo o empenho e esforço, para que os canoenses sejam bem-atendidos em todos os serviços prestados pelo Poder Público Municipal.
Nedy de Vargas Marques
Prefeito de Canoas"
O que diz o Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Aceni)
GZH tenta desde a quinta-feira (31) contato com a direção da Aceni, cuja sede é em São Paulo. Prometeram retorno, que ainda não se concretizou.
O que diz a GMS
GZH tentou contato com a empresa em dois telefones (em São Paulo e Porto Alegre) e não obteve retorno.