Pandemia
Entenda o que muda para trabalhadores e empresas com o fim do estado de emergência pela covid-19
Decisão foi anunciada pelo Ministério da Saúde, mas governo ainda publicará portaria com os detalhes
O fim do estado de emergência sanitária anunciado pelo Ministério da Saúde afetará não apenas o dia a dia do Sistema Único de Saúde (SUS), mas também a rotina de trabalhadores e empresas que lidaram com alterações desde fevereiro de 2020.
Uma série de leis, portarias e Medidas Provisórias (MPs) foram aprovadas no Brasil para que a sociedade trabalhasse em casa ou presencialmente com mais segurança. Muitas estavam condicionadas à duração do estado de emergência sanitária no país e, agora que o cenário esta prestes a mudar, caem por terra – mas ainda não se sabe exatamente quais, uma vez que o governo federal ainda publicará portaria com os detalhes. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mencionou, além disso, que haverá período de transição.
As mudanças mais impactantes são na exigência do uso de máscaras na empresa, convocação das grávidas ao trabalho presencial e benefícios de trabalhadores de aplicativo de entrega que tiveram covid-19, segundo advogados ouvidos por GZH. Veja perguntas e respostas:
Estou em home office, precisarei voltar ao trabalho presencial?
A decisão de implementar trabalho presencial, híbrido ou remoto é da empresa e não será afetada pelo fim do estado de emergência, mas uma parte burocrática é alterada. Se, antes, o trabalhador poderia simplesmente ser mandado para trabalhar em casa de um dia para outro – a fim de ser protegido, como ocorreu em alguns momentos da pandemia –, nesse novo contexto a modalidade (presencial, remoto ou híbrido) precisa estar explicitada no contrato de trabalho, diz Willian Machado, advogado empresarial e sócio da Fernando Machado Business Law.
— Para sair do presencial para o home office, precisa formalizar por escrito a anuência das duas partes. Se a pessoa está em home office e a empresa quer voltar ao presencial, a empresa tem essa prerrogativa, mas precisa dar prazo de 15 dias, como diz a CLT. A empresa não poderá obrigar o funcionário a ficar em home office se ele não quiser — diz Machado.
Uso de máscaras deixa de ser obrigatório em empresas?
O uso de máscaras em empresas não é mais obrigatório desde março deste ano naquelas localizadas em Estados ou municípios que flexibilizaram o uso, segundo portaria interministerial. Foi o que permitiu que empresas de Porto Alegre deixassem de exigir o acessório, por exemplo.
Nas cidades ou Estados em que o uso de máscaras em ambientes fechados ainda segue requisitado, o uso deixa de ser obrigatório com o fim do estado de emergência sanitária, diz a advogada trabalhista Bárbara Benato Pontalti, do escritório Siegmann Advogados.
— Desde março, trabalhadores não precisam usar máscara, desde que haja decretos estaduais ou municipais dispensando o uso em locais fechados. Mas, em Canoas, não havia flexibilização em ambientes internos. Com o fim do estado de emergência, funcionários não são obrigados — diz Pontalti.
É a mesma visão do advogado empresarial Thomas Steppe, do escritório Demóstenes Pinto Advogados, que cita a tendência de que “empresas migrem para a recomendação do uso de máscaras, sem ser obrigatório, a não ser na área da saúde”.
E se minha empresa quiser manter o uso de máscaras e obrigatoriedade de vacinação?
Especialistas divergem sobre a segurança legal de empresas que decidam manter a exigência de uso de máscaras ou de comprovante de vacinação de seus funcionários. Para André Jobim de Azevedo, advogado do escritório Faraco de Azevedo Advogados e professor de Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), isso é possível.
— Deixa de ser obrigação geral para todos, mas empregadores podem exigir. É uma cláusula contratual entre dois, como exigir boné do funcionário. O que se manterá são em atividades que envolvem saúde pública, como farmácias, até por obrigação do empregador de manter hígido e saudável o ambiente de trabalho — diz Azevedo.
Mesma visão adota Carolina Mayer Spina, advogada trabalhista da Lini e Pandolfi Advogados e professora universitária. Ela diz que a decisão do governo federal de liberar o uso de máscaras acaba com a fiscalização e multa para empresas onde funcionários não portem o acessório — mas é prerrogativa do patrão exigir máscara e vacina, caso queira:
— As pessoas não podem confundir fim do estado de emergência com desobrigação de vacinação. A questão da vacinação é mais ampla e abrange a saúde pública como um todo. Nas relações empregatícias, nada proíbe que o empregador aplique juste causa para quem recusar a vacinação.
Adota outra interpretação o advogado Thomas Steppe, especialista em direito empresarial do escritório Demóstenes Pinto Advogados, para quem a empresa não pode obrigar máscara nem vacina.
— O funcionário poderá se negar a usar máscara, não existindo mais a questão de emergência em saúde pública — diz.
Para Guilherme Guimarães, sócio-coordenador da área trabalhista do escritório Silveiro Advogados, empresas não poderão requisitar máscara nem vacina se as autoridades sanitárias entendem que a covid-19 não é mais um agente insalubre.
— Não posso exigir algo de alguém que a lei ou alguma norma não determina. Talvez isso seja violar o direito individual do trabalhador. Mas temos que ver se o Ministério da Saúde vai salvaguardar a liberdade de as unidades federativas tomarem outras decisões e quais são os critérios sobre uma área de alto risco de contaminação — avalia Guimarães.
Grávidas precisarão voltar ao trabalho presencial?
Sim, estejam vacinadas ou não.
No início da pandemia, grávidas foram afastadas imediatamente do trabalho presencial. Se a gestante podia exercer trabalho remoto, seguiria trabalhando de casa, mas, se a função requisitasse trabalho presencial, a mãe seguiria em casa de forma remunerada.
Isso mudou com a Lei 14.311/22, aprovada em março deste ano, segundo a qual empresas podem solicitar o retorno da gestante ao presencial após apresentar comprovante de vacinação ou assinatura com termo de responsabilidade, caso não tivesse se imunizado. O texto cita que as alterações vigoram “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do Sars-Cov-2”.
Como não há mais emergência sanitária, a lei perde o sentido. Em termos práticos, pouco muda para as gestantes, que já vinham sendo convocadas para atividades presenciais mediante comprovante vacinal ou termo de responsabilidade. Mas, agora, as empresas têm mais segurança jurídica, sem necessidade de requisitar documentos.
— A lei de março estava condicionada ao estado de emergência de saúde pública, então perde o objeto. Em termos práticos, toda gestante voltará ao trabalho. O empregador não é obrigado a isso, pode manter ela em home office, mas tem que se sujeitar aos termos do teletrabalho — explica Willian Machado, advogado empresarial e sócio da Fernando Machado Business Law.
Estou com sintomas de covid-19, serei afastado?
O trabalhador deverá consultar com médico para receber atestado caso tenha sintomas de covid-19, assim como para outras doenças, explica o advogado André Jobim de Azevedo:
— Quem está com suspeita de covid ou outra doença infecto-contagiosa tem que encaminhar para avaliação. Funciona como sempre: ou o médico da empresa atestará para o afastamento ou o funcionário precisará consultar e trazer atestado.
Mas Willian Machado cita que vigora, hoje, a portaria do Ministério da Saúde segundo a qual o isolamento em casa, com home office, é recomendado enquanto se aguarda o resultado do teste. A partir do resultado positivo, é possível ficar de sete a 10 dias afastado, a depender de sintomas e status vacinal.
— Se a pessoa está com sintomas de covid mas não sabe porque ainda não testou, há portaria do Ministério da Saúde dizendo que o trabalhador precisa ser afastado, mas pode seguir trabalhando de casa, se não há incapacidade para o trabalho. O afastamento (completo das atividades) existe com atestado médico, quando a pessoa fez consulta — diz.
Trabalhadores de aplicativo seguem com afastamento remunerado?
A Lei 14.297/22, criada em abril de 2020, mas aprovada pelo Congresso apenas em dezembro de 2021 e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro deste ano, criou proteções para os trabalhadores de aplicativo de entrega — como contratar seguro contra acidentes e fornecer auxílio-financeiro a parceiros infectados com covid-19 por 15 dias, com possibilidade de extensão até 45 dias mediante atestado médico.
O valor corresponde à média dos três últimos pagamentos mensais recebidos pelo entregador. O texto afirma que os benefícios são “durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19”.
Para a maioria dos advogados ouvidos pela reportagem, o benefício deixa de ser obrigatório com o fim do estado de emergência. Willian Machado, diz que a lei “está atrelada ao estado de emergência de saúde pública, então, tal qual a lei que regula a volta das gestantes, perde a validade”.
Na visão de André Jobim de Azevedo, plataforma de aplicativo não é empregador - portanto “não podemos falar de obrigação nem de auxilio-doença”.
Já Carolina Mayer Spina diz que é preciso aguardar a portaria do governo federal com detalhes sobre a medida, mas que é possível que os benefícios sejam mantidos.
— A covid permanece existindo e as pessoas podem se contaminar. Se houver recomendação médica, me parece não haver alteração nessa garantia trazida pela lei. Mas teremos que ver se a nova portaria vai revogar ou não. Uma portaria pode revogar uma lei? Me parece que não, mas pode ter tratamento específico sobre o assunto — afirma Spina.
A empresa pode antecipar as férias? Suspender o recolhimento de FGTS?
Por meio de Medida Provisória, empresas puderam enviar funcionários para férias com apenas 48 horas de antecedência e suspender o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do funcionário por até quatro meses.
Para advogados ouvidos pela reportagem, se o patrão já fez essa combinação com o trabalhador, o acordado deve ser mantido. Mas, a partir de agora, será necessário comunicar com 30 dias de antecedência, como era antes da pandemia, e pagar o FGTS de forma normalizada.
— A não ser que haja nova variante e surja outra portaria dizendo que estamos em estado de emergência, perde-se a possibilidade de o empregador reduzir a alíquota do FGTS ou ficar sem recolher por um período — explica Carolina Mayer Spina, advogada trabalhista do Lini e Pandolfi e professora universitária.