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Covid-19

Média móvel de casos dobra em duas semanas no Brasil e cresce 63% no RS, alertando para possível quarta onda da pandemia

Entre os fatores que contribuem para a situação atual apontados por especialistas estão as mutações do vírus, a queda na proteção e a flexibilização do uso de máscara

08/06/2022 - 10h20min

Atualizada em: 08/06/2022 - 10h25min


Karine Dalla Valle
Karine Dalla Valle
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Jonatan Sarmento / Arte GHZ

A média móvel diária de novos casos de covid-19 no país dobrou nos últimos 14 dias, de acordo com dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Para especialistas, esse aumento indica que o Brasil pode estar vivendo a quarta onda da pandemia, ainda que mais amena, se comparada ao início do ano, período de maior transmissão. 

Em 23 de maio, a média móvel no país era de 14.585, mas subiu para 31.065 na segunda-feira (6), dia da mais recente atualização do Conass - um aumento de 112%. Foram usados dados da entidade que recebe informações diretamente dos Estados porque há uma instabilidade no painel sobre a covid-19 do Ministério da Saúde. Porém, também é possível que os dados do Conass estejam defasados, já que, conforme a assessoria de imprensa do órgão, alguns Estados estão com instabilidade no sistema e não enviaram suas informações. 

No Rio Grande do Sul, o aumento na média móvel diária foi de 63,5% em duas semanas, passando de 2.602 casos no dia 24 de maio para 4.256 no dia 7 de junho. Há três semanas o governo do Estado vem emitindo avisos para todas as regiões alertando para o crescimento das contaminações. As hospitalizações pela doença, no entanto, se mantêm estáveis. O índice de ocupação de leitos clínicos era 64% no dia 24 de maio e passou para 68% no dia 7 de junho. No mesmo período, a ocupação em leitos de UTI variou entre 10% e 11%.

O índice de casos no Brasil é bastante distante da época mais intensa de contágios, no ápice da Ômicron, em fevereiro deste ano, quando a média móvel chegou a 189 mil casos por dia. Mas o cenário pode se agravar, principalmente com a chegada do inverno, alerta o virologista Fernando Spilki, coordenadora da Rede Corona-Ômica BR-MCTI e professor da universidade Feevale.

— Tomara que não tenhamos uma onda da mesma proporção que a Ômicron, mas seguramente o número de casos vai continuar aumentando agora em junho — diz.

Já o infectologista Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), além de professor e médico da Universidade Estadual Paulista (Unesp), considera precipitado chamar de onda esse período de alta nos casos, apesar do brusco aumento de infecções.

— O que vivemos é um sobe e desce de casos. Temos, sim, um aumento estrondoso de infecções, esse aumento de 100%, mas não houve impacto nenhum em relação a óbitos. O coronavírus é um inimigo que já foi letal, mas hoje temos que saber conviver com ele — diz. 

Ainda assim, o momento exige atenção: idosos e imunossuprimidos seguem como os mais vulneráveis, mesmo que imunizados, e apenas 52% da população vacinável já tomou a terceira dose, considerada fundamental para a boa proteção, pontua o infectologista José David Urbaez Brito, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal.

— Não podemos prever o que vai ocorrer nas próximas semanas. Mas ainda temos idosos que vão a óbito, imunossuprimidos que vão a óbito. Também não podemos esquecer dos menores de cinco anos, que ainda não estão vacinados. Há uma hospitalização intensa de crianças, principalmente agora no inverno — alerta.

Foi uma série de elementos que levaram a essa alta nos casos, segundo infectologistas. São fatores que vão desde o abandono do uso da máscara até a circulação de subvariantes da Ômicron, que conseguem furar a barreira de proteção das vacinas, e merecem atenção.  

Confira o que dizem os especialistas sobre cada um deles:

Mutações

Novas linhagens do coronavírus que surgem a todo momento contribuem para períodos de recrudescimento da pandemia. É justamente a grande capacidade de mutações que deixa o vírus sempre à frente das vacinas, observa o infectologista Alexandre Zavascki, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

— O problema é que o coronavírus se mostrou muito hábil em fazer mutações que provocam maior transmissibilidade e fazem o escape da imunização. São variantes que contaminam quem já se imunizou e também quem já se infectou — diz o médico. 

Responsável por quase 100% dos casos de covid-19 no Brasil, a Ômicron, mais transmissível, já apresenta subvariantes, como a BA.2, predominante no Rio Grande do Sul. Além disso, já foram detectadas, em São Paulo e no Rio de Janeiro, a BA.4 e a BA.5, em ascensão na Europa. 

— Estamos muito atentos com a BA.4 e a BA.5, que já têm ocorrido em São Paulo, capazes de provocar alta transmissibilidade e, talvez, uma forma da doença um pouco mais grave, mas isso ainda está sendo investigado — diz Spilki. 

Ainda há a recombinante XQ, uma mistura do genoma das subvariantes BA.1.1 e BA.2, que inclusive já foi detectada no Rio Grande do Sul. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Estado é o primeiro do país com transmissão local desse vírus. 

Proteção passageira

Outro ponto que contribui para períodos de alta no número de infecções é a queda na proteção, seja induzida pela vacina, seja pela contaminação natural, observa Zavascki.

— Os meses vão passando e a imunidade, tanto das vacinas quanto da infecção, vai caindo, então a pessoa volta a ficar parcialmente exposta à covid-19, principalmente se está num ambiente de alta circulação do vírus — diz. 

Por isso a necessidade de as pessoas cumprirem com o esquema vacinal, buscando a terceira dose, ou mesmo a quarta, no caso de quem já pode tomá-la - a Secretaria Estadual da Saúde prometeu ampliar a distribuição da quarta dose para pessoas a partir dos 50 anos no Rio Grande do Sul já a partir desta quarta-feira (8). 

— O esquema vacinal básico são três doses, e temos cerca de 50% da população vacinável com as três. A nossa cobertura está aquém do que desejado — critica Urbaez Brito.

Menor monitoramento

Se por um lado o avanço da ciência trouxe a vacinação, que reduziu o número de mortes, além dos autotestes, que podem ser comprados nas farmácias com um custo menor em relação aos testes laboratoriais, também levou a uma menor rastreabilidade do vírus.

Os meses de abril e maio foram os períodos com menor registro de testes rápidos e PCR desde 2020, informa o virologista Fernando Spilki, da Rede Corona-Ômica BR-MCTI. Para se comparar, foram realizados 1,7 milhão de testes no país em janeiro, número que caiu para 182 mil em abril e 176 mil em maio. É um sinal de que se perdeu interesse em certificar que a pessoas está contaminada. 

— Antes, as empresas monitoravam seus funcionários, avaliava-se até a situação dos assintomáticos, e as prefeituras mapeavam os casos confirmados e seus contatos, mas tudo isso acabou. Há um entendimento geral de que não é mais um problema com o que se preocupar — diz o virologista. 

A familiaridade com os sintomas, a sensação de que a covid-19, agora, não passará de uma gripe e a popularização dos autotestes, que podem ser encontrados nas farmácias, levam a uma subnotificação, ressalta Zavascki. 

— As pessoas fazem seu diagnóstico, mas o caso não é contabilizado. Se o parente de alguém testou positivo, as pessoas nem vão se testar, nem buscam a rede médica — diz o médico. 

Máscaras de lado

Para Spilki, o aval para abandonar as máscaras foi uma estratégia equivocada de governos e prefeituras — no Rio Grande do Sul, a flexibilização ocorreu em 16 de março. Segundo o virologista, a maioria dos especialistas consultados no Rio Grande do Sul se posicionou a favor da retirada do acessório em ambientes abertos e ventilados - isso no caso de as pessoas estarem devidamente vacinadas -, mas contrários à desobrigação em espaços fechados.

Agora, seria necessário insistir na importância de manter nariz e boca cobertos em lugares onde não há circulação de ar e com grande quantidade de pessoas. 

— Foi precipitado (desobrigar as máscaras). Passou a falsa sensação de segurança de que o pior já havia passado, mas não existiam dados para corroborar isso. É uma medida que deveria ser revista agora — diz.

Já o infectologista Alexandre Naime Barbosa entende que o cenário atual permite adotar estratégias mais flexíveis para a contenção dos contágios. Na avaliação dele, não é mais necessário aplicar medidas duras para todos - o ideal seria considerar caso a caso. 

— Hoje a relação com o vírus é outra, muito menos penosa. Uma senhora de 90 anos, que já tomou quatro doses, deve, sim, usar máscara em ambientes fechados ou com aglomeração. Agora, um jovem com esquema vacinal completo, sem chance de adoecer, deve usar máscara? Estamos em outra fase da pandemia e não podemos usar das mesmas armas para fases distintas — avalia. 

Colaborou Gabriel Jacobsen


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