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Desabastecimento

Antibióticos e antialérgicos: os remédios que mais estão em falta nas farmácias do RS

Hospitais registram escassez de soro fisiológico, usado para pacientes internados, mostra levantamento do Conselho Regional de Farmácia

06/07/2022 - 21h51min


Marcel Hartmann
Marcel Hartmann
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Bruno Todeschini / Agencia RBS
Amoxilina é um dos remédios em falta nas farmácias

Antibióticos, antialérgicos, analgésicos, anti-inflamatórios e xaropes para tosse – remédios para covid-19 e doenças de inverno – são as medicações mais em falta em drogarias, hospitais e farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio Grande do Sul, mostra levantamento do Conselho Regional de Farmácia gaúcho (CRF-RS). A pesquisa, feita de forma online ao longo de três semanas com farmacêuticos que atuam na iniciativa privada e no setor público, questionou se faltavam remédios nas farmácias onde os profissionais atuam – se sim, quais as medicações.

O desabastecimento é maior em drogas usadas contra covid-19 e doenças respiratórias do inverno, mas profissionais ainda relataram falta de soro fisiológico, utilizado como “veículo” para aplicação de remédios em pacientes hospitalizados.

— Nas drogarias e na saúde pública, faltam antibióticos, anti-inflamatórios, anti-histamínicos (antialérgicos) e analgésicos. A nível hospitalar, farmacêuticos relataram falta de anestésicos e de soro fisiológico. Isso ocorre pela falta de matéria-prima ou da embalagem para o envase da substância — afirma a farmacêutica e presidente do CRF-RS, Letícia Raupp.

A entidade destaca a falta de antibióticos para crianças, situação presente há meses e vivenciada pela empresária Betina Maier, de 35 anos, moradora de Novo Hamburgo. Em maio, ela levou a filha Morena, de nove meses, ao hospital, onde a menina foi diagnosticada com bronquiolite, pneumonia e infecção urinária. O médico comunicou: a criança só teria alta se a mãe comprasse, na farmácia, um antibiótico para seguir o tratamento em casa – o remédio, entretanto, estava em falta.

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— Ele me disse: “Não posso correr o risco de dar alta, ela ir pra casa e não ter a medicação”. Fui atrás de várias farmácias, mas nenhuma em Novo Hamburgo tinha. Conseguimos um frasco em Sapiranga — conta a empresária, que ainda relata dificuldades na busca por medicações:

— Ainda hoje faltam remédios para crianças. Duas semanas atrás, minha filha teve outro problema respiratório, a pediatra disse para entrar com nebulização e Aerolin em gotas (remédio para asma e bronquite), mas só achamos em Campo Bom — acrescenta.

A rede pública também sofre de escassez. Para além de um crescimento de 16% no número de pessoas em busca de remédios em farmácias do SUS no mês passado frente a junho de 2021, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Porto Alegre relata dificuldade para comprar os antibióticos amoxicilina e gentamicina, o remédio fenoterol (utilizado para bronquite, pneumonia e asma) e estrógenos. “Apesar dessas situações, todos os esforços estão sendo realizados para que não gerem o desabastecimento nos medicamentos disponíveis à população”, diz a prefeitura.

O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), que representa fabricantes de remédios, afirma que associados relataram “expressivo e atípico aumento de demanda por determinados antibióticos no primeiro trimestre e isso desorganizou a cadeia de fornecimento ao varejo”. Todavia, a entidade alega que a oferta é regular na maioria das fabricantes e que apenas algumas empresas relataram problemas “pontuais” de produção de antibióticos.

“Os dados disponíveis confirmam a oferta regular e até acima do normal do antibiótico amoxicilina e do analgésico dipirona por parte da indústria”, diz o Sindusfarma, ao contrário do que relataram farmacêuticos sobre a falta desses dois remédios, especificamente. Por fim, a entidade afirma que indústrias estão readequando a produção para atender o mercado.

Hospitais registram falta de soro fisiológico

O Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre (Sindihospa), que representa instituições como os Hospitais Mãe de Deus e Moinhos de Vento, informou por meio de nota que há cerca de 30 itens “com abastecimento prejudicado, incluindo medicamentos e insumos para realização de procedimentos”.

A maior falta em hospitais é de soro fisiológico e contrastes para exames. “A indisponibilidade tem sido verificada de forma mais abrangente no varejo. Os hospitais vêm monitorando diariamente os estoques para bem atender aos pacientes”, informa a entidade que representa hospitais da capital gaúcha.

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre informou, também por por meio de nota, que tem "acompanhado com apreensão a escassez de medicamentos no mercado brasileiro, bem como aumentos significativos de preços”. Para minimizar o problema, “a instituição tem fortalecido as parcerias comerciais com fornecedores e, em alguns casos pontuais, elevando os estoques de segurança”.

Farmácias de manipulação têm sido acionadas em alguns casos. Em outros, busca-se o médico para substituir o remédio. “Porém, apesar da atual escassez, não temos sido impactados significativamente com rupturas de abastecimento que prejudiquem a assistência de nossos pacientes”, diz a Santa Casa.

O Hospital Moinhos de Vento afirmou que monitora o desabastecimento de medicamentos no varejo, especialmente de soro fisiológico, mas que a instituição segue sendo atendida pelos fornecedores e não registra falta de insumos. “O hospital acompanha diariamente a situação e busca alternativas para eventuais problemas de abastecimento”, diz o Moinhos de Vento.

O Hospital Mãe de Deus informou, também por nota, que está a par de que o mercado enfrenta dificuldades, mas que “tem todos os medicamentos garantidos em estoque, em razão de contrato estabelecido com os fabricantes”.

Motivo

As raízes do problema são multifatoriais: envolvem menor oferta de remédios e de embalagens como resultado de um xadrez geopolítico europeu-asiático e pela maior demanda impulsionada pelo inverno rigoroso e pela queda do uso de máscaras em ambientes fechados, o que favorece a transmissão de vírus respiratórios, dizem especialistas.

O Brasil depende de importação de matéria-prima para fabricar remédios - mais de 90% dos ingredientes vêm da China e da Índia. Como os lockdowns impostos pelo governo chinês na política de “covid zero” pararam cidades de grandes indústrias farmacêuticas, caiu a oferta de matéria-prima global e também de embalagens de vidro e plástico para envasar remédios e soro fisiológico.

— Em 2022, com colégios em funcionamento, retomada de vida quase normal de adultos e o querido inverno gaúcho, a demanda por esses remédios aumenta. Mas, agora, há a infeliz coincidência de o mercado chinês se fechar, o que faz o desabastecimento chegar ao ápice — diz Cabral Pavei, professor de Farmácia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Ainda no cenário internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia afeta a cadeia logística mundial de portos e aeroportos, acrescenta Diego Gnatta, professor de Farmácia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

— A guerra afeta o trânsito de navios e contêineres, o que impacta não só a indústria de automóveis, mas também a industria farmacêutica. Os insumos não necessariamente são produzidos na Ucrânia ou na Rússia, mas isso afeta a logística — diz o pesquisador.  

Uma saída para o problema é investir na produção nacional de medicamentos em laboratórios públicos e universidades, afirmam pesquisadores. Pavei, da UFCSPA, destaca que, em 2018, o governo gaúcho fechou o Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul.

— Como o SUS é um dos que mais utiliza esses medicamentos, agora se inicia nova discussão com o Ministério da Saúde para criar plantas industriais e laboratórios públicos de produção de ingrediente farmacêutico ativo — diz o professor.

A presidente do Conselho de Farmácia do Rio Grande do Sul pontua que a atual dificuldade logística deixa o país vulnerável, o que exige políticas públicas para evitar nova escassez.

— Alguns medicamentos a indústria farmacêutica têm menos interesse produzir, em função do baixo custo de venda, como soro fisiológico. Isso seria solucionado se laboratórios oficiais voltassem a produzir medicamentos de baixos custo. Hoje, como temos dificuldade logística, ficamos sem matéria-prima para produzir medicação na indústria brasileira. Precisamos de uma política pública para desenvolver matérias-primas — diz a presidente do CRF-RS.  

Por que amoxicilina é a que mais falta?

Amoxicilina, o remédio mais em falta no Rio Grande do Sul, é uma das primeiras opções escolhidas por médicos para tratar de infecções bacterianas comuns, como faringite, sinusite, otite em crianças e pneumonia leve, explica Alexandre Zavascki, médico infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

— Uma prática bastante comum entre médicos é ter uma suspeita de quadro viral e já dar antibiótico, descnecessariamente. Isso pode estar agravando (a situação). Se ficou na dúvida de ter uma infecção bacteriana, o médico acaba dando — critica.

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