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Região Metropolitana

Conheça o artista que transforma rua sem saída de Guaíba em uma grande tela de arte ao ar livre

Com pedaços de carvão, gesso e tijolo em mãos, guaibense desenha no chão da via onde mora

05/07/2022 - 08h52min

Atualizada em: 05/07/2022 - 09h09min


André Malinoski
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André Ávila / Agencia RBS
Desenhista estava criando um retrato do colunista de Zero Hora Paulo Sant’Ana (falecido em 2017), no começo da tarde de sexta-feira (1º)

Com pedaços de carvão, gesso e tijolo em mãos, o artista Mateus dos Santos Roque, 33 anos, passa horas debruçado desenhando sobre o chão da Rua David Canabarro, uma via sem saída no bairro Ermo, em Guaíba, na Região Metropolitana, onde vive com os pais, Ana Maria e Julio Gomes, e a irmã Tatiana. O auxiliar de serviços gerais, que trabalha em Porto Alegre, na Fundação Escola Superior do Ministério Público, chama atenção de quem passa pelo local, uma rua sem saída, silenciosa e com um grande bambuzal se destacando entre outras árvores.

— Tem gente que não sabe que trabalho de noite. Muitos acham que fico apenas sujando o chão — afirma o artista, vestindo moletom com capuz, calça de abrigo e tênis de uma conhecida marca nas cores vermelha e branca, salientando que aprendeu a arte de maneira autodidata.

O que hoje é uma forma de expressão para Mateus Abreu, ou simplesmente “o Abreu”, como é conhecido nas redes sociais, começou muito tempo antes, quando era uma criança e ensaiava os primeiros desenhos com lápis e papel. Os custos para comprar esses itens obrigaram o guaibense a procurar outras ferramentas, como sobras de carvão de churrasco, pedaços quebrados de tijolos e gesso, e até pedras, como cascalho. Entretanto, desenhar no chão mesmo se iniciou somente em 2015.

O desenhista estava criando um retrato do colunista de Zero Hora Paulo Sant’Ana (falecido em 2017), no começo da tarde de sexta-feira (1º). Cercado por objetos como saco de carvão, banquinho, balde cheio de pedras, pincel, broxa trincha e notebook com a foto do Paulo Sant’Ana, o seu silêncio contrastava com o canto dos pássaros, o vento nos galhos das árvores e os latidos dos cachorros.

— Me defino como um desenhista realista. No desenho que faço, procuro copiar totalmente a realidade — explica, confessando que sonha em receber auxílio de algum mestre. — Queria mesmo encontrar alguém que me passasse as técnicas para eu evoluir para a pintura em tela — almeja, com as mãos sujas pela cor preta do carvão, reconhecendo que é difícil reproduzir o desenho na tela.

Em busca de uma oportunidade, começou a cursar bacharelado em artes visuais no Centro Universitário Internacional Uninter, de Guaíba. Está no curso há apenas três semanas e, como trabalha em um horário pouco convencional, das 21h às 5h50min, precisa conciliar as horas dedicadas aos desenhos, aos estudos e até para dormir, o que pouco consegue fazer, conforme relata. Por isso, o curso ocorre na modalidade a distância.  

— Não me inspiro em ninguém ou em qualquer técnica para desenhar. Mas gosto das obras do Leonardo da Vinci, Michelangelo e Van Gogh — conta ele, que não ganha dinheiro desenhando nem mostrou sua arte em qualquer outro lugar, apesar de cogitar exibir o que sabe fazer aos domingos nas ruas do Brique da Redenção.

Quando a chuva chega, todos os desenhos vão embora com a força da água. As linhas se deformam e desaparecem, apagando o trabalho de horas de dedicação. Porém, a situação não incomoda o autor de tantos rostos, paisagens e lugares:

— Não me importo porque quando a chuva chega já fotografei meus desenhos e compartilhei nas redes sociais.

O desenhista estima já ter produzido em torno de 500 obras no chão.

Alcoolismo e depressão

O artista conta que desenhar o ajudou a afastá-lo da depressão e do alcoolismo, além de dar um sentido para sua vida.

— Tive depressão aos 17 anos. Precisei de médico e psicólogo, e tomei medicação. Todo mundo acha que é frescura. Depois ainda passei pelo alcoolismo. Bebia para ter coragem de sair de casa — recorda.

Superou tudo e voltou ao desenho quando estava com 26 anos. Desde então, dá vida ao chão da rua em que vive. A arte o ajuda a perseguir os seus objetivos:

— Quando desperto para isso (desenhar), fico elétrico — reflete, riscando o chão em movimentos de vaivém com uma pedra.

Uma reclamação do artista é que algumas pessoas, inclusive da vizinhança, não aprovam sua dedicação ao desenho nas ruas.  

— Tem gente que já riscou meus desenhos só para me deixar irritado. Tem que ver o que escuto — lamenta.

Mas há muitas pessoas que elogiam.

— Eu gosto dos desenhos dele. Uma borboleta 3D que ele desenhou foi a minha preferida — comenta Janaina Feijó, vizinha que mora do outro lado da rua.

Comentário semelhante é feito por outro vizinho, que vive ao lado de sua residência:

— Sempre vejo bastante ele fazendo os desenhos. São muito bonitos — diz Luis Fernando, que observa a mão direita do autor dando cores ao rosto de Paulo Sant’Ana, desenho que levou cerca de três horas para ficar pronto.  

Onde ver

Quem quiser conferir as obras de Abreu pode procurá-lo nas redes sociais. No Instagram, por exemplo, o artista (mateusabreu88) possui registrados desenhos dos craques Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e do estádio Beira-Rio. Entre as personalidades retratadas estão o ator Milton Gonçalves, que faleceu recentemente, os músicos Bob Marley e Raul Seixas, a jornalista Fátima Bernardes, o colunista de ZH Fabrício Carpinejar, o tradicionalista Paixão Côrtes, entre outros. Também há paisagens e animais, como cavalos, tigres, leões, cobras e borboletas.


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