Uma caixinha de madeira, minuciosamente organizada com 10 plantas suculentas, pode ajudar Vivian Xavier, 44 anos, e Marcone Lopes Fontoura, 28, a realizarem o sonho da maioria das pessoas que vive em situação de rua: alugar uma casa e abandonar a cama de cimento improvisada nos passeios públicos. Vendidos a R$ 10 cada, os arranjos se tornaram impulso para o casal dar o primeiro passo rumo a esse objetivo.
— E a gente vai sair dessa, tenho certeza — diz a mais nova florista de Porto Alegre.
A mini floricultura sem paredes fica sob a marquise de um prédio da Rua Duque de Caxias, quase esquina com o viaduto Otávio Rocha, no Centro Histórico. As mudas do tipo jade, cacto e outras espécies são acomodadas em um pequeno vaso, muito populares em apartamentos com pouco espaço para o cultivo.






Há também um toque de gentileza feito à mão pela dupla: mensagens inspiradoras como “quem cultiva o amor colhe felicidade”, “vista seu melhor sorriso” e “regue a vida com amor”. O adorno é feito com papel kraft, recortado em forma quadrada e colado em um palito.
Além de chamar atenção dos pedestres — e reduzir a indiferença de quem cruza o caminho —, ilumina a casa dos clientes, garante Vivian. A teoria é confirmada pelo engenheiro Gabriel Mânica, 30 anos.
— É sensacional — resume o condômino do edifício que serve de guarida provisória para o casal.
Foi a cerimonialista Patrícia Rosa, moradora do Centro Histórico, quem incentivou o casal para que buscasse uma fonte de renda.
— Me chamou atenção como as coisinhas deles são bem organizadas e como o casal é querido. Muita gente do Centro ajuda. Eu me aproximei, puxei conversa e dei a ideia. Na hora eles gostaram, comprei as primeiras 15 mudas e dei tesoura e o papel kraft pra eles fazerem por conta própria os próximos — relembra Patrícia.
A corrente do bem ganhou adeptos nas redes sociais e pedidos passaram a ser feitos para Patrícia, chamada de madrinha pelos dois.
— Se a gente pode contribuir, ajudar eles a terem uma vida digna, o nosso papel está cumprido — afirma a “dinda”.
Os contatos para encomendas ou qualquer contribuição pode ser feito pelo Instagram @patriciarosaeventos ou no celular (51) 98522-3394. Além do comércio das plantas, há o desejo de se encontrar uma floricultura parceira que forneça as suculentas.
Um novo propósito de vida
O vasinho com a planta é comprado em um supermercado do bairro, ao custo médio de R$ 3. Somado à cartolina e à cola, o arranjo chega a um custo aproximado de R$ 3,50. Apesar de o lucro parecer pequeno para bancar um futuro aluguel, os empreendedores não desanimam.
— Trabalhar nos dá dignidade, um propósito para mudar de vida. E vamos conseguir — repete Marcone.
O casal está junto há oito anos. Antes de vagar pelas esquinas, eles tinham um imóvel na Zona Norte, financiado diretamente com o proprietário. Moraram na residência até 2020, até que Marcone perdeu o emprego na pandemia. Acabaram despejados.
— Como se colocasse dois cachorros para fora de casa. Eu disse para ela: "A gente vai ter de aprender a viver na rua" — explica o homem.
Perambularam por vias próximas da Avenida Borges de Medeiros e da Orla. Um barraco foi mobiliado na área mais turística da cidade, mas foi removido por estar irregular.
— Tinha até fogão — recorda Vivian.
No cantinho atual, uma companhia é vista deitada nas cobertas molhadas pela chuva: Tchuca, uma vira-latas, mistura com rottweiler. Maltratado pelo antigo tutor, o animal demonstra carinho pela nova família e tem na barriga os pontos da castração, paga por uma moradora do entorno com a qual o casal fez amizade.
Divulgada no programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha, a venda das suculentas alcançou um público que não conhecia a história do casal. Em poucos minutos, antes das 8h desta sexta-feira (5), chegaram 50 encomendas. Sucesso que reforça a esperança de que ambos poderão traçar o que está escrito em um dos bilhetes: “Que a felicidade vire rotina”.