Brique do DG
Conheça as dificuldades de quem empreende na periferia
Diário Gaúcho conta histórias de empreendedores e apresenta dicas de como vencer as barreiras
Oito anos depois de fundar uma agência de comunicação no Morro da Cruz, zona leste de Porto Alegre, e assumir protagonismo na região, Michel Couto, 37 anos, não tem dúvidas de que as dificuldades são maiores para os empreendedores da periferia.
– Se alguém quiser empreender no 4º Distrito, provavelmente, vai poder pegar dinheiro emprestado. Mas, aqui, vão pensar duas vezes, dizer que é perigoso, pedir um monte de garantia. Então, quando se empreende na periferia, em geral, se começa do jeito que dá – resume.
Potencial
– Eu era vigia em uma agência de publicidade e ficava acompanhando os caras que trabalhavam na madrugada. Até que me perguntaram se eu queria aprender. Comecei assim e saí de lá como diretor de arte – relembra.
Nessa época, Michel passou a trabalhar em casa e, poucos anos depois, abriu uma gráfica, que atendia os pequenos negócios do bairro. A transformação para agência aconteceu à medida em que ele percebia o potencial do Morro da Cruz. Ao mesmo tempo, os clientes dele também foram descobrindo mais sobre seu próprio público.
– Percebi que era preciso fazer o cara daqui notar que ele pode querer empreender lá no centro, mas que aqui pode ser a nossa melhor chance. Por quê? Porque estamos em casa – conclui.
Hoje, Michel tem uma ambição maior: abriu um espaço colaborativo para que os empreendedores locais possam trocar experiências e, com isso, alavancar cada vez mais a região do Morro da Cruz.
"Inovar todos os dias"
Aos 34 anos, Thayna Brasil tem um estúdio de beleza voltado a pessoas negras e compartilha seu saber em projetos e cursos de empreendedorismo. Moradora do bairro Cascata, na Capital, ela diz que tomou consciência do potencial da periferia a partir da convivência com outras empreendedoras:
– Elas foram me ajudando a perceber. E eu comecei a pensar “por que preciso sair daqui (para empreender)?”.
Porém, diz que esse despertar só foi possível porque ela teve chances que muitos não têm. Além de ter estado junto a outras empreendedoras, ela ressalta o estímulo que recebeu da família para que estudasse – Thayna é formada em Turismo e especialista em Gestão de Negócios.
Na visão dela, a falta de atenção à periferia faz com que empreendedores locais não consigam perceber que podem evoluir. Isso, aponta, acaba colocando os negócios em uma espécie de zona de conforto e tirando deles boas oportunidades de inovar.
– Só que, mesmo assim, temos que inovar todos os dias. Fazer cursos, buscar qualificação, aprender a se comunicar, diversificar os métodos de pagamento – defende.
Ponto crítico: internet
Educadora financeira, atuando com consultoria para empreendedores em comunidades, Dina Prates aponta a digitalização com um dos principais desafios para negócios da periferia:
– É dificuldade de ter acesso à internet, às redes sociais e às ferramentas de trabalhos que vão impulsionar esses negócios.
Ela avalia que, por vezes, esse obstáculo impede que negócios cresçam.
Para Dina, um dos caminhos para diminuir a desigualdade entre as jornadas de quem empreende dentro e fora da periferia é oferecer formação aos empreendedores das comunidades. E ela aponta que essas capacitações deveriam abarcar diversas áreas: gestão, marketing, vendas, finanças.
LEIA MAIS
Saiba a importância de se diferenciar para vender mais
Conheça as estratégias das revendedoras
Artesãos falam sobre os desafios da profissionalização
– É muito fácil dizer para uma empreendedora que vende comida, por exemplo, que ela precisa usar o WhatsApp Business e colocar o negócio dela no iFood. Só que é necessário ensinar como usar essas ferramentas, respeitando suas limitações – explica.
Outro ponto levantado por Dina diz respeito à concessão de crédito. Ela destaca que, na periferia, os empreendedores precisam começar com o seu próprio capital. Só que, pondera, crescer demanda investimento:
– Então, é preciso liberar acesso ao crédito, com responsabilidade. Não basta dar acesso, virar as costas e depois chamar as pessoas de endividadas. Tem que orientar o uso.
Ações em parceria com a prefeitura
Conforme o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre, Vicente Perrone, o município tem ciência das dificuldades de alcançar as zonas periféricas, mas trabalha para diminuí-las. Para isso, oferece atendimento via unidades do Cras.
– No programa Cidade Empreendedora, trabalhamos pela facilitação do processo de formalização de negócios e pela educação do empreendedor. São mais de mil horas contratadas junto ao Sebrae para cursos de capacitação dos empreendedores e também da rede escolar municipal. Já o (programa) Juro Zero visa estimular a tomada de crédito – conta.
Dicas para o seu negócio
// Converse com outros empreendedores. De preferência, aqueles que estão em situação semelhante à sua, que podem falar a mesma língua que você.
/// Forme ou participe de redes de colaboração e veja outros empreendedores não como concorrentes, mas possíveis parceiros. Juntos, vocês poderão alcançar um público maior.
/// Separe e organize bem suas finanças. Se tiver dificuldades em usar serviços bancários tradicionais, os bancos digitais têm contas gratuitas e que podem ser boas opções.
/// Pense bem na precificação do seu produto, levando em conta, inclusive, o público para o qual pretende vender.
/// Tenha presença nas redes sociais. Divulgue seus produtos e sua marca.
/// Qualidade é uma exigência de todos os clientes, então, persiga um diferencial e apresente-o. Faça seu cliente perceber que você quer crescer.
/// Sites como Aliança Empreendedora e Rede Mulher Empreendedora oferecem capacitações gratuitas e podem ser boas opções.
/// A Sala do Empreendedor da Capital (Avenida Júlio de Castilhos, 120, centro) oferece informações sobre os programas municipais. Agende o atendimento no site.
/// Nos bairros, informações podem ser obtidas nos Cras. Veja os endereços no site.
Fontes: educadora financeira Dina Prates, empreendedor Michel Couto e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre
Produção: Guilherme Jacques