VRS
Hospitais de Porto Alegre registram alta fora de época nos casos de vírus sincicial respiratório em crianças
Contágio pode resultar em casos graves em menores de dois anos
O crescimento de atendimentos de crianças com vírus sincicial respiratório (VSR) tem colocado a doença na rotina dos hospitais de Porto Alegre em uma época considerada incomum. No Estado, a circulação do VSR costuma ocorrer em períodos do outono e inverno. No entanto, o número de casos apresentou curva crescente nas últimas semanas.
O cenário foi reportado pelos Hospital Moinhos de Vento, Hospital da Criança Conceição e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). O Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia, informou que a equipe médica não notou alta de registros de VSR nos últimos dias.
Especialistas dizem que a mudança na sazonalidade da doença pode ser explicada como uma consequência da pandemia de covid-19.
O mais recente Boletim Infogripe, publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no último dia 12, indica que pelo menos 59% dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) registrados em 2023 em crianças de até quatro anos foram causados pelo VSR no Brasil. O levantamento destaca a presença acentuada do vírus no Rio Grande do Sul. O estudo é referente à semana epidemiológica 1, que compreende o período de 1º a 7 de janeiro.
O cenário fez a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) alertar, em novembro, para a ameaça tripla de covid-19, influenza e vírus VSR nas Américas. Um estudo publicado em 2022 na revista científica Lancet indica que a doença foi responsável pela morte de mais de 100 mil crianças de até cinco anos em todo o mundo em 2019. No Brasil, a estimativa mais recente é da Fiocruz: entre 2020 e 2021, duas crianças morreram por dia no país devido à doença.
No Hospital Moinhos de Vento, nos primeiros dias do ano, o vírus foi observado em cerca de 20% dos pacientes menores de cinco anos atendidos. Na semana passada, correspondia a 33% dos vírus identificados como causa de infecção respiratória em crianças, o que deixou a covid-19 em segundo lugar.
— É o vírus respiratório mais comum na faixa etária de menores de cinco anos. O que não é comum é (ter tantos registros) nesta época do ano — explica Alexandre Zavascki, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento.
O VSR possui caráter sazonal, com predominância nos períodos de outono e inverno, conforme o Ministério da Saúde (MS). No Brasil, devido às dimensões continentais, os meses de maior circulação do vírus pode mudar conforme a região. No Norte, por exemplo, é de fevereiro a julho; no Sul, de março a agosto.
Segundo o médico do Moinhos de Vento, o registro de casos "fora de época" pode ser explicado como um desdobramento da pandemia de covid-19, que forçou o isolamento social ocorrido em 2020 e 2021, período em que o VSR deixou de circular entre a população.
— Depois da covid-19, várias doenças perderam a sazonalidade, diminuíram muito na circulação durante períodos críticos da pandemia e emergiram com uma característica não sazonal. Mas, possivelmente, em algum momento, isso vai se recuperar (a sazonalidade). É um aumento de casos dentro da faixa etária específica, não é um número que exija preocupação maior em termos de saúde pública — pontua.
Segundo Bárbara Marina Simionato, médica intensivista e infectologista pediátrica do Hospital da Criança Conceição, antes da pandemia, o vírus sincicial respiratório circulava no Estado entre as semanas epidemiológicas 20 e 32, que corresponde entre a metade de maio até agosto. Isso mudou após as flexibilizações da pandemia: um levantamento do GHC indica curva crescente de casos em pacientes pediátricos — de zero a 14 anos — nos últimos meses do ano passado (veja o infográfico abaixo).
— Os dados de 2022 nos mostram que houve uma persistência de circulação do VSR para além de agosto e setembro, quando já era esperada essa redução, e a circulação vem se mantendo desde então. Temos tido ainda alguns casos de bronquiolite com necessidade de suporte de UTI pediátrica e ventilação mecânica, nada comparado à frequência de casos vistos no inverno, mas certamente é incomum nesse período do ano — comenta.
O vírus sincicial respiratório pode causar manifestações agudas de doenças do trato respiratório superior e inferior, em especial em crianças menores de dois anos de idade. Ele é responsável por quadros de resfriado, gripe e bronquiolite (inflamação dos bronquíolos).
Conforme a médica, a maioria dos bebês com bronquiolite não precisa ser hospitalizada, mas alguns necessitam de suporte com oxigênio, seja através do cateter nasal ou de suporte em UTI pediátrica e ventilação mecânica. O tempo de hospitalização varia conforme a gravidade do caso.
— Costumo explicar que a bronquiolite é uma “gripe que desceu” até as vias de condução de ar dos pulmões, causando inflamação intensa dessas estruturas, o que leva a aumento de secreção respiratória, tosse e dificuldade para respirar em graus variados. Essa dificuldade pode ser observada através de sinais de esforço respiratório, que no bebê pode ser vista através da retração no pescoço e entre as costelinhas, gemência, engasgos, dificuldade para mamar ou ainda cianose, quando o bebê fica “roxinho” ao redor da boca ou nas mãos — explica Bárbara.
Outros hospitais
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) reportou número de casos "fora de hora", em especial em dezembro. No entanto, nesta semana, a instituição disse não ter atendido nenhum paciente com VSR. Por meio da assessoria de imprensa, o Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia, informou que a equipe médica não notou alta de registros de VSR recentemente. A reportagem não conseguiu contato com Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV).
Prevenção
Segundo o Ministério da Saúde, o VSR é responsável por 64% do número de casos de bronquiolite viral aguda no Brasil. Alguns estudos apontam que até os dois anos de idade mais de 80% das crianças já sofreram infecção por parte deste vírus. O VSR é considerado muito contagioso e é transmitido pelo ar, por toque e por objetos contaminados.
A prevenção é parecida às outras infecções virais, como a covid-19: evitar ambientes fechados e com aglomeração de pessoas, em especial nos primeiros três meses de vida da criança. É indicado também manter os ambientes com ventilação adequada, higienizar as mãos com sabão ou usar álcool em gel e uso de máscaras faciais.
— É um vírus que causa infecções em todas as idades, mas são as primeiras infecções no começo da vida que trazem mais repercussão, no primeiro ano de vida especialmente, que são as maiores taxas de hospitalização e complicações — diz o pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Como proteger as crianças
Ainda que seja comum, não existem vacinas para prevenir a infecção. A única forma de proteção é um medicamento chamado palivizumabe, uma imunoglobulina, ou seja, um tipo de anticorpo "pronto" que induz imunização contra o vírus sincicial respiratório. Dados do Ministério da Saúde indicam que o uso do medicamento pode ajudar na redução do risco de internação entre 39% e 78% dos casos. No entanto, o palivizumabe é oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS) apenas em um grupo reduzido de pacientes:
— Ele é utilizado em crianças mais vulneráveis, prematuros, quem tem doença cardíaca ou pulmonar. O palivizumabe é uma injeção que faz com que os bebês se protejam com um anticorpo artificial na estação em que o vírus mais circula — diz Kfouri.
A distorção na sazonalidade do vírus também atrapalha o planejamento das aplicações do medicamento. Isso porque “bagunça” o planejamento de qual momento o bebê deve receber o medicamento. O palivizumabe é aplicado em doses mensais durante cinco meses, no período de maior circulação do vírus. No caso dos estados sulistas, o momento ideal para uso é entre de março a agosto, para que a criança tenha os anticorpos entre abril e agosto, período de maior circulação do VSR.
— Quando sabemos a circulação do vírus, aplicamos a prevenção da entrada na estação. A desorganização da sazonalidade faz com que não consigamos delimitar o período de maior transmissão e imunizar os grupos vulneráveis na melhor época — pontua o presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).