Papo Reto
Manoel Soares: "Carnaval é sobre isso"
Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados
Quem somente assiste aos desfiles de Carnaval talvez não mergulhe em todas as mensagens que entram na Avenida. Os blocos afros, que originaram o Carnaval brasileiro como conhecemos, foram uma forma encontrada pelos nossos avós e bisavós para contar suas histórias sagradas e manter vivas suas origens de reis e rainhas. Enquanto os nobres da corte acreditavam que aquele momento de batucada e festa era uma brincadeira, as roupas e movimentos pertenciam às tradições mais profundas de nossa ancestralidade. O Congo de Maçambique que temos em Osório, os Quilombos do Silva, Areal da Baronesa e Rosas são frutos da mesma árvore onde brota a festa das telas da Globo.
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Quando uma rainha de bateria conduz os ritmistas com seu corpo e se deixa também conduzir por ele, ela acena para a nobreza que existe em cada gota de sangue negro que corre em nossas veias. A fantasia é a roupa que merecemos vestir. É a roupa que descendentes de reis vestem, mas com a escravização nos deram trapos ao invés de mantos, sarjetas ao invés de palácios, chibatadas ao invés de aplausos.
Mas, mesmo com tudo isso, ainda tivemos força de criar um espetáculo que nos honra e seduz nosso opressor. As pedras onde sambamos nas ruas foram colocadas pelos nossos ancestrais subjugados como penitentes. Dessa dor, criamos uma epidemia de alegria em todo fevereiro. Nessa hora, os elitistas veem a evolução de nossa liberdade. Por mais que no dia seguinte voltemos aos postos inglórios, a chama da esperança foi acesa mais uma vez. Carnaval é sobre isso.