Exemplos positivos
Como outras capitais podem inspirar Porto Alegre na prevenção a desastres naturais em áreas de risco
Recife, Fortaleza e Belo Horizonte têm práticas bem-sucedidas que, segundo especialistas, são possíveis de serem aplicadas na capital gaúcha, onde as regiões expostas cresceram 19%
Algumas iniciativas no Brasil podem inspirar alternativas de prevenção, combate e soluções para as áreas de risco de Porto Alegre, que cresceram 19% nos últimos 10 anos, de acordo com relatório da prefeitura, divulgado no mês passado — o primeiro elaborado desde 2013, quando 119 pontos haviam sido mapeados. Atualmente, são 142, sendo 51 pontos classificados com o grau de risco "muito alto". GZH visitou essas regiões para entender como vivem e o que sentem os moradores desses locais, e ouviu especialistas que destacaram alguns dos exemplos positivos de outros Estados no tema.
Victor Marchezini, pós-doutorando no Natural Hazards Center, da Universidade do Colorado-Boulder (EUA), que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), atua desde 2004 na área de sociologia dos desastres, com olhar voltado para o envolvimento de comunidades locais na prevenção desses episódios. Ele cita o caso da Defesa Civil do Recife, com o Programa Parceria, que fornece projeto, material e orientação técnica para intervenções em áreas planas e morros, enquanto a população entra com a mão de obra.
— O Programa Parceria trabalha com uma relação de confiança entre o poder público municipal e os moradores. Não trabalha com o princípio de realocar os moradores. Envolve avaliações de técnicos, engenheiros e geólogos nas áreas de risco. Existem algumas áreas em que é possível fazer pequenas intervenções para reduzir o risco, cuidar da encosta e evitar que aquela região se deteriore ao longo do tempo. E, consequentemente, permite que o morador tenha um lugar onde morar, que ele não fique em constante deslocamento —explica o também pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
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Marchezini detalha que, durante a visita dos especialistas ao local, a família pode se inscrever no projeto, e a iniciativa pode, inclusive, gerar renda para a comunidade.
— Às vezes, no próprio bairro, já tem os especialistas, a mão de obra do próprio Programa Parceria. Acaba criando-se uma oferta de serviços dessas pessoas que vão trabalhar, que ofertam esse tipo de mão obra — esclarece.
Conforme informações da prefeitura do Recife, as obras concluídas já beneficiaram 2,4 mil famílias, e outras 347 estão em andamento neste ano. Os serviços realizados incluem tratamento de encosta com soluções técnicas de rip rap, tela argamassada e alvenaria armada, além de melhorias de infraestrutura com implantação de acessos, microdrenagem e corrimão, entre outras.
Outra iniciativa citada por Marchezini vem de Minas Gerais, da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), junto à Defesa Civil. Segundo o sociólogo, trata-se de um exemplo possível que se aproxima do que já existe em Porto Alegre: são os Núcleos de Defesa Civil (Nudec), compostos por cidadãos da comunidade que passam por formação e capacitação de voluntários para atuação preventiva em áreas sujeitas a inundação e deslizamento.
— É uma iniciativa que trabalha com os moradores não visando somente as intervenções nas encostas e nas moradias, mas também esse preparo para situações de emergências, de chuvas intensas. É como se atuassem em duas frentes: a de ações de mitigação de risco, chamadas de estruturais, que envolve melhoramento da drenagem urbana e do saneamento básico, como também a ações de mitigação não-estruturais, que são os sistemas de alerta e as ações educativas — explica.
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A medida é uma ação semelhante ao que já está previsto para ser executado em Porto Alegre, com a criação de 17 coordenadorias da Defesa Civil para cada subprefeitura. A barreira é a carência de pessoas no órgão, que precisa passar por uma restruturação (leia a respeito mais abaixo).
O secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária (SMHARF) da Capital, André Machado, e o coordenador da Defesa Civil, coronel Evaldo Rodrigues Júnior, estiveram em Belo Horizonte no início do ano para conhecer ações desenvolvidas pela prefeitura da capital mineira nas áreas de risco geológico.
— Vimos muitas integrações com contenção de região de encostas e escadarias que reduzem o risco de deslizamentos e rolamento de detritos. É uma forma de enfrentar a situação. Trouxemos esse aprendizado de lá como uma solução adequada. Existe a necessidade de engenheiros e técnicos para fazer o levantamento sobre as regiões, mas temos conhecimento de que é mais em conta atuar na mitigação e com investimentos em obras em alguns casos — explica o coronel.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Uma "virtude" de Porto Alegre
Para Marchezini, diferentemente de outros municípios brasileiros, Porto Alegre tem uma prática vista como caminho possível para que prioridades sejam atendidas: o Orçamento Participativo.
— Porto Alegre tem uma virtude que é a iniciativa do Orçamento Participativo. É uma possibilidade interessante o fato de já terem associado as áreas mapeadas, como de risco de inundação e deslizamento, entre outras, a regiões do Orçamento Participativo. Tanto os estudos científicos como as iniciativas de outros municípios, de ONGs, levantam soluções, as pessoas propõem soluções, mas isso esbarra na questão de ter o recurso financeiro para implementar essas ações. O fato de já ter um programa pode facilitar justamente um desafio, que é se organizar para discutir como, onde obter os recursos e decidir sobre isso — diz o pesquisador.
Um dos pontos citados por Marchezini é o problema que atinge o Beco da Morte e tantos outros pontos — a carência de saneamento básico:
— A instabilidade na encosta não é apenas da chuva, mas também das condições do terreno. O investimento em melhorar o saneamento básico nessas regiões pode ajudar a evitar esses vazamentos diretamente na encosta. É uma ação que não está ligada à Defesa Civil, mas que ajuda a ação da Defesa Civil. Ou seja, o Orçamento Participativo, por olhar as demandas daquele bairro, pode facilitar esse tipo de política, que acaba ajudando na solução da moradia, do saneamento básico e na temática de prevenção de desastres.
Como Fortaleza erradicou 24 áreas de risco
Uma ação integrada entre a prefeitura de Fortaleza, o governo do Estado e o governo federal reduziu de 89 para 65 as áreas de risco de deslizamentos, inundações e alagamentos em 10 anos. O dado foi divulgado pela prefeitura em março deste ano. De acordo com o coordenador da Defesa Civil de Fortaleza, coronel Heraldo Pacheco, o trabalho ocorreu em comunidades socioeconomicamente vulneráveis. As intervenções nas áreas focaram na qualificação dos espaços urbanos ou na remoção dos moradores para locais mais seguros.
— Nas comunidades próximas à praia, foram realizadas obras do Projeto Vila do Mar. A maioria das famílias foram transferidas para os residenciais. Além da retirada das pessoas das áreas de risco, houve a urbanização do local onde elas viviam, para não haver possibilidade de construírem novas casas. Houve investimento em drenagem, galerias e bocas de lobos. Também temos uma política de limpeza preventiva de canais e riachos que acontece antes, durante e depois da quadra chuvosa — explica Pacheco.
Segundo o coronel, uma das vantagens para a realização das medidas é Fortaleza ser uma cidade predominantemente plana. Para tornar a capital do Ceará mais segura, o coordenador destaca a integração dos governos:
— Tem que haver integração do governo municipal, estadual e federal. Além de ações como Minha Casa Minha Vida. A construção desses residenciais deve ser planejada próxima ao território onde as pessoas já moram, pois, quando é em um local muito distante, inviabiliza e dificulta a mudança de quem tem toda estrutura socioeconômica naquele lugar.
O uso de tecnologia também tem ajudado, com o monitoramento por câmera. A Defesa Civil conta com 103 equipamentos disponíveis, sendo 35 dentro de 26 áreas de risco (das 65), e outras 68 em "pontos de atenção" — locais fora da da área de risco, mas que têm ligação com a bacia hidrológica que afeta uma área de risco próxima.
— Quando chove, podemos monitorar os locais pelas câmeras para não precisar mandar equipes sem necessidade ou esperar o chamado para fazer esse atendimento — conclui o coordenador.
Capital tem primeiro plano para emergências em 250 anos
Desde o ano passado, Porto Alegre conta com o Plano de Contingências de Proteção e Defesa Civil e o Plano de Ações Emergenciais de Proteção e Defesa Civil em Áreas de Muito Alto Risco. É a primeira vez que a cidade tem um projeto que determine ações emergências para caso de desastres. O documento foi desenvolvido pela Defesa Civil, com os órgãos que compõem a Comissão Permanente de Atuação em Emergências (Copae), e aprovado por meio de decreto.
— De uma forma bem abrangente, o projeto prevê vários cenários e desastres catalogados na tabela Cobrade. O documento prevê também atualizações. Em 2022, começamos a revisitar todos os pontos em Porto Alegre para mapear as áreas de risco e o que mudou nosso cenário, partindo de 119 para 142 áreas — explica o coordenador da Defesa Civil de Porto Alegre, coronel Evaldo Rodrigues Júnior.
Reestruturação da Defesa Civil
Enquanto Fortaleza, que obteve avanços para diminuição de áreas de risco, tem 105 membros na equipe da Defesa Civil, Porto Alegre tem 11 servidores, destaca o coordenador do órgão na capital gaúcha:
— Isso já é de conhecimento do prefeito (Sebastião Melo), e está sendo feito um trabalho para que, nos próximos dias, seja apresentado na Câmara de Vereadores um projeto de lei para a criação do cargo de agente e também solicitando a contratação emergencial desses agentes até a elaboração do concurso público. Também está em análise a possibilidade do retorno da Defesa Civil para o gabinete do prefeito, que hoje está inserida na estrutura da Segurança Pública — explica o coronel Rodrigues Júnior.
Entre as atribuições das defesas civis municipais, estão a gestão de riscos e de desastres, desde a análise e monitoramento de áreas expostas até socorro e atuação em projetos de recuperação. Para o coordenador, um baixo efetivo impacta hoje, principalmente, na resposta.
— Estamos com um certo nível de dificuldade de executar um trabalho de prevenção justamente pela carência de pessoal. Mas, na resposta a emergências, hoje, nós somos mais exigidos e esse número afeta o atendimento da população. Todos são atendidos, mas existe uma demora. Por turno, nas 24 horas, são dois ou três servidores — salienta.
Para a criação das 17 coordenadorias da Defesa Civil para cada subprefeitura, uma das medidas divulgadas para facilitar a comunicação com a população, é preciso suprir a carência desses agentes. A previsão, segundo o coordenador, é de que essa recolocação de servidores ocorra até o final do ano.
— Precisamos desse contato permanente com a população para desenvolver os trabalhos, inclusive atualizar o Plano de Contingências que foi aprovado ano passado, porque temos uma nova realidade das áreas de risco. Também queremos trazer as realidades das 17 regiões de Porto Alegre para dentro desse plano, com ações de prevenção, preparação, mitigação e resposta — diz Rodrigues Júnior.
Integração entre setores
Se hoje a Defesa Civil não consegue suprir a demanda das áreas de risco, a integração com outros setores pode ser uma alternativa possível, conforme o sociólogo Marchezini.
— O setor de Assistência Social e também o da Saúde podem ser envolvidos nessa temática da mitigação de risco nessas áreas. Uma vez que esses setores trabalham quase que diariamente com a população que também reside nessas áreas — defende o pesquisador, acrescentando que mitigação dos riscos atinge, principalmente, habitação e planejamento urbano, assistência social e saúde.
Entenda as tipificações de riscos na Capital
Movimentos de massa
- Corrida de detritos — Ocorre quando, por índices pluviométricos excepcionais, rocha/detrito, misturado com a água, tem comportamento de líquido viscoso, de extenso raio de ação e alto poder destrutivo.
- Deslizamentos — São movimentos rápidos de solo ou rocha, apresentando superfície de ruptura bem definida, de duração relativamente curta, de massas de terreno geralmente bem definidas quanto ao seu volume, cujo centro de gravidade se desloca para baixo e para fora do talude. Frequentemente, os primeiros sinais desses movimentos são a presença de fissuras.
- Queda de blocos — As quedas de blocos são movimentos rápidos e acontecem quando materiais rochosos diversos e de volumes variáveis se destacam de encostas muito íngremes, num movimento tipo queda livre.
- Queda de lascas — As quedas de lascas são movimentos rápidos e acontecem quando fatias delgadas formadas pelos fragmentos de rochas se destacam de encostas muito íngremes, num movimento tipo queda livre.
Hidrológicos
- Alagamento — Extrapolação da capacidade de escoamento de sistemas de drenagem urbana e consequente acúmulo de água em ruas, calçadas ou outras infraestruturas urbanas, em decorrência de precipitações intensas.
- Enxurrada — Escoamento superficial de alta velocidade e energia, provocado por chuvas intensas e concentradas, normalmente em pequenas bacias de relevo acidentado. Caracterizada pela elevação súbita das vazões de determinada drenagem e transbordamento brusco da calha fluvial. Apresenta grande poder destrutivo.
- Inundação — Submersão de áreas fora dos limites normais de um curso de água em zonas que normalmente não se encontram submersas. O transbordamento ocorre de modo gradual, geralmente ocasionado por chuvas prolongadas em áreas de planície.
Erosivos
- Erosão de margem fluvial — Desgaste das encostas dos rios que provoca desmoronamento de barrancos.
Fonte: Tabela de Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade)