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Aedes aegypti

Mosquitos modificados geneticamente são novos aliados para combater a dengue e outras doenças

Novas possibilidades de pesquisa envolvem limitar a reprodução dos insetos e introduzir bactérias nos transmissores de arboviroses

09/05/2023 - 15h24min

Atualizada em: 09/05/2023 - 15h26min


Jhully Costa
Jhully Costa
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Jefferson Botega / Agencia RBS

As 410 mortes e os mais de 1 milhão de casos prováveis de dengue registrados pelo Ministério da Saúde, segundo dados verificados até esta segunda-feira (8), colocam em alerta as autoridades de saúde e mostram a dificuldade persistente para combater a proliferação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti.

Somente no Rio Grande do Sul, foram 20 vítimas fatais e cerca de 12,1 mil contaminações confirmadas. Ainda que os números de 2023 sejam inferiores aos registrados no ano passado, quando o Estado teve 66 mortes e o país teve 1.016 óbitos pela doença, há uma preocupação com o contágio acelerado, o que força pesquisadores a pensarem em novas abordagens. Essas possibilidades envolvem, por exemplo, o desenvolvimento de vacinas, a modificação genética de mosquitos transmissores e a introdução de bactérias nos insetos. 

Em março deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro de um novo imunizante contra a dengue: chamado Qdenga, o produto da empresa japonesa Takeda Pharma Ltda. é destinado a crianças acima de quatro anos, adolescentes e adultos até 60 anos.  Trata-se do primeiro aprovado no Brasil para um público amplo, já que a vacina autorizada anteriormente, Dengvaxia, só pode ser utilizada por pacientes que já tiveram a doença. Além disso, estudos de outros imunizantes contra a dengue estão em andamento no país, contando inclusive com a participação de hospitais do Rio Grande do Sul.

Mosquitos modificados

Enquanto as vacinas não estão disponíveis para toda população, uma solução inovadora se tornou a aposta de algumas empresas e organizações para controlar a doença: os mosquitos modificados. 

Uma das instituições que vem investindo nesta alternativa é a multinacional inglesa Oxitec, que foi fundada na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e desenvolveu uma tecnologia para modificar geneticamente diferentes insetos que transmitem doenças e danificam culturas agrícolas. Entre eles, está o Aedes aegypti.

De acordo com Luciana Medeiros, bióloga coordenadora de Operações de Campo dos Programas de Saúde da Oxitec, os mosquitos machos são modificados e se tornam capazes de limitar a reprodução da própria espécie. Isso porque apresentam a característica autolimitante desenvolvida pela multinacional, que faz com que suas descendentes fêmeas não sobrevivam até a vida adulta — são elas que picam as pessoas e transmitem doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela — e com que os machos herdem a tecnologia e a transmitam para as próximas gerações.

— O pesquisador vislumbrava uma necessidade de controlar pragas de uma maneira mais sustentável, porque se sabe que os insetos têm desenvolvido cada vez mais resistência aos químicos. Então, ele desenvolveu esse mecanismo autolimitante. A ideia é que essa característica se expresse no inseto macho e, após o cruzamento com a fêmea, só sobrevivam os filhotes machos, enquanto as fêmeas morrem em até 48 horas depois que eclodem dos ovos — explica Luciana.

O chamado Aedes do Bem foi o primeiro a ser comercializado pela Oxitec para todo o Brasil, em outubro de 2022 — o lançamento ocorreu um ano antes, mas apenas em São Paulo, onde fica a sede da empresa. A distribuição desses mosquitos é feita a partir das “Caixas do Bem”, dispositivos que contém ovos do Aedes aegypti com característica autolimitante e uma fonte de alimento para que se desenvolvam até a fase adulta.

Conforme Luciana, os mosquitos machos acabam encontrando os criadouros mais escondidos, em que o manejo tradicional, como uso de inseticida e demais ações individuais de prevenção, não consegue ser efetivo. O objetivo, contudo, não é extinguir a espécie, mas diminuir o número de insetos transmissores de doenças circulando:

— O Aedes aegypti está cada vez mais adaptável e resistente, e o Aedes do Bem chega nesse cenário. Ele traz uma esperança de conseguirmos controlar essa situação que vemos, ano a ano, cada vez mais crítica. Por ser um inseto muito distribuído e adaptável, é muito difícil falarmos em extinção, mas se tivermos menos mosquitos, a chance da doença se disseminar e sair do controle é muito menor. Não é uma ferramenta milagrosa, mas é uma maneira de cobrir os lugares que não são atingidos e ter um controle mais eficiente.

Atualmente, a Oxitec disponibiliza duas opções de Caixas do Bem para compra, sendo uma para indústrias, empresas e governos, e outra para residências. A primeira versão, chamada de PRO, é maior, abrange áreas de até cinco mil metros quadrados, e libera em torno de mil mosquitos no ambiente. Já a segunda, a MINI, é menor, mais acessível e recomendada para espaços com cerca de 500 metros quadrados, pois libera de 300 a 400 insetos.

A caixa PRO é de plástico e resiste a longos períodos de sol e chuva. Conta com uma cápsula com ovos do mosquito, que é ativada com água potável. A partir disso, os machos se desenvolvem até a fase adulta e, de 10 a 14 dias, saem voando do dispositivo para o ambiente urbano. O “refil” com os ovos é trocado a cada 28 dias.

— As empresas contratam as caixinhas com nossos distribuidores, que instalam e fazem a manutenção. Uma vez que a caixa é instalada, tem que voltar para trocar o refil em 28 dias, isso garante que a liberação de mosquitos seja constante. O tratamento pode ser contínuo ou por um determinado período, depende da escolha de cada empresa — esclarece Luciana, apontando que a caixa MINI é de papelão e deve ser descartada depois dos 28 dias.

Aedes do Bem em Porto Alegre

No Rio Grande do Sul, uma das instituições que adotou a iniciativa da Oxitec foi a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. No total, foram instaladas 10 Caixas do Bem em cinco pontos estratégicos dos 25 mil metros quadrados do complexo hospitalar (são duas em cada área).

Bruna Trolli, coordenadora da Engenharia Ambiental da Santa Casa, comenta que há um manejo integrado de pragas dentro da instituição e que o hospital avaliou como oportuno implantar os dispositivos no complexo, agregando mais uma medida de prevenção a doenças.

— É uma medida biológica, onde diminuímos a incidência de produtos químicos aqui dentro. Nós trabalhamos com saúde e o manejo integrado, por vezes, requer aplicação de produtos para controle. Contra a dengue, são medidas físicas de combate, como evitar acúmulo de água parada em pontos, e aí surgiu essa medida biológica. Então, entendemos como totalmente pertinente com que trabalhamos, com o nosso conceito de fazer esse gerenciamento aqui dentro — afirma Bruna.

Um técnico da instituição faz o monitoramento e controle das caixas. Os locais para instalação  foram definidos a partir de um mapeamento do complexo, levando em conta a circulação de pessoas, a incidência solar, a melhor posição e melhor área de abrangência. Na avaliação de Bruna, a medida é um investimento positivo para a saúde de quem circula no entorno da área dos hospitais.

— No momento em que estamos protegendo o complexo como um todo, estamos protegendo todas as pessoas que aqui estão e aqui trabalham. A ideia é transformar essa zona em que estamos em uma zona protegida. Essa ação vem como uma nova medida preventiva, para somar com aquilo que já temos de manejo, muito também em função desses surtos de dengue que temos visto — aponta a representante da Santa Casa.

Biofábrica de mosquitos 

No final de março, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou uma nova parceria com o World Mosquito Program (WMP) para expandir o acesso aos mosquitos com a bactéria Wolbachia, que colabora com a redução da incidência de dengue, zika e chikungunya, já que é capaz de bloquear a transmissão desses vírus aos seres humanos durante a picada. No Brasil, o método recebe financiamento do Ministério da Saúde e já está presente em cinco municípios.

De acordo com Luciano Moreira, pesquisador da Fiocruz e líder do WMP no Brasil, a parceria vai possibilitar a construção da maior biofábrica do mundo para a produção de até 5 bilhões de mosquitos com essa bactéria por ano (100 milhões por semana). A expectativa é poder levar o programa para cerca de 70 milhões de habitantes em diferentes cidades brasileiras nos próximos 10 anos.

Atualmente, a produção dos mosquitos é feita em duas biofábricas pequenas. O investimento para a construção e operação da biofábrica será de R$ 100 milhões, com recursos do WMP e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP).

— Ainda não tem local definido, mas a previsão é que comece a operar em meados do ano que vem. Um diferencial é que terá equipamentos automatizados para que possamos produzir esse mosquito em larga escala. Hoje, essa produção é manual. Com a biofábrica, teremos capacidade de produzir 10 vezes mais do que atualmente e, assim, conseguiremos atender um maior número de municípios — diz Moreira.

O pesquisador esclarece que a bactéria é introduzida nos mosquitos e transmitida pelas fêmeas para todos seus ovos — assim, vai passando de geração em geração. A Wolbachia é encontrada naturalmente em cerca de 50% de todas as diferentes espécies de insetos:

— É um método natural, os mosquitos não são geneticamente modificados, nem a bactéria. Ela é muito comum na natureza e é inserida no ovo do Aedes aegypti, que não a tem naturalmente. Os mosquitos vão se multiplicando e vão passando a Wolbachia para seus descendentes. Assim, com o tempo, vamos ter uma proporção aumentada de mosquitos com a bactéria. As fêmeas não vão transmitir os vírus, é como se elas estivessem vacinadas e imunes.

Após serem produzidos nas biofábricas, os mosquitos são liberados na área urbana já adultos ou enquanto ainda são ovos. Dentro do programa, a liberação é feita uma vez por semana e a quantidade de insetos depende do tamanho da população que vive naquele local.

— Vejo o método agregando novas tecnologias no controle das arboviroses, mas é importante cada um continuar fazendo seu dever de casa, retirando os criadouros e fazendo uso racional de inseticida quando necessário. São várias estratégias que devem ser utilizadas em conjunto para conseguir reduzir o problema — finaliza o pesquisador.

O dever citado por Moreira passa pelas recomendações históricas, ainda fundamentais para o combate à dengue. Entre as orientações, estão evitar o acúmulo de água em caixas d’água, tonéis, vasos de plantas, garrafas, calhas, pneus e recipientes de plástico. 


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