Moradia
Alternativa para famílias deixarem áreas de risco, Aluguel Social é desafio de convencimento à prefeitura de Porto Alegre
Quatro casas foram destruídas na Travessa São Luís, na Zona Leste, após deslizamento; Demhab faz ação presencial de conscientização e orientação para que moradores saiam do local
Há um mês, moradores da Travessa São Luís, no Morro da Cruz, em Porto Alegre, viveram instantes de terror. Um deslizamento na encosta do morro causou a queda de uma árvore de grande porte em cima de quatro casas. O ponto é uma das 142 áreas de risco na Capital, conforme o documento elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil (CRMP). No relatório, a São Luís estava classificada como de "alto" risco para desastres naturais. Após o incidente no mês passado, a classificação de risco foi alterada para "muito alto" pela equipe de engenharia do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
No final de maio, a prefeitura da Capital deu início a uma força-tarefa, envolvendo diversas secretarias, para notificar famílias que vivem na travessa e arredores, a partir da conscientização de que hoje a comunidade vive em uma área com algum tipo de risco, seja hidrológico ou geológico. Na segunda-feira (5), GZH acompanhou uma ação do Demhab na região.
— Viemos para entrevistar as famílias que estão em situação de extremo risco à vida na Travessa São Luís e também a parte de cima do morro. São 27 famílias, mas teremos certeza do número quando terminarmos o cadastramento. Na primeira abordagem, todas as famílias foram notificadas ou pessoalmente ou por baixo da porta. Hoje (segunda-feira), retornamos para comunicar os ausentes, conscientizando de que não podem permanecer no local, em vista da previsão de chuva e do risco de deslizamentos e desmoronamentos — explica a diretora de Projetos Sociais e Cooperativismo do Demhab, Leonara Tonetto.
Alternativa para essa população, o Aluguel Social é um benefício mensal concedido pela prefeitura para atender famílias que se encontram em áreas de risco devidamente comprovadas, entre outras situações. Atualmente, o valor oferecido pelo programa é de R$ 600 e o contrato pode ser feito com até dois anos de duração, com possibilidade de ser renovado sem prazo ou até o encaminhamento da solução habitacional definitiva.
— Essas famílias identificadas são orientadas a prosseguir para o atendimento do Aluguel Social até que consigam uma alternativa habitacional definitiva — complementa Leonara.
De porta em porta, as equipes do departamento apresentavam o Aluguel Social e instruíam como oficializar o processo a partir do preenchimento do cadastro e entrega de documentações. Conforme Leonara, a ação também estava verificando o número de famílias resistentes à ideia de sair do local.
À espera do benefício
Uma das casas destruídas pela árvore que caiu na travessa foi a da autônoma Patrícia Castro, 44 anos, moradora do local há 20 anos. Ela estava em casa com a mãe, Edite Castro, 64, que já estava deitada.
— Quando caiu, caiu tudo de uma vez só. A parede caiu em cima das minhas pernas e os vizinhos tiveram que me ajudar. A mãe estava deitada, e a sorte dela é que a árvore caiu do lado da cama. Ela ainda conseguiu sair sozinha — relembra Patrícia, que atualmente mora em uma peça emprestada por parentes.
Dos itens que ela conseguiu salvar, estão a geladeira e o fogão, além de documentos e algumas roupas.
— O resto, quebrou tudo. Olhar tudo perdido, o trabalho de uma vida, é uma tristeza. Recém tinha colocado um telhado novo com empréstimo consignado do Bolsa Família — conta a moradora.
Ao lado da casa de Patrícia, morava o aposentado Aldo Marteganha, 69 anos, que escapou com vida por pouco. No local, ainda é possível ver a cama do idoso totalmente quebrada embaixo do tronco da árvore e entre escombros do que sobrou. Parte dos galhos foi retirada para facilitar o acesso nas casas. Aldo estava deitado quando, em instantes, viu tudo desabar.
— Escapei porque tinha que escapar. Quando fui me levantar, dei de cara com um monte de galhos, tudo escuro. Mas vocês não fazem ideia do que foi. É uma benção ter saído vivo — diz o idoso, que morou na casa por 18 anos.
Ele morava com o irmão na residência, e os dois conseguiram sair do local com auxílio dos vizinhos que usaram lanternas de celulares. Atualmente, moram em uma casa próxima, que foi cedida pela filha de Aldo.
Patrícia e Aldo aguardam o Aluguel Social para virar a página em outro lar.
Incerteza e recusa
Maria Eduarda Pereira da Cruz, 21 anos, mora ao lado do conjunto de casas atingidas. Ela não estava quando a árvore tombou. A estrutura da residência onde vive de aluguel com o namorado também foi atingida na parte dos fundos, mas sem tanta gravidade como foi nas dos vizinhos. A jovem, que mora na travessa há mais de um ano, demonstra interesse pelo Aluguel Social e admite que, antes do incidente, já queria sair do local:
— Não tem como ficar aqui, não adianta arriscar. A gente já estava tentado ver outro lugar, mas é difícil conseguir uma casa onde os donos aceitem cachorro. Mas vou tentar.
Apesar de demonstrar entendimento sobre os riscos, o mestre de obras Jureni Figueiredo Rodrigues, 53, prefere permanecer na residência construída por ele há 16 anos. No pátio, Jureni cria um cavalo. Ele foi um dos moradores abordados durante a ação da prefeitura na segunda-feira.
— Peguei o contato (do setor do Aluguel Social) só por pegar. No aluguel, posso sair prejudicado tendo que arcar com outros custos que aqui não tenho. É meu — diz o morador.
Sensibilização sobre perigo
No novo mapeamento e reclassificação da São Luís, a equipe do Demhab contabilizou 63 imóveis. Conforme o engenheiro civil do departamento, Rodrigo Fabiano Montemezzo, do total das casas na região, entre 27 e 30 delas estão em mais alto risco no espaço, e são nessas que as equipes abordam os moradores.
— A CPRM classificou essa área como alto risco, mas não estava entre as prioridades (grupo com maior risco). Quando a árvore caiu, ela deslocou uma parte do talude e aumentou muito mais o risco, ainda mais das casas que estão na beirada — explica o engenheiro.
Vamos seguir neste trabalho de convencimento das famílias sobre a necessidade de sair daquela área. Temos uma previsão de cem milímetros de chuva por um período de sete a oito dias, que não é uma chuva intensa, mas constante, o que pode colocar as pessoas em uma situação maior de risco.
ANDRÉ MACHADO
Secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária
De acordo com o secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária (SMHARF), André Machado, oferecer o Aluguel Social para as famílias da São Luís é o primeiro movimento do Demhab na direção de proteger as vidas dos moradores.
— Vamos seguir neste trabalho de convencimento das famílias sobre a necessidade de sair daquela área. Temos uma previsão de cem milímetros de chuva por um período de sete a oito dias, que não é uma chuva intensa, mas constante, o que pode colocar as pessoas em uma situação maior de risco. Então, pensando nisso, estamos agindo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) para eventuais necessidades de moradias — comenta Machado.
Segundo o secretário, a orientação para os moradores é sair do local e, em caso de o morador não conseguir a casa para alugar e obter o Aluguel Social, ele tenha a alternativa de uma solução provisória encaminhada pela SMDS.
Além da conscientização do risco, a equipe elabora ideias sobre a reutilização do espaço para outros fins comunitários.
— Na área impactada é preciso fazer uma intervenção urbana para que a comunidade não venha reocupar, que é de muito alto risco. A tendência é de que as pessoas retornem. Por isso, estamos trabalhando com a comunidade para pensar numa área de lazer, como uma horta, para eles utilizarem esse espaço. Teremos o apoio de parceiros e universidades para montar esse espaço — completa a engenheira ambiental e sanitária Patrícia Antunes Russo, da Equipe de Gestão e Educação Ambiental do Demhab.