Preservação
Da coleta de tampinhas ao consumo consciente: iniciativas que reduzem os impactos ambientais de atitudes cotidianas
Dia Mundial do Meio Ambiente é celebrado nesta segunda-feira (5)
Como encontrar soluções para combater a poluição plástica no mundo? Essa pergunta é uma das propostas de debate no Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta segunda-feira (5). A data foi estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1972 e fomenta ações globais e conscientização para o meio ambiente.
O dia tem um lema novo a cada ano; em 2023 o mote é destino do plástico - #CombataAPoluiçãoPlástica é a hashtag nas redes sociais -, para promover ações concretas e engajar governos, empresas e pessoas. Este ano, a Costa do Marfim sediará as comemorações da data.
Especialistas dizem que o uso racional do plástico é base para a preservação do meio ambiente. Isso, porém, demanda iniciativas individuais e coletivas sobre consumir produtos apenas quando necessário e reciclar resíduos em um ciclo de reaproveitamento.
Modelo de sustentabilidade
A busca por dar destinação correta ao plástico motivou a criação do Tampinha Legal, uma iniciativa do Instituto SustenPlást com o apoio do Movimento Plástico Transforma.
O trabalho começou em Porto Alegre há seis anos e foi expandido para outros oito Estados brasileiros. Até o momento, foram 643 milhões de unidades de tampas plásticas coletadas. O programa ultrapassou mil toneladas de plástico, volume que gerou R$ 2,8 milhões.
— Nós escolhemos a tampa plástica porque o recolhimento é fácil. Ela é um símbolo: com a menor parte de uma embalagem conseguimos atingir quase R$ 3 milhões. Imagina se isso (a reciclagem) fosse feita com todos os outros resíduos — comenta Simara Souza, gerente do Instituto SustenPlást.
O valor obtido com a venda dos materiais reciclados foi destinado a 326 entidades assistenciais participantes do Tampinha Legal. O programa tem 3,2 mil pontos de coleta, distribuídos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Alagoas, Pernambuco, Goiás, Distrito Federal e Bahia. Participam do programa organizações do terceiro setor como ONGs, escolas, asilos e hospitais. Os participantes recebem e separam as tampinhas por cor e enviam a coleta a um depósito do programa, que é o responsável pela comercialização.
— O material se valoriza quando separamos por cores. Tampas vermelhas vão se transformar em um artefato plástico vermelho, como uma vassoura. As verdes viram uma pá verde, as tampas da cor azul se transformam em um balde azul. Isso porque 100% dos plásticos são recicláveis — explica Simara.
As entidades recebem o valor proporcional à arrecadação obtida com os materiais. O dinheiro é disponibilizado em até sete dias e ajuda a custear o funcionamento das entidades. Simara comenta que o modelo adotado no programa é de economia circular. Esse conceito busca integrar o melhor uso de recursos naturais ao desenvolvimento econômico. Para que isso funcione, adota modelos que exigem menor dependência de matéria-prima virgem, ou seja, o foco é reciclar o que já foi produzido.
— O Tampinha Legal não é um projeto, não é uma coleta simples de tampa plástica. Nosso caráter é educativo, para que as pessoas entendam que fazer a diferença é muito fácil. Não precisa um esforço hercúleo. É uma coisa simples, que todos nós precisamos fazer ao mesmo tempo para termos resultado — acrescenta a gerente do Instituto SustenPlást.
Importância da educação
Dados da ONU indicam que mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente em todo o mundo. Do montante, metade é projetada para ser usada apenas uma vez e menos de 10% é reciclado. A entidade global estima que de 19 a 23 milhões de toneladas do material tenham como destino lagos, rios e mares por ano.
— Em parte é porque a política de embalagens da indústria tem preocupação em proteger e tornar o produto desejável ao consumidor. Então maximiza o tamanho da embalagem, às vezes de forma desproporcional ao que tem dentro (o produto), para tornar aquele produto mais atrativo para a venda — comenta Nelson Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente (IMA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O resumo é que mais plástico é produzido sem necessidade prática, mas para "agradar" o consumidor. Para resolver isso, segundo Fontoura, é preciso atuar em duas frentes. A primeira: o poder público regulamentar melhor a política de embalagens, para que elas tenham apenas os itens e o tamanho necessários para que o produto seja comercializado.
A segunda demanda é trabalhar em educação ambiental na sociedade desde os primeiros anos de vida da pessoa. Isso porque reciclar resíduos não é um hábito que deva ser desvinculado do uso consciente de mercadorias, algo que, para o especialista, não ocorre hoje. Como exemplo, cita que ações individuais podem ter impacto na conservação do meio ambiente.
— Trocamos produtos que estão em plena condição de uso. A regra tem que ser consumir quando é efetivamente preciso. Mas, feito o consumo, temos de dar destino adequado aos produtos, às embalagens, reciclar sempre que é possível. A etapa inicial do processo é não consumir sem necessidade, e não a reciclagem. Se estamos preocupados em sustentabilidade do ponto de vista individual, temos de pensar em consumir menos — diz.
Plástico não é um problema
Eduardo Torres, consultor ambiental com quase 50 anos de experiência em assuntos relacionados ao meio ambiente, faz um contraponto à ideia de definir o plástico como um “vilão”, um poluidor da natureza. Por isso, questionado sobre o que o material oferece de prejuízos ao planeta, ele primeiro cita os benefícios:
— Imagina se tivéssemos de produzir algodão para vestir todo mundo, e não usar fibra sintética. Tem também a questão do preço. É muito mais barato comprar uma roupa de fio sintético do que fazer uma de lã, por exemplo. O plástico tem um benefício grande, que é a substituição de materiais naturais: se não fosse isso, teríamos de ter muito mais áreas cultiváveis.
Nesse contexto, o prejuízo do uso do material é a destinação, o descarte inadequado. Conforme o especialista, Porto Alegre é um exemplo da pouca reciclagem frente ao que é coletado. Conforme a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSURB), cerca de 46,7 toneladas diárias de lixo seco são coletadas por dia na Capital. Isso representa cerca de um quinto do potencial da cidade, que poderia reciclar até 250 toneladas diariamente.
A pouco reciclagem observada na Capital é também um drama brasileiro. Estima-se que o índice de reciclagem no Brasil seja de 4%, segundo dados de 2022 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
O percentual é inferior mesmo a países em desenvolvimento como Argentina, África do Sul e Turquia, que apresentam média de 16% de reciclagem, conforme dados da International Solid Waste Association (ISWA). A comparação da situação nacional com os países desenvolvidos é ainda pior: a Alemanha, por exemplo, recicla 67% de todos os materiais que podem ter esse fim, segundo a Abrelpe.
— O plástico não tem perna para caminhar até o mar. Nós é que estamos botando ele lá. Uma das frases mais errôneas que eu já vi na minha vida é que lixo é problema da prefeitura. Não, é problema de todos nós, temos culpa de não atuar de forma adequada — acrescenta Torres.