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"Não sou criminosa", diz mulher que adotou gambá apreendido em Montenegro; polícia investiga maus-tratos

Animal “tem” mais de 150 mil seguidores nas redes sociais

15/06/2023 - 09h36min

Atualizada em: 15/06/2023 - 09h45min


Vinicius Coimbra
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Jhully Costa
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Schanacris Braga / Arquivo pessoal
Animal silvestre foi adotado pela fotógrafa Schanacris Braga, de 37 anos

A adoção de um animal silvestre virou caso de polícia em Montenegro, no Vale do Caí. Um gambá batizado de Emílio e com mais de 150 mil seguidores nas redes sociais foi apreendido em ação policial no último dia 6. Ele estava há um ano e sete meses na residência da fotógrafa Schanacris Braga, 37 anos, que o adotou ainda filhote.

A apreensão do animal ocorreu após uma denúncia anônima. Polícia Civil (PC) e a Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram) de Montenegro participaram da ação. Conforme a PC, Schanacris é investigada por maus-tratos e por manter um animal silvestre em casa sem autorização. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirma que o gambá estava obeso. O animal está sob responsabilidade da autarquia federal em Porto Alegre.

Após a apreensão, a fotógrafa ingressou na Justiça com um mandado de segurança para ter o animal de volta. A moradora de Montenegro diz ter entrado em contato com a patrulha ambiental quando encontrou o gambá no pátio de casa. 

— Ele estava machucado, quase morto. Liguei para a Patram de Montenegro, pedi ajuda, falaram que não iam fazer nada. Não poderia pegar um filhote e jogá-lo no mato de volta. Dei alimentação, ele foi cuidado e amado. Não sou traficante (de animais). Minha cidade está toda ao meu lado — diz Schanacris.

O tenente-coronel Rodrigo Gonçalves dos Santos, comandante do Comando Ambiental da BM, diz que a patrulha ambiental desconhecia o chamado alegado e que o relato de Schanacris não é a postura adotada pelos policiais:

— Em uma situação como essa, nosso protocolo é o encaminhamento do animal para um centro de triagem de animais silvestres. Não sabemos quando ela falou com a patrulha ambiental. Nós não sabíamos dessa situação.

Milhares de seguidores

Schanacris compartilhava a rotina de Emílio nas redes sociais: são mais de 150 mil seguidores no Tik Tok. O vídeo no qual é relatada a apreensão do animal tem 925 mil visualizações. Ela conta que decidiu criar os perfis como um meio para divulgar informações.

— Há muito preconceito sobre eles (gambás), são mortos a pauladas. Comecei a fazer vídeos para mostrar que são lindos, fofinhos, não fedem — resume.

Schanacris diz que a alimentação do animal tinha como base rações de gato e cachorro, ovos cozidos e frutas, dieta que foi indicada por uma veterinária. Segundo ela, as refeições eram controladas pelo fato de o animal não caçar e ter uma rotina de pouca interação com pets da casa. Isso, segundo ela, fazia com que ele fosse “gordinho”.

— É normal (sobrepeso) quando é bem cuidado. Ele ficava solto entre a casa e o pátio, mas gostava mesmo de ficar na caminha dele, dava uma caminhadinha, tinha uma vida solitária, não interagia com outras pessoas a não ser comigo e meu marido — afirma.

Uma petição para que o animal seja devolvido à moradora de Montenegro já recebeu 2,6 mil assinaturas. Schanacris diz que tem tentado reaver o gambá “por todos os meios legais”:

— Se querem ficar com ele, que fiquem: só me deixem vê-lo, por consideração por quem o salvou e criou. Não sou criminosa. Se errei em alguma coisa, foi por ser leiga, na inocência, não por maldade. Nunca ganhei dinheiro com ele. Espero que tenham um pouquinho de empatia.

O que dizem as autoridades

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estabelece quais animais podem ser domesticados sem precisar da autorização do órgão. A lista tem 49 espécies; o gambá não está entre elas. Veja aqui a lista completa.

Após o resgate, Emílio foi levado para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Porto Alegre, uma unidade de recebimento de animais do Ibama.

— Ele está em obesidade mórbida, não consegue fazer um caminhar minimamente normal. Ele já tem problemas de quadris pelo excesso de peso. Está de dois a três vezes maior do que é normalmente o peso desse animal. Provavelmente está diabético — disse Paulo Wagner, chefe do Cetas, ao G1.

Conforme a Polícia Civil, a situação verificada no dia da apreensão configura crime ambiental pelo fato de a moradora manter em casa um animal silvestre sem autorização legal. Por isso, um termo circunstanciado foi confeccionado no dia da ação policial.

No momento, o inquérito espera um laudo para atestar se o gambá foi vítima de maus-tratos. Essa avaliação será feita pelo Projeto Preservas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas não há um prazo para conclusão do trabalho.

— Há a possibilidade de ter animal silvestre em casa, sim, mas tem que ter uma autorização, precisa ser obtido de um criador específico, autorizado pelos órgãos de fiscalização. Se a pessoa localizar um animal silvestre, ela não tem que levar para casa: não é um pet, não é animal de estimação como um cachorro ou um gato — esclarece a delegada Samieh Saleh, titular da Delegacia do Meio Ambiente (Dema), que investiga o episódio.

A delegada conta que o caso foi informado por meio de uma denúncia anônima. Os agentes iniciaram diligências nos perfis mantidos pela moradora de Montenegro, acompanharam postagens e transmissões ao vivo feitas nas redes sociais. Segundo Samieh, a situação é similar ao do caso Filó, uma capivara tratada como animal de estimação no interior do Amazonas.

O influenciador Agenor Tupinambá foi multado em R$ 17 mil com base no decreto 6.514/2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998), por práticas relacionadas à exploração indevida de animais silvestres para a geração de conteúdo em redes sociais. A multa, nesses casos, é de R$ 5 mil a R$ 500 mil. Agenor Tupinambá, porém, conseguiu decisão judicial favorável e obteve a guarda da capivara.

— A diferença é que a capivara estava livre. O gambá ficava trancado dentro da residência da suspeita. O mais grave é a utilização desse animal nas redes sociais. Ela (Schanacris) tem mais de 150 mil seguidores no Tik Tok e fazia inúmeras lives mostrando o animal, incentivando que outras pessoas pegassem animais silvestres, mantivessem nas suas residências, ou seja, ela incentivava que outras pessoas cometessem crimes — conclui a delegada.


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