Eu Sou do Samba
Odir Ferreira, a voz oficial do Carnaval de Porto Alegre, relembra histórias da carreira
Colunista Alexandre Rodrigues escreve sobre Carnaval e samba todas as sextas-feiras
Quem já assistiu aos desfiles das escolas de samba de Porto Alegre no Complexo Cultural do Porto Seco certamente conhece Odir Ferreira, 69 anos. Tenho provas: é dele o vozeirão que enche a avenida anunciando a entrada de cada uma das agremiações, com o já clássico “aí vem”. Impossível não lembrar!
Formado em Administração de Empresas, Odir enveredou naturalmente para a área da comunicação, um sonho desde pequeno. Seu extenso currículo inclui passagens por rádios como Globo, Itaí, Princesa, Metrô FM, Bandeirantes, Gaúcha, Caiçara, entre tantas outras. Apesar de fazer reportagens policiais, esportivas e políticas, era nas transmissões carnavalescas que ele dava o nome, ao lado de figuras emblemáticas do radialismo gaúcho. Foi assim que também se tornou um personagem de muito prestígio. Conhecido como a voz oficial do Carnaval de Porto Alegre, garante que o ofício lhe dá um gás especial:
— Embora eu vá fazer 70 anos agora em setembro, me sinto uma criança na avenida.
Odir Ferreira abriu o baú de memórias neste bate-papo com Eu Sou do Samba. As lembranças, certamente, dariam um livro. Fiquem com alguns fragmentos importantes desta linda história.
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Infância marcada pelo som do sopapo
Das lembranças de quando era criança, Odir guarda com carinho as idas com a mãe e o irmão aos desfiles na Avenida Borges de Medeiros. Ele também afirma que a sonoridade de alguns instrumentos foram parte fundamental para a construção de suas memórias afetivas:
— A primeira casa onde eu residi foi no Mont’Serrat, que era um bairro de classe pobre aqui de Porto Alegre. Pertinho de onde a gente morava, ficava a quadra da Fidalgos e Aristocratas, e eu costumava ouvir o som do sopapo (instrumento musical). Quando eu ia para a minha avó, escutava os atabaques da casa do Pai Joãozinho do Bará. Acabei seguindo a religião umbandista, e virei um apaixonado por Carnaval. Depois, fui morar no Jardim Botânico (chamado, na época, de Vila São Luís), onde na frente da minha casa tinham pessoas vinculadas a tribo carnavalesca Os Tapuias, e eu me afeiçoei ainda mais por esse mundo.
Sempre teve na voz o seu maior dom
Fã das transmissões da Rádio Gaúcha, um dos principais divertimentos de Odir, aos 14 anos, era pegar objetos para fazer de microfone e fingir que estava narrando. No entanto, ele nunca havia percebido que tinha voz para o rádio. Isso até falar pela primeira vez em um microfone de verdade.
— Nos anos 1970, eu trabalhava como bancário, mas gostava de fugir para acompanhar as transmissões ao vivo. Era época de ditadura e as rádios costumavam transmitir eventos miliares como o desfile de 7 de setembro, o acendimento do Fogo Simbólico da Pátria na Redenção… Num desses, eu fui olhar o Ony Nogueira, que era da Rádio Capital, trabalhando ao vivo. Onde ele ia, eu ia atrás. Em certo momento, o Ony disse pra mim: ‘Companheirinho, me ajuda aqui. Bota o microfone na banda enquanto eu vou narrar o que está acontecendo’. Vibrei de alegria! Uma hora que ele não viu, falei no microfone: ‘Esta é a Rede Capital de Comunicação falando de Porto Alegre’. O Ony ouviu aquilo assustado, e me disse: ‘Tu não pode falar, tu não é habilitado’. Essa foi a primeira vez que falei ao microfone tentando ser profissional – recorda.
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Início promissor
O sonho de ser radialista, a partir daí, foi perseguido com afinco:
— Fiz o curso, me formei e peguei o registro. Quem me deu a primeira oportunidade como profissional foi um grande amigo chamado Adelmo Moraes, ídolo da Rádio Itaí no tempo em que FM ainda não existia. O que eu fazia: pegava notícias durante o dia e levava para falar no programa da noite como repórter. Passei dois anos na Itaí. Depois, em 1985, fui para a Rádio Princesa, onde fiz a primeira transmissão ao vivo — de verdade mesmo — do Carnaval. Foi um nervosismo só. Imagina: o Roxo (Carlos Alberto Barcellos, falecido em 1989, personagem que dá nome à passarela do Porto Seco) comandava a equipe. Comecei e deslanchei, até passar a ancorar as transmissões. Eu tive programas na Rádio Princesa que eram copiados nacionalmente. Cheguei a ser segundo lugar no Ibope.
Carnaval de Porto Alegre
Mesmo aposentado como radialista, desde 2012, Odir segue usando sua voz para anunciar com potência a entrada das escolas de samba no Porto Seco. O título de voz oficial do Carnaval de Porto Alegre vem de longa data. Foram três períodos diferentes: de 1995 a 2000, ainda na Avenida Augusto de Carvalho, no Centro; de 2013 a 2017, já no Porto Seco, logo após o falecimento de Nelson Marconi (que era, também, comunicador da Rádio Farroupilha); e de 2021 até hoje. A primeira voz que ecoou no sambódromo do Porto Seco, inclusive, foi a dele.
— Eu testei o som da avenida, mesmo sem ser, na época, o locutor oficial. O coordenador disse: ‘Odir, testa o som’. Fui pra cabine, testei o som e larguei o primeiro samba que rodou no Porto Seco. Foi o samba do Joaquim Lucena em homenagem às escolas de samba de Porto Alegre — orgulha-se.
Sobre o Carnaval da Capital gaúcha, inclusive, ressalta um grande diferencial:
— Porto Alegre tem o Carnaval da família. Tu vê as famílias na avenida. Isso é muito bonito, é o que me contagia.
Uma coisa é certa: se afastar do que considera ser uma de suas maiores paixões não está nos planos.
— Largar o Carnaval? Nunca. Enquanto me quiserem, eu continuo — garante.
“O Abre Alas”
Em 2021, a convite da diretora do portal Carnaval Enfoco, Fatima Oliveira, de quem é muito amigo, Odir passou a ancorar o programa O Abre Alas. Ao vivo todos os domingos, das 20h30min às 22h30min, por meio do Facebook, YouTube e Twitter, o bate-papo virtual é sucesso.
— É um programa que eu levo muito a sério, pois, ao longo da minha vida, conquistei uma credibilidade junto ao povo do Carnaval. Todo mundo que a gente entrevista é protagonista do espetáculo. Então, não posso falhar — ressalta.