PORTO ALEGRE
Justiça autoriza prefeitura a demolir residências e retomar retirada de moradores de comunidade na Zona Norte
Processo havia iniciado no dia 13, mas estava suspenso após pressão de quilombolas que reivindicam a permanência na Vila Caddie
Uma decisão judicial permite que a prefeitura retome o processo de remoção dos moradores que acordaram em sair da Vila Caddie, na zona norte de Porto Alegre. Parte da comunidade negocia com o município a saída da área localizada entre as avenidas Nilo Peçanha e Frei Caneca, no bairro Boa Vista, cumprindo decisão que exige o reassentamento de todos os moradores.
Algumas pessoas, no entanto, aguardam o reconhecimento do território como quilombola — espaço ocupado por descendentes de pessoas que resistiram à escravidão — e se recusam a deixar a área, bem como criticam o movimento da prefeitura. O processo tramita no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Caso for reconhecido, o município fica impedido de negociar a área.
As primeiras quatro famílias deixaram a comunidade no último dia 13, após o pagamento de uma indenização de R$ 180 mil. No mesmo dia o município iniciou o processo de demolição das residências esvaziadas. Duas casas já haviam sido derrubadas. No lugar onde vive essa população, a prefeitura pretende criar uma rua e um espaço verde, que seriam construídos com os recursos de uma empresa responsável por um negócio ao lado.
No entanto, representantes quilombolas passaram a questionar a prefeitura sobre a legalidade da ação. O prefeito Sebastião Melo decidiu suspender as operações enquanto não houvesse um aval da justiça.
Pela decisão que saiu na noite de quinta-feira (23), assinada pelo juiz Fernando Carlos Tomasi Diniz, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, fica autorizado o uso de força policial para o processo, caso necessário. Ainda não há data para a retomada da operação de retirada.
Ao menos outras sete famílias já aceitaram deixar a área. Outras seguem negociando, com a mediação da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.
Na mesma decisão, o juiz negou o pedido da Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao governo federal que deu o primeiro passo para o reconhecimento da Vila Caddie como comunidade quilombola e pleiteava que a ação fosse remetida para a Justiça Federal.
“O processo tramita há mais de dez anos. Exatamente na fase em que a situação fática começa a mudar, para melhor, com as irregularidades ambientais e de moradia sendo sanadas pelo poder público, remeter o feito para a Justiça Federal representará um inaceitável retrocesso”, coloca o magistrado. Segundo ele, as negociações que estão em andamento seriam paralisadas caso a ação passasse a tramitar em uma instância superior.
Contraponto
Em resposta à decisão que permite a retirada das famílias que receberam a indenização, o advogado que representa o movimento quilombola da Caddie, Onir de Araújo, argumenta que o acordo firmado pelas famílias é "ilegal" e que estaria ligado ao termo que permitiria a construção de uma rua no lugar da comunidade.
— Existe um processo em aberto e que até o momento só está presente a assinatura do procurador do município. Inclusive, esse termo de conversão de área pública (TCAP) ao contrário do que vem sendo informado pela prefeitura, pela Defensoria Pública Estadual, essas acordos individuais estão vinculados a esse termo — afirma.
A PGM garante que o termo está assinado e aplicado de forma legal.
A comunidade quilombola solicitou ainda ao Ministério Público Federal (MPF) que ingressasse com um pedido para suspender as negociações enquanto o processo de reconhecimento estivesse em tramitação. Segundo Araújo, uma petição semelhante havia sido feita pelo Ministério Público em 2022.