Solidariedade
De crianças a idosos, cartas de Natal revelam simplicidade e emoção de acolhidos por instituições da Capital
Entidades veem pedidos serem atendidos por uma onda de solidariedade, mas há espaço para mais doações
Se você tivesse a oportunidade de escrever uma carta ao Papai Noel, o que endereçaria ao bom velhinho? À medida que o Natal se aproxima, a pilha de recados aumenta com os pedidos mais variados. Os remetentes? Pessoas de todas as idades. Muitas delas, acolhidas por instituições de Porto Alegre.
Localizada no bairro Cidade Baixa, a Fundação Pão dos Pobres distribuiu cerca de 500 cartas escritas neste ano por crianças e adolescentes carentes. Lançada em 7 de novembro, a campanha teve a meta alcançada, pois todas as cartinhas foram adotadas.
"Eu desejo paz, amor e feliz ano novo. Meu sonho é ganhar cartinhas de Pokémon, massinha de modelar e, se for possível e o senhor também quiser, ficaria feliz ganhando carrinho Hot Wheels", escreveu um menino de 10 anos.
"Eu gostaria de um kit de maquiagem por favor. Se conseguir esse kit ou umas miçangas coloridas ou pedras de energia, ametista, uma turmalina negra. Eu ficaria muito, feliz de verdade, se isso se realizar", pediu adolescente de 15 anos.
"Um tênis bem bonito, pois não tenho. Uma chuteira, pois sou o único que não tem. Uma ursinha para a minha irmã", foi o pedido de um menino de 9 anos.
Quem visita o Pão dos Pobres tem a oportunidade de encontrar uma grande pilha de presentes junto das cartinhas. São embalagens de todos os tamanhos, que atendem grandes expectativas.
— É uma oportunidade que eles têm de colocar nas cartinhas os seus desejos, os seus sonhos, algo que gostariam de ter, mas que muitas vezes as famílias não têm condições de atender essa necessidade. Ali, eles colocam desde mochila a kit escolar, jogo completo de canetinhas ou lápis de cor, um caderno diferente, um tênis, um óculos, uma cesta de doces. Os pedidos são bem variados, de acordo com a idade ou o que estão curtindo no momento, na fase em que eles estão — relata a coordenadora da Fundação Pão dos Pobres, Natalia Martins.
O Juan Gabriel estuda de manhã e passa as tardes na fundação. O contraturno escolar é oferecido o ano inteiro através de uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Em entrevista ao Diário Gaúcho, o menino de 11 anos disse que gosta bastante do lugar, onde costuma jogar futebol com os amigos.
Nesta edição da campanha natalina, ele fez um pedido singelo, mas cheio de significado:
"Querido Papai Noel, se não for pedir muito, quero te pedir neste natal um tênis preto e branco porque só tenho dois em casa, um fone de ouvido porque gosto de escutar música e um relógio porque quero dar para minha vó. Ela significa muito pra mim. E, se não conseguir me dar os três presentes, por favor, dá pelo menos o relógio. Feliz Natal!"
Juan ainda não sabe - e espero que a surpresa seja mantida - que ele está com o presente garantido. Aliás, não só o dele, o de uma pessoa que ele ama muito também.
Passando os olhos pelas cartinhas, é possível identificar os ursos de pelúcia como um dos presentes mais requisitados da criançada. Guloseimas, como balas e chocolates, aparecem nas pequenas listas. Mas, em meio a tantas mensagens, existem aquelas capazes de tocar o coração não só do Papai Noel, mas de muita gente.
"Se fosse para pedir uma vida feliz eu pediria porque só quero o bem da minha família, mas vou pedir uma bola de vôlei (só isso). Eu acho que tenho quase tudo o que preciso, só quero que minha vida mude completamente", menino de 13 anos.
Atualmente, a Fundação Pão dos Pobres atende a 1,4 mil crianças, adolescentes e jovens. Muitos deles tiveram os direitos mais básicos violados no ambiente familiar e, por determinação judicial, foram encaminhados para a instituição.
Se fosse para pedir uma vida feliz eu pediria...
MENINO, 13 ANOS
Carta escrita por uma criança atendida pela Fundação Pão dos Pobres, de Porto Alegre
No entanto, além das 120 crianças na entidade, mais 40 que nem chegaram a fazer seus pedidos chegarão um pouco antes da celebração do Natal. Com isso, surgiu a necessidade de novas doações.
Além de brinquedos para os mais novos e presentes destinados a garotos e garotas já na adolescência, materiais escolares para o próximo ano letivo também são bastante requisitados.
É possível apoiar a iniciativa de várias formas, tornando-se um voluntário, fazendo doação de brinquedos, alimentos ou recursos financeiros e até aderindo ao Funcriança – considerada a principal fonte de receitas do Pão dos Pobres. Para obter mais detalhes sobre cada uma dessas modalidades de colaboração, clique aqui.
Quem quiser entregar alguma doação pessoalmente, pode se dirigir até a entidade na Rua da República, 801 - Cidade Baixa.
Martinho do Asilo e sua gaita de boca
Muitas entidades já estão colhendo resultados bastante positivos dessas campanhas natalinas. O Asilo Padre Cacique, por exemplo, conquistou um feito inédito. Pela primeira vez, a campanha de cartas nem chegou a ser lançada.
E por um bom motivo: funcionários da Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec) e da Unidade de Saúde Santa Marta, de Porto Alegre, se uniram para atender todos os pedidos.
Um deles partiu de Martinho Oscar von Mühlen, um pastor luterano de 80 anos de idade. O nome dele foi uma homenagem da família ao teólogo e líder da reforma protestante Martinho Lutero. Conhecido por cantarolar bastante por onde passa, o residente do Padre Cacique chegou a ser apelidado de Martinho da Vila. Hoje, é mais conhecido como o Martinho do Asilo.
Em vez de roupa, perfume ou relógio, o idoso disse que gostaria de ganhar uma gaita de boca — e há uma grande história por trás disso.
— Sou natural de Rolante, terra do Teixeirinha. Lá tinha um padre bem velhinho que se chamava Martinho também. Eu fiz uma grande amizade com ele. Naquela época, tinha muita rivalidade entre os católicos e os luteranos. Através de mim e deste padre, nós fizemos amizade entre todos, levamos os católicos pra minha igreja e levei os luteranos para a igreja católica. Numa das viagens do padre para a Alemanha, ele retornou com um presente. Sabe o quê? Uma gaitinha de boca, que tocava dos dois lados, a melhor marca!
O relato para o Diário Gaúcho é tomado de entusiasmo. É possível perceber o brilho nos olhos ao relembrar os velhos tempos. Inclusive, ao mencionar como é que ele perdeu o presente dado pelo amigo.
— Um amigo me pediu ela emprestada para fazer uma serenata, mas não foi bem recebido. Ele ganhou um balde d'água. Resumo da história: ele sumiu da cidade, mas sumiu com a minha gaitinha junto! — gargalhou o idoso.
Atualmente, Martinho caminha para lá e para cá sempre acompanhado de uma bengala e de uma gaita que também recebeu de presente. Enquanto não ganha outra, ele enche os corredores do asilo com o som do instrumento. O morador do Padre Cacique confirmou que está se preparando para fazer uma apresentação de Natal. Promete tocar a canção "Noite Feliz".
Fundado há 125 anos, o asilo possui um amplo reconhecimento pela dedicação ao cuidado e à assistência a idosos em situação de vulnerabilidade social. Hoje, 91 pessoas com mais de 60 anos são atendidas no local.
Como todos os pedidos feitos pelos residentes já foram atendidos, o espaço aguarda contribuições para que a ceia de Natal seja mais do que especial. Confira a relação completa de produtos solicitados:
- Abacaxi em calda
- Bacon
- Balde de creme de leite
- Calda de chocolate
- Calda de morango
- Farinha de mandioca
- Figo em calda
- Frutas cristalizadas
- Kiwi
- Lentilha
- Linguiça defumada
- Maionese
- Manga
- Melancia
- Morangos
- Refrigerante zero
- Panetone/chocotone
- Peru ou chester
- Pêssego em calda
- Presunto
- Queijo mussarela
- Sorvete de creme zero açúcar
- Uva
- Uva passa
A instituição disponibiliza em seu site oficial uma lista completa com as principais formas de ajuda, que incluem a possibilidade de voluntariado e visitas aos idosos, e elenca ainda as necessidades do mês (alimentos não-perecíveis, medicamentos, higiene e limpeza). As doações podem ser entregues na avenida Padre Cacique, 1178 - Menino Deus, durante horário comercial.